Waldemar Emídio de Miranda nasceu em 05.08.1897, no Recife e morreu em Rio Branco(Arcoverde) no dia 29.08.1933. Era filho do professor Auxêncio da Silva Viana e Maria dos Passos de Miranda Andrade.
Emídio de Miranda(esse era seu nome artístico), muito cedo começou a versejar e a beber, entregando-se pouco a pouco ao anti-social vício. Porém, apesar disto, Emídio era muito querido pelas pessoas por ser um homem respeitador, bem aparentado, feições nobres e vasta cabeleira que usava ao estilo Castro Alves. Bom poeta e ótimo declamador, sabia de cor tanto os seus versos quanto os de outros vates mais conhecidos.
Assim, naqueles tempos de romantismo, um poeta com sua estampa e competência literária fazia muito sucesso em qualquer cidade, principalmente as do interior, sempre visitadas por Emídio em suas andanças.
Nessa peregrinação, o poeta residiu no Recife, em Rio Branco(atual Arcoverde), Caruaru, Triunfo, Serra Talhada, Bom Conselho, Belo Jardim e depois voltou à Rio Branco, onde ficou até sua morte.
Mesmo alquebrado pela bebida, Emídio de Miranda compunha belos versos encantando os jovens e causando admiração aos letrados, daí porque fez tantos amigos entre os médicos, advogados, chefes políticos, estudantes e outros literatos, a exemplo do poeta Austro Costa, a quem deixou encantado quando, num improviso, feito à mesa do Café Lafayette(no Recife em 1923), ao ver passar uma mulher aparentando tristeza, compôs este soneto :
ESSA QUE PASSA
" Foi minha amante essa mulher que passa...
Sorveu-me em beijos todo o meu ideal!
E comigo bebeu na mesma taça
O vinho do desejo sensual...
Muito tempo possuímos nós, sem jaça,
A gema da ventura triunfal!
Mas um dia partiu... E ei-la devassa,
Bracejando no pélago do mal...
Quando ela passa, eu vejo na tristeza
De seu olhar de erótica beleza
Todo o brilho da orgia da desgraça...
E não posso ficar indiferente,
Só porque afinal, infelizmente,
Foi minha amante essa mulher que passa... "
Emídio admirava Lord Bayron e Antônio Nobre, conhecendo profundamente a obra desses poetas e não se fazendo de rogado para recitá-las. Quanto às suas próprias obras, muitas se perderam pois Emídio geralmente "poetava" de improviso, sob efeito do álcool. Quando sóbrio, escrevia com bela letra, sem rasuras ou erros.
Depois de sua morte, os amigos reuniram sua obra esparsa e diluída na memória dos admiradores, em um único livro mandado imprimir em Arcoverde, pelo Sr. Antônio Napoleão, com o título " A Rosa da Serra " .
Nesse livro foram apresentados cerca de 30(trinta) dos melhores sonetos de Emídio de Miranda, dentre os quais transcrevemos " Toda de Branco" e " Cruzes da Estrada", que ao lado de " Essa que Passa", são os sonetos mais conhecidos do poeta Emídio de Miranda. Vamos a eles:
TODA DE BRANCO
" Toda de Branco vai entrar na Igreja...
Traz a palma e a capela do noivado;
Por isso não é de admirar que esteja
O velho laranjal despetalado.
Deus que é pai, Deus que é bom, Deus a proteja!
Porque nunca ela teve um só pecado...
Sua alma é como a própria sombra, alveja
Hóstia de armindo em cálix nevoado!
É pura, e no entanto amou um dia!
Alguém a teve trêmula nos braços,
Trêmula e branca! Virginal e fria.
Mas hoje é noiva. Afortunada seja!
Mulher de outro por sagrados laços,
Toda de Branco vai sair da Igreja ".
CRUZES DA ESTRADA
" Aprumada, serena, humilde e suplicante,
Tragicamente negra em seu sombrio porte,
A cruz da estrada lembra a todo caminhante,
Que por ali passou o ciclone da morte.
Passo... Não há negar ... A cruz testemunhante
Diz bem que ali partiu-se o fio de uma sorte,
E outra aqui, outra ali,e mais outras adiante
Dão uns ares tumbais as estradas no Norte.
De sangue algumas são, cruzes de punhais,
Ou de balas talvez... Causam pavor (Passemos
Sem olhar ). Outras são de morte naturais,
Decrépitos anciãos que tombaram. Rezemos.
E aquela toda azul por entre os pereirais?
Cruz de moça enganada! Cruz de amor. Choremos."
Emídio de Miranda passou também por Belo Jardim(PE) e meus avós Albertino e Guiomar de Souza Leão o conheceram. Não sei informar por quanto tempo ele residiu naquela cidade, mas Emídio bebia em um bar que ficava perto da casa comercial do meu avô e, depois de algum tempo, fez amizade com ele, passando então a freqüentar a casa de meus avós nos dias em que havia récitas ou festas ( saraus) tão comuns naquela época.
Numa dessas ocasiões, Emídio recitou uma poesia de sua lavra chamada " Salomé" , que impressionou todos os presentes pela beleza. Esta poesia ficou gravada na memória de minha avó, que a declamava nas confraternizações familiares.
Minha avó morreu aos 91 anos e nos 2 últimos anos de vida, ela recitava constantemente trechos não sequenciados da poesia Salomé( aqueles que sua lembrança trazia), os quais, quando eu estava presente, copiava com o objetivo de não deixar que o poema se perdesse, visto que nunca o vi publicado em livro algum nem recitado por outra pessoa que não minha avó Guiomar.
Dessa Maneira, pude recompor todo ou pelo menos uma grande parte do poema que agora transcrevo, para que esta belíssima peça literária não deixe de ser lembrada, fazendo reviver nessas ocasiões, o poeta inspirado que era Waldemar Emídio de Miranda; um poeta pernambucano iluminado e esquecido . Ei-la: