Os nossos idiomas são muitos (milhares). Não foi obra dos deuses como dizem as lendas. São os erros de pronúncia (cacoépia) que se popularizam e posteriormente forçam as mudanças ortográficas.
Antes mesmo de inventarem a escrita, as línguas já eram várias. E variavam mais rapidamente. A escrita, por sua vez, veio diminuir um pouco o ritmo da modificação da língua, contudo não o impede. A linguagem oral predomina, e surgem as variantes, que depois tomam o lugar das formas antigas, as quais passam a fazer parte da língua arcaica.
Toda vez que um erro ortoépico passa a fazer parte da linguagem de uma grande maioria de um povo, essa forma de pronúncia passa a ser considerada correta, criando-se uma variante gráfica, para adaptá-la à pronúncia. Após desaparecer a pronúncia antiga, a velha grafia cai em desuso, tornando-se arcaica.
Como cada grupo distorce a língua a seu modo, isso deu origem às mais de duas mil e quinhentas línguas que existem hoje.
Veja exemplos da gradativa mudança:
“Undeci”, do latim, passou para “undici”, “undci”, “undce”, “unce”, “once”, chegando a nós como “onze”.
O verbo latim “ponere”, entre os portucalenses (atualmente portugueses), passou por “poner”, “ponher”, “poer”, chegando a nós como “pôr”. Entre os espanhóis, a mudança foi mais lenta, ainda hoje dizendo eles “poner”.
“Civitate”, do latim, chegou a nós hoje como “cidade”.
O nosso pronome de tratamento “você” é uma redução de “vossa mercê”. Atualmente, muitas vezes ouve-se “ocê”, o que mostra a nossa tendência de eliminar partes das palavras.
Na nossa língua atual, podemos observar mudanças que se vão operando entre nós: “bom”, em linguagem rústica é “bão”; futuramente poderá ser palavra oficial, assim como “non” passou a ser “não”, tornando-se arcaica a forma antiga. “obligação”, do latim “obligatio”, já não é mais forma correta, já virou linguagem do Cebolinha, prevalecendo atualmente “obrigação”. A nossa tendência é trocar o “l” por “r” e “om” por “ão”.
Do latim “locus”, derivou-se “local”, e deste nasceu “logar”, a forma que ainda se escrevia no século passado. Mas, como temos a tendência a substituir o “o” por “u”, a pronúncia errônea generalizou-se e a grafia passou a ser “lugar”. Assim também, o latim “moliere” é hoje “mulher” na nossa língua.
Atualmente está muito comum ouvirmos: miupia, cartulina, tiatro, cumpanheiro, cubiça, até culégio e pudêr.
Um dia, dada a intensa repetição dessas pronúncias erradas, elas tomarão o lugar das corretas, conseqüentemente alterando a grafia.
Não acho, entretanto, que já seja o momento de nos juntarmos aos que dizem “culégio” e “cartulina”, “miupia” (miu.pi.a), etc. O correto ainda é “colégio”, “cartolina” e “miopia” (mi.o.pi.a). Mas a tendência é essas palavras mudarem, como “logar” (grafia ainda utilizada no final do século XIX) hoje é “lugar”.
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