Usina de Letras
Usina de Letras
97 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62352 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22544)

Discursos (3239)

Ensaios - (10412)

Erótico (13576)

Frases (50729)

Humor (20058)

Infantil (5476)

Infanto Juvenil (4795)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140851)

Redação (3316)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6224)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->O SEGREDO SDA JOAQUIM SILVA -- 04/03/2008 - 10:27 (FAFÃO DE AZEVEDO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
É noite e é a Lapa. Do outro lado da rua, a Nossa Senhora do Carmo da Lapa do Desterro nos guarda como um vigia gordo e cego. Capenga de uma torre, fachada opaca, a igreja por dentro é um bolo azul e dourado do século XVIII, com cristo envidraçado à esquerda do altar, uma ostra gigantesca por trás do padre que, baixinho, deita o último sermão do dia: “não busquemos entre os mortos quem está vivo...” A sua frente, cocurutos grisalhos ajoelham-se no solo.
Onde estou, não sinto o cheiro de mármore frio ou o conforto da palavra. Aqui, no Largo Nelson Gonçalves, há o ganido da freada dos ônibus, o papo dos engravatados esperando o concerto na porta da Cecília Meireles. Mendigos aliviam-se nas raízes das palmeiras anãs que encobrem o mural pintado da escola de música. Ao longe, por trás dos Arcos, a luz esverdeada e indiferente dos arranha-céus de granito flutua sobre nós.
Resolvo subir o beco entre o Ernesto e a Cecília. Vejo aquele mural na parede com João do Rio, Villa-Lobos, Manuel Bandeira, Noel Rosa, Portinari e Di Cavalcanti. Gostaria de convidá-los prum chope ali na Flor de Coimbra. Procuro nos bolsos, giro o periscópio pelas outras paredes do beco e da Lapa – não os encontro.
Agora o desenho dos mortos dá espaço a graffitis, e, já na Joaquim Silva, frases como “Hexa Lapa”, “Brasil is beautiful” e, com destaque, “As noivinhas da Lapa são chapa quente”. Das janelas dos sobrados, chega o som abafado de atabaques e máquinas de escrever. Um carro de lixo passa pela rua, risca faixas rubras pelas janelas em círculo com sua luz de ambulância e desaparece, no passo lento de um rinoceronte de metal.
É quando uma nuvem de gafanhotos traz, pela escadaria da Manuel Carneiro, um senhor barbudo, sujo de graxa, erguendo trapos sobre o esqueleto pontudo. O velho me encara com olhos vidrados, a careca reluzindo o amarelo dos postes, e, com gestos de lorde britânico, aponta para a porta de uma pensão: “Ali dentro, você precisa ver!”. Sigo seus passos e...

(até aqui o texto é de autoria de João Paulo Cuenca... que foi continuado por mim, num concurso literário)

...vejo-o indicar a esquina da Rua da Lapa para, em seguida, se apressar descendo a Rua da Glória, onde seu vulto se perdeu entre as sombras da noite e o brilho dos faróis dos automóveis.
Subi os degraus na total escuridão. Após a cega e íngreme escalada percebi uma réstia de luz que mal iluminava um cartaz onde se lia “Quebra do Canto”.
Ofegante parei para recobrar o fôlego, e num enorme salão vi Mario Lago, de terno elegantíssimo, braço dado com Ceci, todo sorriso, cochichando palavras amorosas em seu ouvido.
Apertei os olhos na penumbra e avistei Noel Rosa sentado em frente a uma garrafa de cerveja, escrevendo num guardanapo o que só poderia ser um samba que destilaria parcialmente sua dor de cotovelo. Ao seu lado Wilson Batista, que também quebrava a asa pela “Dama do Cabaré”, caixinha de fósforo na mão, cantarolava para ele sua mais recente provocação: “Terra de Cego”. Noel, então apresenta a letra alternativa “Deixa de Ser Convencida” e propõe a parceria que encerraria a polêmica musical entre os dois.
Ao fundo, Portinari pinta flores na parede.
- FLORES, Candinho! quem diria? – exclama Di Cavalcante.
João do Rio, o cronista, comenta que a atenção de Di está voltada para a mulata que baila com Geraldo Pereira. Bandeira, porém, distraído, pedia ao garçom uma garrafa de vinho (branco ou tinto, tanto fazia). Villa-Lobos, aborrecido com a pouca exigência do poeta, acende um charuto para se acalmar.
A emoção me impede lembrar o desfecho daquela noite. Dia seguinte tentei reencontrar o tal local que transcendia ao tempo. Procurei pelos arredores e nada! Pedi informações e ninguém sabia. Salvo um pipoqueiro que disse que o bar havia se incendiado há cinco anos e das cinzas não sobrou nem o violão do dono.
Duvidando da minha própria sanidade mental, desisti! Mas ao chegar ao ponto do ônibus ouvi um transeunte idoso, barbado, careca, sujo e maltrapilho passar cantarolando um samba que dizia “A Lapa, tá voltando a ser a Lapa...”.
Atrás dele esvoaçavam ainda alguns gafanhotos.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui