Nos acalorados debates que têm ocorrido na Rede Liberal um deles merece ser aqui sublinhado. O economista Luiz Zottmann afirmou que o serviço público recruta os melhores cérebros do país, afirmação que eu próprio contestei. Esse debate aconteceu antes da divulgação da celeuma em torno do concurso do IPEA, cuja prova direcionou o conteúdo programático para um tipo de avaliação que, segundo matéria publicada na Folha de São Paulo de hoje, “prioriza questões ideológicas e defende ações do governo Lula” e que “o Instituto deixa de lado conhecimento de economia aplicada e quer contratar economistas alinhados a teses controversas”.
Na verdade, é isso que tem acontecido nos sistemas de acesso às carreiras públicas de longa data, e não apenas no governo Lula. O conteúdo das avaliações propõe questões de conhecimento que, via de regra, soma cultura inútil com a apologia ao Estado grande, partindo do suposto de que o agigantamento do Estado é o ponto de partida para a boa ação de governo. Essa visão de mundo contraria o que se chama de liberalismo clássico, seja na ciência econômica, seja no Direito: a defesa do Estado mínimo. Então há um reforço do estatismo já na forma de admissão. O conteúdo dos cursos preparatórios aos ingressantes nas carreiras, bem como o estágio probatório levam sempre a essa conclusão: o novo funcionário público será um misto de sacerdote estatal e um militante das causas esquerdistas.
Estamos vendo no Brasil a construção do clássico Estado fascista, em que a famosa máxima de Mussolini “tudo no Estado, nada fora do Estado e nada contra o Estado” está sendo aplicada em plena magnitude. A pletora de leis e regras estatais transformou a liberdade em letra morta. O pagamento de cerca de 40% de impostos como proporção do PIB praticamente inviabiliza a criação de poupança privada em volume suficiente para caracterizar o livre mercado (entenda-se bem: provoca um empobrecimento geral da população). Some-se a isso o monopólio da emissão monetária e o gigantismo dos bancos públicos temos o que eu chamo de Estado Total.
Historicamente sociedades tão estatizadas costumam descambar para a violência, pois a posse do comando do Estado torna-se o bem mais almejado das gangues abrigadas nas legendas políticas e a alavanca mais fácil para o acesso à riqueza. O butim do ganhador é tamanho que perdê-lo passa a ser motivo de ações violentas, um convite a convulsões e golpes de Estado. A grande surpresa da minha parte é que isso não aconteceu no Brasil e o PT, partido de vertente revolucionária, está aparentemente preparado para passar a faixa presidencial a um sucessor eleito em meio à oposição. Espero que venha a ser assim mesmo.
Mas voltemos ao tema de Zottmann. Vejo aqui um viés de perspectiva de um integrante do serviço público muito semelhante ao que pensam de si os militantes dos partidos revolucionários. Pensam que só uma elite de vanguarda é que pode compor esses partidos, logo estar neles torna o militante a elite da humanidade por antonomásia. Bem sabemos que esse é um descolamento completo do real, uma alucinação perigosa, que, entre outras coisas, deu no nazismo e no comunismo. E nos movimentos revolucionários pelo mundo afora, inclusive no recente surto da jihad islâmica contra o Ocidente.
A verdadeira elite é o spoudaios de Aristóteles, o homem que desceu ao mais profundo de si mesmo e, ao fazê-lo, alcançou a inteireza moral que o torna um líder natural. São pessoas raras que podem até ser funcionárias públicas, mas funcionários públicos enquanto tal não são spoudaios. Passar em um concurso público é um mero acidente de uma mente específica que aceita como verdadeiras a cultura inútil e a doutrinação que formam o conteúdo programático exigido e, a dar crédito à matéria da Folha acima, só um parvo perfeito ou um ser moralmente inferior para escrever mentiras contra a sua própria consciência em uma prova, a troco da aprovação.
Estamos aqui diante do que Voegelin chamou de estupidez inteligente, no seu livro HITLER E OS ALEMÃES. Esta estupidez é que deu a possibilidade de Hitler chegar ao poder e fazer o que fez. O passo seguinte à estupidez inteligente é a estupidez criminosa, em que lideranças políticas manipuladoras comandam a burocracia eficiente e moralmente insensível, como vimos no bem documentado caso de Adolf Eichmann, o zeloso e inteligente burocrata que não se colocava os problemas morais relevantes.
Podemos até dizer que o nosso funcionalismo é uma espécie de Elite Zottmann, que faz de si o melhor juízo possível, quando deveria parar e pesar. A responsabilidade será sempre individual. O funcionalismo tornou-se o grande parasita da sociedade brasileira, que tem se reproduzido qual tumor canceroso, em metástase. Estão sendo admitidas ao serviço público multidões de funcionários. Ganham cada vez mais para fazer cada vez menos. Essa é a situação brasileira e temo que um caldo de cultura em que prevalece a ideologia da Elite Zottmann faça surgir finalmente o líder estúpido criminoso, capaz de cometer os grandes desastres contra a humanidade.
Obs.: Luiz Zottmann, PhD em Economia pela Universidade de Colúmbia, Nova York, é autor do livro Você, O Estado e a Questão Fiscal (Editora Documenta Histórica, Rio de Janeiro, 2008). Ele já havia conversado sobre o assunto comigo depois de uma palestra sobre a crise mundial proferida pelo Prof. de Economia Helio Socolik, em Brasília, no final de 2008. O que Zottmann quer dizer - e eu concordo plenamente - é que os salários dos funcionários públicos, na média, são muito superiores aos da iniciativa privada. Daí a grande procura dos brasileiros pelo serviço público estável, onde a competição é leonina, obtendo sucesso nos concursos apenas os mais bem preparados, pelo menos economicamente - daí o significado de "elite", segundo Zottmann. Nivaldo Cordeiro também tem razão, ao denunciar o viés ideológico dos concursos públicos brasileiros, cujos funcionários já antes de assumir os cargos têm os cérebros lavados pela esquerdalha, de modo a trabalhar no Leviatã estatal dentro dos moldes socialistas que vigoram no País (F. Maier).