Os cientistas têm por princípio afirmar uma coisa só depois de comprovação muito bem fundamentada. É que estão fazendo para desfazer a idéia que muitos tentam passar sobre a maconha.
“A maconha é tolerada pela sociedade e apresenta um certo charme em determinadas camadas sociais, mas é mais perigosa do que parece”, afirma o psiquiatra brasileiro Carlos Zubaran, um dos coordenadores do estudo. E faz o alerta: “Ela não pode mais ser considerada uma droga leve”.
A pesquisa está em andamento, e os primeiros resultados, apesar de polêmicos, são significativos. Os bastidores são dignos de figurar em um reality show. Os usuários são escolhidos a partir de anúncios no Village Voice, jornal de alta circulação no Village, bairro de Nova York freqüentado por boêmios e conhecido pelos costumes liberais. Uma vez selecionados, eles recebem US$ 2 mil para permanecer 21 dias em quatro apartamentos. Nesses aposentos, individuais e ligados a uma sala comum, são vigiados em tempo integral por câmeras de vídeo. Por dia, em horários estabelecidos, fumam quatro baseados. Os voluntários recebem os cigarros já enrolados. As instruções são transmitidas por alto-falantes. “Inspirem”, é a primeira ordem. “Exalem”, é o comando final. A operação se repete várias vezes e dura três minutos.
Nos quatro primeiros dias do estudo, os pacientes fumam cigarros com uma concentração de 3% de THC, o princípio ativo da Cannabis sativa. Nos quatro dias seguintes, consomem placebos – ou seja, o cigarro tem a aparência e o aroma do original, mas sem o princípio ativo. E assim alternadamente. Os voluntários não sabem quando estão inalando uma coisa ou outra. Em intervalos regulares, respondem a extensos questionários sobre a capacidade de concentração e o estado de ânimo em que se encontram naquele momento. No tempo livre, podem ler ou jogar videogame. Sem contato com o mundo exterior, como telefone ou internet, um em cada quatro voluntários costuma desistir. Casos extremos de descontrole já foram registrados. “Quando estão em abstinência, alguns ficam bastante agitados e chegam a destruir móveis”, conta Zubaran.
A pesquisa começou há três anos, sob a coordenação da psiquiatra americana Marian Fischman, autorizada a ministrar drogas a seres humanos de maneira controlada e para fins científicos. Com a morte da psiquiatra, no ano passado, continuou a ser tocada por um grupo de sete estudiosos. Eles já cravaram: maconha vicia mesmo. Mais de 40 casos de dependência foram registrados. E prosseguem as experiências, agora com o propósito de descobrir um processo capaz de interromper o ciclo de dependência. Os relatos vêm sendo publicados em revistas científicas como Nature e Psichopharmacology.
SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA
Na falta da droga, os dependentes podem apresentar uma série de sintomas. Os principais são: • irritabilidade• ansiedade• dificuldade para dormir• falta de apetite• dor de estômago• depressão Fonte: Universidade Columbia
O estudo deve gerar ainda discussões intermináveis no meio científico e na sociedade. Os pesquisadores da Columbia acreditam que os relatos serão avaliados pela Associação Americana de Psiquiatria na próxima revisão de critérios de diagnóstico de drogas. Atualmente, a entidade classifica a maconha como droga leve – ou seja, não causa dependência química nem síndrome de abstinência. A rigor, uma mudança de categoria equivaleria a dizer que, em termos médicos, a maconha estaria no mesmo patamar da cocaína e da heroína – estas sim drogas ilícitas, de efeitos devastadores – e seria também uma substância mais nociva que o álcool e o tabaco, produtos legalizados e vendidos com autorização governamental no mundo inteiro.” (Época, Edição 216 - 08/07/2002).
Quem convive com pessoas que usam a droga normalmente não tem dúvida de que ela é muito prejudicial à saúde. Mas os cientistas gostam de eliminar qualquer dúvida e estão analisando mais profundamente para confirmar o que não é tão difícil de perceber.