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Artigos-->Raízes do Cangaço-Paulo Nunes Batista -- 20/03/2005 - 00:57 (m.s.cardoso xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Raízes do Cangaço

Ligeiras considerações sobre as possíveis origens do cangaço

Paulo Nunes Batista (*)



A Editora Delta S. A - responsável pela publicação em português da Grande Enciclopédia Delta Larousse – contou em seu Conselho Consultivo, entre outras sumidades, com eminentes vultos do saber brasileiro, como: Manoel Diegues Júnior, professor de antropologia cultural da P.U.C.; diretor do Centro Latino Americano de Pesquisas Sociais; Paulo Marques Pires de Amorim, antropologista, ex-assessor técnico do Instituto de Ciências Sociais da U. F.R.J., em que serviu como auxiliar no departamento de antropologia. Como colaboradores especiais: Ariano Suassuna, escritor premiado e uma das maiores autoridades em temas nordestinos; Édison Carneiro, escritor e etnólogo baiano; Pedro Calmon, historiador, da ABL.

Na edição de 1970 da famosa enciclopédia, à pág. 1289, vol. 3, lemos: “cangaceiro s.m. Salteador, criminoso errante do Nordeste brasileiro. Isolados ou em grupo, os cangaceiros viveram perseguidos e perseguindo, em luta contra tropas policiais ou outros bandos.

-ENCICL. Motivos múltiplos concorreram para o aparecimento dos cangaceiros: problemas de ordem social, tais como fortes desigualdades da distribuição de bens e de desenvolvimento, marginalização funcional crônica dos operários rurais e também o uso de sicários pelos grandes proprietários rurais, vinganças pessoais ou familiares, messianismo carismático, fama irradiante dos grandes cangaceiros etc. Muitos jovens passaram a viver “debaixo do cangaço”, protegidos por políticos e senhores de terras, ocultos por coiteiros, que lhes davam informações sobre os movimentos dos macacos policiais. “Famosos cangaceiros foram Jesuíno Brilhante, Lampião e Cabeleira. O sertão sempre desculpou e compreendeu tais figuras, porque os tinha como justiceiros sociais.” (Grifamos).

A mesma obra define cangaço como sendo “conjunto de armas e objetos usados pelos cangaceiros; o gênero de vida desses bandoleiros” (p.seg.).

Dezenas de livros se publicaram sobre o assunto. Citemos apenas alguns dos mais relevantes: Heróis e bandidos (1917) e Almas de lama e de aço (1930), de Gustavo Barroso; Beatos e cangaceiros (1920), de Xavier de Oliveira; Lampião (1934), de Ranulfo Prata; Cangaceiros do Nordeste (1929), de Pedro Batista; Prestes e Lampião (1926), de Adauto Castelo Branco; Bandoleiros das caatingas (1940), de Melchíades da Rocha; Lampião: memórias de um oficial ex-comandante de forças volantes (1963), de Optato Gueiros; Cangaceiros (1959), de G. Augusto Lima; Capitão Virgulino Ferreira Lampião (1962) e Sinhô Pereira, o comandante de Lampião (1975), de Nertan Macedo; Cangaceiros e Fanáticos, (1963), de Rui Facó; Lampião e suas façanhas (1966), de Manuel Bezerra e Silva; O mundo estranho dos cangaceiros (1965), de Estácio de Lima; Antonio Silvino: capitão de trabuco (1971), de Mário Souto Maior; Fanáticos e Cangaceiros (1973), de Abelardo F. Montenegro; Fatos reais sobre o cangaço (1975), de Aldemar de Mendonça; Fatores do cangaço (1934), de Manuel Cândido; A derrocada do cangaço no Nordeste (1976), de Felipe Borges de Castro; Nordeste (1951), de Gilberto Freyre; Como dei cabo de Lampião (1983), de João Bezerra da Silva; Guerreiros do sol: o banditismo no Nordeste do Brasil (1985) e Quem foi Lampião (1933), de Frederico Pernambucano de Mello. Este último, um dos mais completos estudos sobre o cangaço já levados a efeito.

Cabeleira é cronologicamente o mais antigo cangaceiro cuja vida e façanhas motivaram livros (o romance “O Cabeleira”, de Franklin Távora, escritor cearense, é de 1876) e folhetos de cordel.

