A propaganda privatista sobre a previdência está, como dizem, “pegando pesado” mesmo. Não é só a Rede Globo. Grandes revistas estão executando bem essa empreitada em favor dos grandes que querem pegar mais essa fonte de lucro que põe em risco os trabalhadores. A Veja de 22 de janeiro de 2003 ocupou simplesmente oito páginas com o assunto.
Para iniciar, afirma a revista que “o sistema é uma fábrica de iniqüidade”. Continua: “No espécie de Robin Hood às avessas, a Previdência arrecada dinheiro dos mais pobres e o transforma em rendimentos polpudos entregues nas mãos da elite formada pelos inativos do serviço público.”
Agora pergunto: Acaso foram os empregados das empresas privadas que passaram toda a vida contribuindo com desconto incidente sobre todo o seu salário? Deve ser essa a imagem que a revista quer passar.
Prossegue a revista: “O apartheid previdenciário que dá pouco a muitos e muito a poucos paga aos aposentados do Brasil privado apenas uma fração do último salário que recebiam quanto trabalhavam”.
Novamente não informou a revista que esses contribuíram com desconto sobre apenas fração do salário, enquanto os servidores públicos contribuem com descontos sobre todo o vencimento. Seria justo é tirar do que contribui mais para dar ao que contribui menos?
“O Chile”, informa a Veja, “foi o primeiro país do Ocidente a tomar providências e resolveu privatizar a previdência há vinte anos.”
E o resultado? Esse também a revista não informa.
“No Brasil, quebrou-se o Montepio da Família Militar, deixando inúmeros segurados sem a complementação de sua sonhada aposentadoria.
No Chile, entre 1981 e 1988, os Fundos Privados Chilenos arrecadaram 33 milhões de dólares. Neste período o Estado chileno teve que transferir 4 milhões de dólares para as seguradoras privadas pagarem as mudanças, compensações e pensões mínimas destinadas aos contribuintes que não conseguiram alcançar a previdência privada.
Dos 14 fundos de pensão criados no Chile entre 1976 e 1977, existem apenas 6. os outros 8 faliram, dando calote nos trabalhadores, ou foram incorporados pelos fundos maiores.” (auditores fiscais da previdência em Minas Gerais, “A Verdade Sobre a Previdência Social”, pág. 22).
Mais uma da Revista: “Nenhuma distorção consegue ser mais grave do que permitir que pessoas recebam proventos previdenciários elevados apenas porque trabalharam para o Estado.”
Apenas porque trabalharam para o Estado? Não; os servidores públicos recebem proventos elevados porque contribuíram com descontos elevados. Mas, isso não diz a revista, porque não quer mostrar a realidade.
“Só 1% dos aposentados tem a felicidade de receber pelo teto”, bombardeia a Revista. Ela oculta a realidade que é só esse 1% que pagou por isso. Seria uma “iniquidade”, se 1% pagasse e os outros 99% recebessem.
Enfim, diz alguma coisa real:
“O sistema oficial de previdência foi inventado em 1923 e desde então vem sendo dilapidado. Juscelino Kubitschek tomou 6 bilhões da Previdência para construir Brasília. Os militares usaram dinheiro da Previdência para fazer a ponte Rio-Niterói e a Transamazônica. O dinheiro jamais foi devolvido. Com a promulgação da Constituição de 1988, o INSS levou o último grande baque. Sob a justificativa de que estavam fazendo justiça social, os constituintes aprovaram uma lei concedendo o benefício da aposentadoria a todos os brasileiros com mais de 60 anos, no caso das mulheres, e de 65 anos, para os homens, mesmo aos que nunca contribuíram. Mais de 5 milhões de ex-agricultores passaram a receber aposentadoria, e o aumento de despesas foi da ordem de 15 bilhões de reais por ano. Decisões desse tipo podem soar como um gesto de grandeza social, mas a Previdência deve ser um sistema blindado, do qual só participe quem paga”.
E, por acaso estamos participando sem pagar? Nós pagamos caro pelo direito que apresentam como “privilégio”. O dinheiro da Previdência é desviado, e a culpa é lançada sobre os que prestam o serviço público e pagam para ter o direito que pretendem tirar. Além de pagar mais, não temos direito ao FGTS como o empregado.
Vejam o que ocorre em relação aos dois tipos de trabalhadores, comparando duas pessoas que ganhem R$3.000,00:
O empregado da empresa tem um desconto de R$171,77, limite legal de contribuição;
Tem direito a R$240,00 de FGTS; e
O empregador contribui com R$660,00;
O servidor público contribui com R$330,00;
Não tem direito a FGTS; e
O governo não contribui com nada.
Assim, o governo economiza R$900,00 em cima do servidor público, sendo R$660,00 por não contribuir para a previdência e R$240,00 por não pagar FGTS.
Finalmente, o cúmulo: “Hoje, é motivo de vergonha o fato de o Brasil ter sido o último país do mundo a acabar com a escravidão. No futuro, a lembrança do país que abandona 23 milhões de miseráveis e sustenta privilégios de servidores públicos poderá produzir a mesma indignação que se tem ao lembrar do Brasil escravocrata.”
Que comparação admirável! Prestamos serviços ao povo, pagamos caro pelo direito que temos, e somos comparados àqueles que aprisionavam seres humanos para utilizá-los como animais de carga!
Entre todo o bombardeio, a revista faz uma outra revelação: “O Estado encolheu com a venda de estatais ineficientes e a demissão de servidores.”
Aí há apenas uma pequena correção a fazer. As chamadas “estatais ineficientes” foram escolhidas começando pelas mais lucrativas empresas públicas. E a redução do número de servidores é uma das medidas para o desmantelamento do serviço público, e ainda tem a vantagem que o governo quer mostrar, criar déficit, porque reduz os contribuintes enquanto permanecem os beneficiários, que o governo não pode eliminar.
A revista também mostra um déficit bilionário, que ficou mais do que triplicado no governo FHC. O alegado déficit tem um motivo: redução dos quadros de servidores.
Entretanto, considerando-se todas as receitas previdenciárias, os auditores fiscais constataram que ainda existe um superávit:
“Se a previdência social pública, não visando ao lucro, é considerada deficitária ou mesmo inviável, o que justifica a existência e proliferação de entidades de previdência privada cujo objetivo principal é o lucro?”, perguntam os auditores.
“Trinta e cinco anos correspondem a 420 parcelas que, por sua vez, somam 84 salários integrais. Se honestamente capitalizado com o menor dos rendimentos do mercado (0,5% ao mês), durante esse tempo, o valor chegaria a 172,2 salários integrais. A quantia é suficiente para proporcionar frutos mensais maiores que um salário integral, durante todo o resto de vida do aposentado. Depois disso, dizer que cada aposentado é sustentado por dois trabalhadores em atividade é deslavado cinismo.” (Procurador Airton Florentino de Barros).
Ademais, vale lembrar que muitos morrem antes de se aposentarem e pouquíssimos vivem o tempo suficiente para consumir todo esse dinheiro.