Grilagem de terras, ameaças e intimidações a agricultores, falsificação de títulos e uma indústria de regularização e invasão de terras da União são apenas alguns entre os mais diversos crimes detectados pela Comissão Parlamentar de Inquérito — CPI das Terras Públicas Amapá, criada pela Assembléia Legislativa em 2004 com a missão de apurar as inúmeras denúncias sobre a situação fundiária do Estado. O relatório, já aprovado pela comissão que teve como presidente o deputado Jorge Salomão (PL) e como relator o deputado Ruy Smith (PSB), deve ser apresentado até o final deste mês no plenário da Assembléia. O documento revela principalmente a grilagem de terras por parte de grandes empresas multinacionais que vêem nessa prática a forma mais rápida e econômica de expandir seus negócios sem respeitar as leis, principalmente as comunidades inseridas em sua área de atuação. As maiores acusações de grilagem e invasões pesam contra empresas como Amcel, Chamflora, International Paper, Jari Celulose e Champion, e por se tratar de terras da União a rede de irregularidades envolve desde órgãos fiscalizadores até a conveniência de cartórios, funcionários públicos, intermediários e especuladores. Tudo com o objetivo de burlar a legislação brasileira e ganhar dinheiro. Para se ter uma idéia da ação dessas empresas, a Amcel, por exemplo, detém no Amapá 21,8% da área de 507.200 ha do município de Ferreira Gomes e 14% da área de 440.200 ha do município de Porto Grande. A legislação brasileira determina que a soma das áreas rurais pertencentes a pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas, não pode ultrapassar um quarto da superfície dos municípios onde se situem. Para contornar as exigências jurídicas e burocráticas, a Champion Papers — com sede nos Estados Unidos — usou como testa-de-ferro no Amapá a Empresa de Empreendimentos Agrícolas Mogi-Guaçu. Curiosamente, os sócios da empresa eram cinco funcionários brasileiros da Champion, que mesmo tendo um capital social de apenas R$ 1,4 mil compraram no Estado 143.000 ha de terras documentadas e mais 77.000 ha de posses sem documentos. Cabe lembrar ainda que a Champion Papers detinha quase todo o capital social da Champion Papel e Celulose Ltda. e, por conseguinte, da Chamflora. De acordo com o relatório da CPI das Terras, a maior parte dessa área foi adquirida de posseiros como Miguel Pinheiro Borges, pai do ex-senador Gilvam Borges. No documento de compra da fazenda Teimoso, pela Empreendimentos Mogi-Guaçu, afirma-se que Miguel Borges e família são senhores, legítimos possuidores e detentores da posse, mas segundo a CPI não há nada que legitime esta declaração e, portanto, a cessão da posse apresenta-se totalmente irregular e ilegítima.
Chantagem e expulsão de agricultores
Por outro lado, os deputados descobriram também que pequenos produtores com títulos de terra foram praticamente obrigados a vender seus imóveis para essas empresas. Um desses exemplos ocorreu em 1995 no município de Amapá, quando 71 famílias receberam todo tipo de ameaças e intimidações para vender suas terras a um especulador conhecido como Wilson Miguel Scheleder Pawlina. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra entregues à CPI, mais de 400 pessoas saíram do campo para a cidade. Miguel Pawlina fazia ameaças aos produtores do tipo: — Não quero que aconteça mais um caso Magave na região. O especulador se referia à família Magave, chacinada no município em 1994. A pressão deu certo e em junho de 1995 todos os imóveis adquiridos irregularmente foram unificados e registrados por João Roberto Gomes Bragança, no cartório do município de Amapá, como Fazenda Itapoã. Sem especificar a área de cada imóvel, João Bragança declara como sendo a área total de 65.793,3 ha , grilando mais 25.000 ha . O relatório aponta ainda o envolvimento do então prefeito Américo Távora e do promotor do município na época na pressão aos produtores. As terras foram integradas posteriormente ao patrimônio da Chamflora Amapá Agroflorestal Ltda, que em 1997, após uma longa luta da Pastoral da Terra, devolveu a maior parte dessas terras e indenizou as famílias. Ainda no município de Amapá, a agricultora Juliana Magave teve de lutar muito para não perder suas terras que haviam sido vendidas para a Mogi-Guaçu junto com a propriedade de Rosivaldo Neves Nunes. O imóvel de Rosivaldo Neves, legalmente, era de 300 ha , porém no documento de compra e venda saltou para 900 hectares . Mesmo ciente da irregularidade a empresa comprou a área. A Comissão Parlamentar de Inquérito conseguiu identificar nas documentações de compra e venda nove imóveis vendidos por meios de instrumento particular de venda de benfeitorias e cessão de posse, 13 imóveis não titulados e de posses feitas por escrituras públicas, 14 imóveis que possuíam titulo definitivo e seis imóveis não declarados e anexados. No comércio de venda de terras invadidas aparecem nomes como Altamir Mineiro Resende, Antônio Celso Sganzerla, Miguel Pinheiro Borges e o grupo Caemi. Os dois primeiros são os mais citados pela venda de inúmeras invasões. Dentro do próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) alguns funcionários já respondem a inquéritos na Polícia Federal por irregularidades na titulação de terras. As informações são de que funcionários do órgão falsificavam assinatura dos ex-superintendentes para vender títulos de terras que, por serem irregulares, não ficavam no cadastro do órgão. A atual superintendente, Cristina Almeida, revela que recentemente dois funcionários foram denunciados por irregularidades no Ministério Público Federal (MPF). Os parlamentares da comissão descobriram também o envolvimento de cartórios do Estado e de outras unidades da Federação na tentativa de legalizar terras da União. Um dos nomes citados no relatório é do empresário Nonato Altair Marques Pereira, responsável pela imobiliária Altair Pereira Imóveis, uma das maiores do Estado.
Irregularidades - Durante o andamento da CPI, a Internacional Paper devolveu 118.141 hectares de terras adquiridas irregularmente. Em 1998, após o relatório de uma Comissão Especial de Investigação — criada pelos decretos 3229/95 e 3452/96 —, a empresa já havia se comprometido em não utilizar 140.000 hectares incorporados irregularmente. Nem bem a empresa devolveu as áreas adquiridas de forma irregular, o Incra e a CPI obtiveram denúncias de que os antigos posseiros que haviam vendido essas mesmas terras para a Champion estão voltando a ocupá-las. A CPI pede que o Incra, Polícia Federal e MPF investiguem as denúncias. Recentemente a Folha revelou que o deputado estadual Eider Pena (PDT), um dos membros da CPI, em sociedade com o presidente da Assembléia, deputado Jorge Amanajás (PSDB), são posseiros de uma área de 8.000 hectares de terras pertencentes à União aonde vem sendo plantada soja no Amapá. Mesmo com todos esses currículos de irregularidades as grandes empresas são praticamente as únicas a receberem financiamentos do Governo Federal no Estado. No Km 50 da BR-210, por exemplo, uma placa registra que a Sudam está financiando R$ 113 milhões para uma área de reflorestamento — plantio de eucalipto — da Amcel.
O que recomenda o relatório
O relatório da CPI recomenda que o MPF e Ministério Público Estadual (MPE) investiguem a Empreendimentos Mogi-Guaçu, Chamflora-Amapá Agroflorestal e Amcel; Que a Receita Federal faça uma auditoria na contabilidade da Mogi-Guaçu; Que o MPF e o MPE investiguem as pessoas que venderam terras públicas matriculadas no nome da União; Que o MPF e o MPE investiguem as pessoas que venderam benfeitorias e cessão de posses; Que os referidos órgãos investiguem as pessoas que venderam imóveis com títulos definitivos sem respeitar a cláusula resolutiva, que vincula sua alienação ao decurso do prazo de dez anos; Que investigue as pessoas que venderam concessões públicas não transformadas em títulos definitivos; Que a Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Amapá investigue a relação das irregularidades cometidas pelos cartórios de registros de imóveis do Amapá; Que Incra, PF, MPF e MPE investiguem as denúncias de ocupação de terras públicas e grilagem nas regiões da Pedreira, Macacoari, Matapi, Piririm e Itaubal.