Há uma contradição de datas: Luís da Câmara Cascudo, em seu “Dicionário do Folclore Brasileiro” (INL, Rio, 1954, p. 133) dá como sendo 1776 o ano do enforcamento do Cabeleira, “no Largo das Cinco Pontas, no Recife, ante grande multidão”, e o chama de Joaquim Gomes, e não José Gomes como o faz Pernambucano de Mello.

A seguir vem Jesuíno Brilhante (1844-1879), norte-riograndense Robin Hood, “adorado pela população pobre, defensor dos fracos, dos anciãos oprimidos, das moças ultrajadas, das crianças agredidas”, “o cangaceiro gentil-homem, o bandoleiro romântico” que “morreu lutando em Santo Antônio, águas do riacho de Porcos, Brejo do Cruz, Paraíba, em fins de 1879.” (Op. Cit. 326). Motivou o romance Os Brilhantes (1895) de Rodolfo Teófilo (1853-1932). Diz Câmara Cascudo que “uma rixa de sua família com a família dos Limões, em Patu, valentões protegidos pelos políticos, tornou-o de pacato agricultor em chefe de bando invencível em 1871” (p. 326). Grifamos.

Antônio Silvino (Manuel Batista de Morais, 1875-1944), cognominado “o rei do cangaço, rifle de ouro, governador do sertão, de Pernambuco ao Ceará, “valente, atrevido, arrojado, com gestos generosos e humanos, foi ferido e preso no lugar Lagoa de Lajes” (28-11-1914), “cumpriu sentença na Penitenciária do Recife, sendo indultado pelo Governo Federal em 1937”. Faleceu em Campina Grande, em agosto de 1944. (Op. Cit. 52). Foi o cangaceiro mais famoso de seu tempo e o mais decantado na poesia popular. “era branco, alto de 1.83m. usava bigode e não sabia ler ou escrever”. (Pernambucano, 1993, 61). O poeta popular Francisco das Chagas Baptista, meu pai (1882-1930), que, segundo alguns, era ainda parente de Antônio Silvino, publicou diversos folhetos de cordel de sua lavra sobre a vida e as façanhas de Silvino. No “Interrogatório de Antônio Silvino – Cognominado –o Leão do Norte” (Rio, s/d.) Chagas fala das “declarações ao Chefe de Polícia do Recife” feitas pelo bandoleiro, e, à p. 4, põe estas sextilhas:

“Enquanto eu era pequeno/ aprendi a trabalhar, / chegando aos 14 anos / dediquei-me a vaquejar / abracei aos vinte anos / a profissão de matar.

Disse-me o chefe: - Silvino / diga-me por qual razão / você ainda tão moço / abraçou tal profissão? / foi por um motivo justo / ou foi por inclinação?

Não foi tanto por instinto, / mas, sim, por uma vingança/ porque mataram meu pai / minha única esperança / e eu vingar a sua morte / para mim era uma herança.

No ano noventa e seis / meu pai foi assassinado / pela família dos Ramos / sendo sub-delegado / um deles, o José ramos, / já sendo nosso intrigado.

Para a punição do crime / ninguém se apresentou; / a justiça do lugar / também não se interessou / eu inda tenho em suspeita/ que ela ao crime auxiliou.

E eu vi a justiça / mostrar-se de fora à parte / murmurei com meus botões / também eu hei de arrumar-te / não quero código melhor / do que seja o bacamarte.

Eu chamei pela justiça / esta não quis me escutar / me vali do bacamarte / vi este me auxiliar / nele achei todas as penas / que um código ´pode encerrar.

No bacamarte eu achei Leis que decidem questão / que fazem melhor processo / do que qualquer escrivão / as balas eram os soldados / com que eu fazia prisão.

Minha justiça era reta / para qualquer creatura, / sempre prendi os meus réus / em casa muito segura, / pois nunca se viu ninguém / fugir duma sepultura”.

Sem maiores comentários. Na cadeia Antônio Silvino tornou-se evangélico (batista), lia também obras espíritas (era médium vidente etc) e, por seu bom comportamento, recebeu indulto do Presidente Vargas, que chegou a lhe dar emprego numa estrada de rodagem do Paraná, como apontador. (Gr. Enc. Delta Larousse, Rio, 1970, vol. 11, p. 6330).

