Uma tema que freqüentemente encontra-se divulgado na sociedade é "cidadania", algo considerado essencial para o bom funcionamento da sociedade, onde as pessoas, os cidadãos, têm direitos e deveres para serem validados e cumpridos, mas o que seria cidadania? Um cuidado especial que se deve ter ao tratar este tema, pois uma compreensão distorcida poderia reduzir o valor e a importância de ser cidadão.
Num primeiro momento deve-se perceber que o termo cidadania pode ser entendido sob duas óticas: a ótica dos detentores do poder e a que considera o homem como um ser constituinte da sociedade, critico, participativo, consciente de que existe um mundo que pode ser transformado, ou melhor, melhorado, onde percebe-se capaz de transformá-lo.
Para a classe dominante, o homem ideal para compor a massa deverá ser o mais produtivo e eficiente possível, e mais, deverá ser um ser passivo e ignorante, incapaz de compreender a realidade que o cerca, por isso esses cidadãos, corpos máquinas, não devem pensar. São alvos do poder. Segundo FOUCAULT1, a esses corpos são dedicadas enormes atenções, "...ao corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam". Para tanto, dispõe de diversos aparatos para concretizar esse domínio, os quais ALTHUSSER2 denominou de aparelhos ideológicos do estado, onde, por meio da cultura, incutem uma ideologia de dominação sobre o dominado e este corpo cidadão absorve esse discurso como verdadeiro e absoluto.
Assim, os aparelhos ideológicos, desde cedo, agem sobre o indivíduo modelando-o e preparando-o para viver na sociedade com valores e normas impostas, mas a ação desta ideologia é tão forte que toda essa coerção dissimula-se e torna-se aparentemente normal. Essa coerção começa desde o primeiro aparelho ideológico, a família, e perpassa por praticamente toda a vida, na escola, na igreja, na mídia, nas artes, ou seja, toda essa ação prepara, e muito bem, o cidadão ideal para os detentores do poder. Exercer a cidadania nesse contexto é tão somente cumprir deveres.
Porém, quando se considera o homem como homem, idealiza-se outro tipo de cidadão, não mais o corpo máquina, mas o corpo sujeito, considerando "a sensibilidade afetiva, as emoções, os sentimentos, os impulsos sensíveis, o senso estético etc."3. E mais ainda, um ser consciente e participativo, inserido num mundo repleto de desigualdades e percebendo que estas desigualdades só estão aí porque foram postas ou impostas por pessoas com interesses próprios, e se assim foram, podem ser amenizadas através da melhoria da igualdade social.
Infelizmente o cidadão máquina, idealizado pelos donos do capital, é o que tem predominado, tendo os seus padrões de vida, determinados pelo tipo de sociedade na qual está inserido. Nesse contexto, o trabalho passa a ser considerado mais importante que o homem em si e este tem a obrigação de render ao máximo no menor tempo possível. FRASSON4 cita que "o excessivo crescimento tecnológico criou um meio ambiente no qual a vida se tornou física e mentalmente doentia". Nem mesmo o lazer é "direito" do cidadão. BRAMANTE5 afirma que, "para grande maioria, o lazer torna-se muito mais uma aspiração do que uma realidade".
O cidadão então torna-se incapaz de exercer sua cidadania, pois os aparelhos ideológicos exercem ou exerceram um influência enorme. O trabalhar passa a ser um ritual sagrado e muitos vezes toma praticamente todo o tempo, ou seja, trabalha, dorme, trabalha. Torna-se necessário então buscar acabar com este estado de doença que ora se instala e o lazer, segundo FRASSON6, seria um novo paradigma para melhoria de qualidade de vida para o século XXI. O lazer como espaço existencial, não só de liberação de energias perdidas ou para alívio de tensões, mas um lugar de construção, onde a liberdade de criar possa ser efetivada, ou seja, o lazer sob uma " visão crítica", como afirma MARCELINO7. E acrescenta que "a admissão do lazer na vida moderna significa considerá-lo como um tempo privilegiado para vivência, de valores que contribuam para mudanças na ordem moral e cultural. Mudanças necessárias para implantação de uma nova ordem social".
Acredita-se que com o acesso ao lazer, o prazer de ser cidadão será aumentado em níveis significativos, pois ser cidadão é participar da sociedade, não como uma máquina, mas como alguém integrante dela, participativo e importante, capaz de ajudar a mudar sua qualidade de vida, não de forma ilusória, mas através da transformação social. O lazer, como afirma MAGNANI, citado por MARCELLINO8, é no mínimo um local, "onde as possibilidades de criação e escolha são, com certeza, maiores que os existentes na linha de montagem. Permitir essa vivência é essencial na construção diária do verdadeiro ser humano.
Referências Bibliográficas
1. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 23. Ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
2. ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do estado: nota sobre os aparelhos ideológicos do estado. 6. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1992.
3. SANTIN, Silvino. Perspectivas na visão da corporeidade. in: MOREIRA, Wey. Educação Física & esportes: perspectivas para o século XXI. 4. Ed. Campinas: Papirus, 1999.
4. FRASSON, Antônio Carlos. Lazer: novo paradigma ecológico de qualidade de vida para o século XXI?
5. BRAMANTE, Antonio Carlos. Recreação e lazer: o futuro em nossas maos. in: MOREIRA, Wey. Educação Física & esportes: perspectivas para o século XXI. 4. Ed. Campinas: Papirus, 1999.
6. FRASSON, Antonio Carlos. Op. Cit.
7. MARCELLINO, Nelson Carvalho. Perspectivas para o lazer: mercadoria ou sinal de utopia? in: MOREIRA, Wey. Educação Física & esportes: perspectivas para o século XXI. 4. Ed. Campinas: Papirus, 1999.