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Artigos-->Bomba suja -- 30/04/2003 - 04:52 (ji) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Jussara Silva, grávida, já passou dois dias sem comer nada. Nada. Copo d’água não conta, ainda mais se for da Águas do Paraíba – nesse caso, vale até como índice negativo. Ela esteve na monumental fila da Secretaria de Promoção Social, na última segunda-feira, após ouvir notícia na rádio de um locutor que tanto admirava e que julgava se tratar quase de um vizinho, pelo modo simples, por vezes (muitas vezes...) ignorante, como se comunica. Ela não teve estudos para diagnosticar o falso-moralismo que nem os quadrúpedes têm. Mas, instruída pela vida, se comoveu com a história da criança que morreu de fome. Ela não teve como trocar de canal e mudar de assunto. Primeiro porque não havia outro canal; segundo porque, se se virasse para a janela, veria histórias semelhantes.

O absurdo é tão grande que a realidade vem até mesmo retirando dos poetas a capacidade de estarem à frente de seu tempo. Pobre Ferreira Gullar... se estivesse em Campos, o esforço seria tremendo para que sua obra se tornasse ciclo vicioso, de tanto “incluir na poesia a palavra diarréia”. Gullar, com todo respeito, precisa se atualizar. Tudo bem, a fome “mata mais do que faca, mais que bala de fuzil, homem, mulher e criança no interior do Brasil”. Mas, interior do Brasil? Não precisava tanto... não precisava se ater no atrasado norte brasileiro... poderia ser mesmo no interior do Estado do Rio de Janeiro, numa cidade que recebe R$ 1,3 milhão por dia, e o poder público não teve a capacidade de dar R$ 0,50 para um pão, ou de reconhecer uma mãe doente.

Doente, sim. A Rede Globo conseguiu convencer a todos, na época da novela “O Clone”, com a questão das drogas de que os viciados, antes de tudo, são doentes, dependentes químicos. Ninguém contestou. Mas, o linchamento moral da mãe – justificável ou não – deveria se basear nos mesmo incontestáveis conceitos, quando devidamente veiculados pela hipnotizante Rede Globo. Jussara não tem problema com bebida; “só” com comida. E por isso ela apanhou da guarda municipal, no sol escaldante, tendo ainda que ir trabalhar de barriga vazia. Mas ela não se revoltou. Seu drama não era maior que o dos idosos, grávidas e mães com bebês de colo na mesma fila da cesta básica.

Erraram os jornais campistas pelo enfoque. Erraram os vizinhos que não buscaram todas as formas para que as denúncias fossem ouvidas, afinal, tinham seus próprios problemas. Errou o dono do bar que aceitou a troca de alimentos por bebidas. Errou, acima de tudo, o poder público municipal. Se sabia da existência do problema da mãe, por que não retirou a guarda da criança? Por que simplesmente durante visita à casa, os funcionários aceitaram, como veiculado nos jornais, quando a mãe se recusou a mostrar a desnutrida criança? Qualquer ameba, no mínimo, desconfiaria; qualquer Poder (com “P” maiúsculo) buscaria os meios necessários; qualquer um vê que o objetivo é, apenas, tentar cumprir o dever de bom samaritano. Atingi-lo ou não, é detalhe.

O que não é o caso de Jussara. Atingi-lo é necessário. É sobreviver. É desarmar a “bomba colocada nela antes de nascer”, como disse Gullar em seu poema. É desarmar “a bomba colocada pelos séculos de fome, e que explode em diarréia no corpo de quem não come. Não é uma bomba limpa: é uma bomba suja e mansa que elimina sem barulho vários milhões de crianças”. Quem será o próximo? Viremos a saber? Desde então, quantas vezes já não dissemos, impunemente, que estamos “morrendo de fome”?

Ninguém perdeu a oportunidade de friamente aproveitar o drama para agir em prol de interesses políticos. Mas se formos analisar, não restará pedra sobre pedra. Segundo estudos do IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal), utilizando-se de dados do IBGE para itens como expectativa de vida ao nascer, longevidade, escolaridade e renda familiar, Campos dos Goytacazes ficou em 54º lugar, entre as 92 cidades do Estado, e em 1818º dentre as 5559 cidades de Brasil. Em 1991, a colocação era 44ª, no Estado, e 1579 no país. Em suma: nas gestões de Garotinho, Sérgio Mendes e Arnaldo Vianna (os dois últimos eleitos sob a tutela do ex-governador, e ambos atacados após o crescimento de seus índices de popularidade), com toda a arrecadação proveniente do petróleo, o IDH, simplesmente, piorou.

Chega de esperar pelo “Fome Zero”, pelo assistencialismo barato e ineficiente exemplificado pela confusão na Secretaria de Promoção Social. Chega do discurso fácil de que este é um problema brasileiro, e que todos estão vivendo. Pode até ser. Mas nem todos estão vivendo com R$ 1,3 milhões diários nos – assim esperamos – cofres públicos. Gullar: “Cabe agora perguntar: quem é que faz essa fome, quem foi que ligou a bomba ao coração dos homens?”

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