Pedro Batista (meu Tio, 1890-1938), em seu livro Cangaceiros do Nordeste (Pb, 1929) conta a saga do cangaceiro Liberato, que vinha a ser nosso parente. Tudo começou quando Liberato, sendo primeiro suplente de delegado e ainda segundo Juiz Distrital na então Vila do Teixeira – Pb, aí por volta de 1859/60, teve de enfrentar as tropelias dos facínoras irmãos Guabirabas, protegidos pelos famigerados Dantas do Teixeira, denominados Os Terríveis, grandes latifundiários protetores de bandidos e que eram chefes do Partido Liberal, dirigidos pelo “Grande Capitão” e por sua irmã, a tarada Biluca, mandante de muitos crimes, a quem todos temiam e que, segundo a lenda, conservava em seu poder um rosário de orelhas humanas dos inimigos que mandava matar. Esses Dantas “coronéis” de baraço e cutelo, habitavam a chamada Vila dos Feras, porque, na realidade, não passavam de feras humanas.

Os bandidos Guabirabas, com as costas largas e quentes pelo prestígio dos fazendeiros Dantas, “faziam correrias pelas adjacências, inflingindo aos pobres matutos um sem número de vexames e humilhações”. (Batista, 1929, 49). O velho Terrível jurara vingar-se de Liberato que, do Partido Conservador, se opusera aos Dantas nas últimas eleições. Demos a palavra ao escritor e historiador Pedro Batista:

“Certo dia de Fevereiro, quando se realizava a feira semanal, foi a população sobressaltada com a presença de quatro facínoras armados de pistolas, bacamartes, facas do Pajeú, cingidos de cartucheiras, ameaçadores, cavalgando fogosos animais. Em carreiras desabridas e insultuosas, proferindo impropérios, detonando armas a esmo, os quatro homens, assenhorearam-se do terreno, e minutos após, blasonadores e vitoriosos, mesmo sem ter havido luta, espalhavam o terror...

“Dissolvida a feira, os pobres sertanejos buscam esconderijos, enquanto as autoridades recolhidas em suas casas, servem-se das armas de que podem dispor para, em caso de ataque próprio, vender caro a vida e a inviolabilidade do lar. Oculto, Liberato ouvia os insultos, os tiros e o seu nome proferido escarnecedoramente. A família o prende, e, mais que a família, acovarda-o no momento a falta de munição e de homens para ajudar”.

“Os Guabirabas, entusiasmados com semelhante prova de fraqueza daquela população sobressaltada, redobram as práticas de misérias, invadem lares indefesos, depredam e arrasam tudo!... Ninguém lhes veio ao encontro, e eles depois de prolongarem pelo tempo que lhes aprouve aquelas cenas selvagens, decidem ir-se embora”. (p. 50/1)

E prossegue o historiador-cronista: “Abandonada a vila pelos bandidos foram aparecendo as autoridades para resolverem o que deviam fazer. Uns apoiaram Liberato, - que queria formar uma escolta e na noite daquele dia cercar o Jatobá e dispersar os criminosos se não os pudessem prender; e outros, entre estes o detentor do exercício de delegado – Delfino, - opinaram se despachasse um próprio para a capital, pedindo urgente uma força bem municiada para dar combate em regra”. (p. 52)

Aquele Delfino, “primeiro suplente de Juiz, que se constituíra pela brandura de caráter, competência e inteligência compenetração do cargo”, assinava-se Delphino Baptista de Mello e era meu parente. O narrador prossegue: “Dois dias depois, na sexta-feira, chegou à vila um moleque, trazendo um recado de Cyrino (um dos irmãos Guabirabas) para Liberato: - que no dia seguinte viria à feira, e ele ficasse avisado para não se desculpar” (p. 60) Delfino, a quem Liberato havia passado antes o cargo, não quis reassumí-lo. “Por volta de meio dia, chegou o cabra. Atrevido, cavalgando um fogoso quartau, em galope acintoso, o bandido contornou a feira, percorreu a povoação e foi blasonar e beber aguardente na primeira venda”. (p.62)

