Diferentemente da ortografia, que orienta sobre o emprego das letras, a ortoépia ou ortoepia informa sobre a maneira correta de pronunciar as palavras; tema de que cuidarei aqui em relação às letras de sons múltiplos.
As alterações lingüísticas que inspiraram a lenda da Torre de Babel derivam, nunca de erros ortográficos, mas sim de erros ortoépicos. As novas grafias são autorizadas somente após a consagração de erros de pronúncia, que passam a fazer parte do vernáculo.
Neste capítulo não vamos nos preocupar sobre quando empregar uma letra, mas sim como pronunciar determinadas letras em certas formações vocabulares, a fim de que o leitor saiba evitar os erros tão repetidos mesmo por pessoas de nível superior e que soam tão desagradável.
Antes de tratar dos sons diversos de algumas letras, cabe lembrar os tropeços comuns em relação às consoantes mudas (consoantes desacompanhadas de vogais). Pois há uma tendência popular de adicionar vogais às consoantes mudas, criando novas sílabas dentro dos vocábulos, onde tropeçam até muitas pessoas de boa cultura.
CONSOANTES MUDAS
As letras mudas são com maior freqüência, b, d, g, e p, sendo mais raros os casos de outras como c, f, e m.
b. absoluto. Pronuncia-se ab.so.lú.to, mas já ouvi até professor dizer a.bi.so.lú.tu. Evite esse erro. Onde há apenas uma consoante, devemos terminá-la bruscamente, sem adicionar-lhe um “i” que não existe na grafia. Abdicar (ab.di.cár, não a.bi.di.cár); absolver (ab.sol.vêr, não a.bi.sol.vêr); etc.
d. advogado. Pronuncia–se ad.vo.gá.du, não a.di.vo.gá.du, nem a.de.vo.gá.du, como às vezes ouvimos. O prefixo ad é o mais abundante de letra muda em nossa língua. Todas as vezes que o encontrar (adversidade, admirar, adjetivo, adjacente), não adicione i ao d.
f. aftosa. Ninguém ao pronunciar a palavra afta diz a.fí.ta, nem a.fé.ta, mas alguns dizem a.fe.tó.za, quando correto é dizer af.tó.za.
g. impugnar. Esta palavra é o grande tropeço entre advogados. É comum ouvirmos alguns desses profissionais dizerem que “impuguinam” as alegações dos adversários. A pronúncia correta é “im.pug.nár”, não “im.pu.gui.nár”. Assim se deve dizer “im.púg.na”, não “im.pu.guí.na”.
Certo dia, uma bela moça me disse que se a gente trabalhar junto de fumante, o cigarro dele impreguina a roupa da gente de mau cheiro. Isso me fez lembrar-me de lhe informar que, antes do livro Livre-se do Cigarro, eu editaria um livro sobre erros de linguagem.
m. amnésia. Muitas vezes pessoas dizem “a.mi.né.sia”. O correto é “am” (m bilabial, não apenas nasalação do a).né.zia.
p. adaptar. Pronuncia-se “a.dap.tár”, não “a.da.pi.tár”. O que me parecia inacreditável ouvi em uma aula de literatura em um dos mais renomados colégios de Belo Horizonte: o professor disse “a.da.pí.ta”, o que chocou também alguns outros alunos.
SONS MÚLTIPLOS
Após essa rápida abordagem das letras mudas, cabe aqui considerar as letras que tem mais de um som.
C. Esta letra apresenta dois sons diferentes, de acordo com as vogais a que precede. Antes de a, o, ou u, c=k (causa, coisa; cume, etc.) Antes de “e” e “i”, c=s (cebola, cidade, etc.). Não oferece muita dificuldade. Quando queremos o som de k antes de e ou i, temos que empregar qu (querer, quiabo, etc.).
G. Antes de “a”, “o”, ou “u”, tem som palatal (gago, gorjeta, gume, etc.). Antes de “e” ou “i”, tem som alveolar, soando como j (gelo, gíria, etc.). Quando temos que formar o som palatal do “g” antes de “e” ou “i”, usamos “gu” (erguer, seguir, etc.).
Ü. Uma vez que a vogal “u” não soa nas sílabas “gue”, “gui”, “que”, “qui”, temos que usar o trema (¨) sobre o “u”, quando temos que pronunciá-lo (agüentar, argüir, aqüestos, eqüino, etc.).
A reforma ortográfica ratificada pelo Brasil, mas que não entrou em vigor por falta do necessário número de ratificações, elimina o trema, o que é um farto material para a torre de babel, provocando grave confusão de pronúncia. Muito bom seria que essa reforma nunca vigorasse, embora em muitos outros pontos seja ela benéfica.
R. Tem seu som fricativo no início de palavras (rato; rede; rima; rolo; rua; etc.), soando vibrante dentro do vocábulo (parar; parede; perímetro; poro; puro; etc.), exceto se precedido de consoante em sílaba distinta (enredo; abalroar; israelense; etc.) Para dar ao “r” o som fricativo no interior da palavra, temos que duplicá-lo, o que só ocorre após vogal (carro; correr; arrimo; verruga; etc.).
S. Após vogal, o “s” sempre tem o som de “z”, devendo ser duplicado para ter seu próprio som. (caso = ca.zo; casso = ca.so). Após consoante, o “s” jamais será duplicado, tendo normalmente o som próprio (absoluto, subsolo; subsídio (é errado dizer sub.zí.dio ou su.bi.zí.dio).
Exceções: nos os compostos de “trans” o “s” tem som de “z” (transação = tran.za.ção, trânsito=trân.zi.to, etc.). Um erro foi consagrado e oficializado em “obséquio” (pronuncia-se ob.zé.quio, sendo este o único caso em que o “s” tem som de “z” após “b”). É, pois, errado dizer “sub.zis.tír” (subsistir) e sub.zí.dio (subsídio).
X. O “x” é a letra mais complexa do nosso alfabeto, tendo vários sons.
x=ch. Ocorre na maioria dos casos em que é precedido de ditongo e em todos em que segue o som nasal (caixa; frouxo; enxergar; etc.), com poucos casos de som de “s” (auxílio; trouxe; etc.). É menos freqüente ter som de “ch” entre vogais (coxo; buxo; lixo; etc.). Também sempre que inicia o vocábulo (xarope; xícara; xororó; etc.).
x=s. Há poucos exemplos de “x” com o som de “s”, como alguns em que segue a ditongo, como já mencionado (auxílio; trouxe; etc.) e raramente entre vogais (sintaxe).
x=ks=kç. Ocorre em quase todos os casos de “x” entre vogais (reflexo; sexo; fixo; ôxido; fluxo; etc.), com raras exceções de x=ch (lixo; luxo; etc.) e no final da palavra (látex; cóccix; xerox; etc.).
x=z. Ocorre nos casos em que é precedido de e, na partícula “ex” (exato; exemplo; exército; êxito; exortar; exumar; etc.).
Em Hexágono afirmam gramáticas que o som do “x” é “gz”. Parece, todavia, fora de aplicação, dando lugar ao som “ks”.
Este texto é um item do meu livro intitulado "Proteja Sua Língua".
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