À semelhança dos partidos políticos, a religião tem duas faces, uma boa e uma ruim, e a boa está na fase de oposição e a ruim na fase de situação. Só que o poder religioso é muito mais perigoso do que o poder leigo. A aproximação entre religião e estado é preocupante.
Freqüentemente, assistimos pela TV os discursos dos partidos de oposição apontando todas as falhas do partido que está no poder. Parece tão claro cada discurso mostrando o que deveria ser feito para solucionar graves problemas do país! À primeira vista, podemos ter a impressão de que se aquele candidato de oposição chegar ao poder o país se transformará como de um inferno para um paraíso.
Quando aquele candidato que tanto mostrou as falhas chega ao poder, temos a maior decepção. Ele esquece tudo que disse, passa a ver as coisas de outra forma, sentir que não há caminho mais correto a seguir do que dar continuidade à política do governo anterior. Até aquela tão propagada liberdade de pensamento e o respeito à opinião alheia são esquecidos, e começam a dar lugar à truculência, à imposição das idéias prevalentes no âmbito do poder. Assim predomina o conceito de que os políticos são as pessoas mais falsas que existem. Criticam os maus procedimentos dos outros só para conseguir chegar ao poder e poder fazer o que os outros fazem.
Tratando-se de religião, podemos observar um cenário nada diferente do que ocorre na política. As inúmeras religiões minoritárias ou que não têm influência política fazem obras filantrópicas, pregam um comportamento altruísta e caridoso, justiça, tolerância, honestidade, etc. Aquela, porém, que se fortalece e domina o meio político, é como o lendário Lúcifer, o anjo que se tornou o Diabo. As idéias da religião dominante são impostas; as opiniões divergentes são heresias, devendo ser combatidas impiedosamente; quem não se submete às ordens eclesiásticas deve ser punido com excomunhão, tortura, morte, etc. Aquele tão falado mandamento “não matarás” é esquecido. A bondade e tolerância dá lugar à repressão.
Tomemos como exemplo o cristianismo. “O que quereis que os homens vos façam, fazei vós também a eles”. “Amai o próximo como a vós mesmos”. Exageradamente, “amai o vosso inimigo”. “Honra a teu pai e à tua mãe. Não matarás, não furtarás, não adulterarás. Não dirás falso testemunho. Não cobiçarás... coisa alguma que pertença a teu próximo”. Esse deveria ser o mundo cristão. Os cristãos primitivos davam a vida pela sua fé.
O Cristianismo cresceu e conquistou o império. O imperador romano declarou o cristianismo a religião oficial. A religião assumiu o poder. O cordeiro virou lobo, ou melhor, virou a besta de sete cabeças.
À semelhança do candidato de oposição que ganha as eleições, aqueles que davam a vida pela fé começaram a tirar as vidas dos outros em defesa da fé. A paciência deu lugar à intolerância. Amar seus inimigos?! Morte aos hereges! Não matarás? Quem rejeita a verdade divina tem que ser torturado, queimado, lançado às feras, etc. Não furtarás? Que nada, os bens dos hereges devem ser confiscados e usados em benefício da obra de Deus. Se não se converte pelas almas, que se converta pelas armas. Se não aceita a “vida” cristã, que receba a morte.
Há essa incrível semelhança entre a política e a religião. Todavia, a uma pequena diferença. O poder político leigo é um pouco sensível às idéias de direitos humanos, liberdade de pensamento, dignidade da pessoa humana, etc. O poder religioso não. Na religião não há respeito à vida de quem não se submete a ela. Liberdade é libertinagem. Direitos humanos não existem; o direito é a vontade divina, a opinião da igreja. Esse é o risco da aproximação e subseqüente união entre religião e estado. O fim da liberdade, dos direitos individuais e da dignidade da pessoa humana.