Liberato, então delegado, para não sacrificar os moradores da vila do Teixeira, resolveu ir prender Cyrino Guabiraba em seu regresso ao Jatobá, esperando-o com homens armados “num agudo cotovelo da estrada”. Mas, ao dar-lhe voz de prisão, o celerado reage disparando o bacamarte, indo o projetil atingir o ombro esquerdo de Joaquim Caboclo, “tipo franzino e ágil que servia de admiração e paradigma naquela redondeza”, um dos homens de Liberato. Cyrino visara-lhe o coração, mas Caboclo se desviou na hora exata, atirando com sua garrucha no ventre do malfeitor. Outro homem, José do Carmo, fere Cyrino no rosto. O cavalo dispara, o bacamarteiro cai de garrucha engatilhada visando Moreira, que, desviando-se, dá-lhe o tiro de misericórdia, matando-º O animal do homicida, com sangue deste nos arreios dirigiu-se ao valhacouto dos Guabirabas, levando aos seus irmãos o aviso do ocorrido. Antônio, João e José Guabiraba, com mais Jovino e Manoel Rodrigues, em 21 de abril de 1862 tomam de assalto o vilarejo, trucidam na entrada a Antônio Tavares, “humilde suplente de Juiz, um pobre roceiro esforçado, continuamente, para se fazer amigo de todos”, o qual, ferido de morte, “surpreso, arregalou os olhos nevoentos, caindo sobre um fardo de lã, sem forças”. Um dos monstros tentou sugar o sangue da vítima, lambendo os beiços. O padre Vicente, “um bom velhinho”, com a imagem de Jesus Crucificado nas mãos, implorou piedade aos sanguinários matadores. “Nesse instante, Delfino aparecia lá no alto da estrada, e, em vez de fugir, se apresentava, visto estar inocente”. Disparo de clavinote pegou-no coração, prostrando-o a meio caminho. Os covardes caíram-lhe em cima com punhais e coices de armas. Abriram-lhe o peito e arrancando o coração, levantaram-no um troféu, na ponta dos punhais. “O padre retrocedeu e as feras continuaram na faina maldita. Não satisfeitos atacaram os frangalhos da carne humana a corda, e arrastando-os, voltaram para o centro da rua”. (Pp.72 segs.)

Liberato, sem forças suficientes para enfrentar os apadrinhados dos Dantas, e tudo assiste de longe. Perde o cargo e, perseguido pelos Terríveis, abraça o cangaço. Tempos depois, preso numa cilada, evade-se da cadeia. Depois cercado e de novo preso, levado para o cárcere na capital do estado, durante meses sofreu “diversos e pesados castigos, não muito dissemelhante aos inflingidos, às vítimas, no sertão, pelos senhores feudais...” (p. 233).

Antes do mais famoso de todos os cangaceiros, Lampião, temos Sinhô Pereira, vulgo Sebastião Pereira da Silva, que, solidarizando-se com seu primo Luiz Padre, abraçou o cangaço forçado ela força da lei, de justiça nos sertões nordestinos. Sempre as mesmas causas originadoras desse fenômeno sócio-econômico-cultural denominado cangaço: o sistema injusto, uma sociedade baseada no poder do mais forte, na prepotência dos senhores feudais, no predomínio do latifúndio, com seus “coronéis” mandando em tudo e em todos...

O cangaceiro é uma vítima do arbítrio dos chefes políticos, da ausência de segurança por parte das autoridades constituídas, do capitalismo feroz e desumano, que tem por bases a anticristã exploração do homem pelo homem, concentrando a riqueza e o poder em mãos de poucos, enquanto a maioria do povo vive na miséria. Falta de cultura, falta de eqüidade, falta de meios de sobrevivência digna, corrupção, protecionismo, compadrismo, filhotismo, proteção a bandidos, vendas de armas por policiais aos próprios cangaceiros, ferocidade e impunidade dos “macacos” (soldados) policiais, que, estes sim, cometiam as maiores atrocidades e covardias contra a população sertaneja indefesa, extorquindo dinheiro, estuprando mulheres, humilhando homens honestos e trabalhadores, sob o pretexto de combater o cangaço... Muitos dos integrantes das chamadas forças volantes não passavam de bandidos fardados, pagos pelo povo para cometer crimes contra esse mesmo povo...

Diversos cangaceiros, condenados a penas de reclusão, provaram ser homens simples, honestos, respeitadores e laboriosos, a quem, em vez de trabalho decente, obrigaram a pegar em armas para não serem mortos pelos poderosos senhores feudais do Nordeste.

Conheci, pessoalmente, em Saco da Onça, município de Urandi, Bahia, em 1945/6, o ex-cangaceiro de Lampião, Criança, que ali vivia pacificamente, sem roubar, assaltar nem ofender a ninguém. Aliás, virara “autoridade”: o engenheiro-residente nomeara-o Guarda do DNEF, na 5a. Residência, e Criança era respeitado por todos. Baixinho, calado, de olhar firme e voz metálica, era dono de coragem indiscutível... De cangaceiro, passara a representante e defensor da lei!...

Anápolis, 18-2-1997

(*) Paulo Nunes Batista é poeta e escritor paraibano, radicado em Anápolis-GO.











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