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Contos-->ANJO DA NOITE -- 02/12/2001 - 09:49 (Paccelli José Maracci Zahler) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ANJO DA NOITE

Paccelli M. Zahler

Vinte e três horas. Caminhava tranqüila pela avenida em direção ao ponto de ônibus. No céu, uma lua prateada iluminava a calçada e projetava uma sombra a seus pés.
De vez em quando, corria os olhos pela imensidão escura e deslumbrava-se com as estrelas – pequenos furos de agulha lá no alto por onde passavam esguios feixes de luz.
Dez minutos depois, estava na parada. Sentou-se no banco de cimento frio. Fechou os olhos cansados por alguns instantes. Trabalhara o dia inteirinho na casa de dona Gisele. Aniversário de criança era uma barra, principalmente em se tratando de primogênito.
Tudo foi preparado nos mínimos detalhes. Dona Gisele era muito exigente. Foram doze horas ininterruptas preparando croquetes, canapés, pipocas, brigadeiros, pudins, bolos e balas de coco, atendendo crianças agitadas, providenciando refrigerantes e limpando o chão a toda hora. Ainda bem que o salário compensava.
Seu pensamento voou e foi pousar em casa. Lembrou-se do primeiro aniversário de Tiago, seu filho. Uma gracinha! Não houve festa, mas a família estava reunida.
Nunca imaginou que iria separar-se de Paulo Roberto. E isso foi há dois anos! Ainda não se habituara à idéia da separação.
Sua educação foi muito rígida. Cresceu pobre, porém honesta. A religião sempre teve uma forte influência em sua vida, por esse motivo, ainda sentia-se presa ao pai de seu filho.
Quando decidiu casar-se, acreditava piamente na indissolubilidade do matrimônio. Enganara-se. Quatro anos foi tempo suficiente para que seus sonhos se transformassem em pesadelo. Ainda assim, era difícil esquecer Paulo Roberto.
Deixando de lado os momentos ruins da relação, revivia em pensamento a felicidade que sentira quando Paulo Roberto pediu sua mão em casamento.
O noivado durou apenas seis meses. Só então pode viver com seu primeiro e único amor. Jurou que viveria com ele por toda a vida.
“Por toda a vida!”, surpreendeu-se repetindo as palavras pensadas em voz alta. Graças a Deus, não havia ninguém por perto, senão pensaria que ela estava louca, falando sozinha, já imaginou?
O nascimento de Tiago foi a maior festa. Paulo Roberto estava radiante. Agora tinha um herdeiro. Reuniu os amigos, bebeu cerveja, assou uma picanha na brasa, fumou charutos, dançou, comemorou até. Não se imaginava dominado pelo ciúme alguns meses depois. Passaria a ver Tiago como um concorrente, quase como um inimigo.
Estremeceu. Afastou a tristeza respirando profundamente algumas vezes. Olhou o relógio. Já passara vinte minutos e nada do coletivo chegar. Ficou preocupada. Teriam os motoristas entrado em greve? Como voltaria para casa?
Uma corrente de ar frio percorreu-lhe toda a extensão da coluna vertebral. Intuição? Mau presságio? Sexto sentido? Bobagens de mulher?
Quando aquele carro escuro com vidro fumê estacionou à sua frente, seus olhos se arregalaram. De dentro saiu um homem enorme, de roupa escura, fazendo-lhe propostas indecorosas.
Procurando controlar o tremor nas pernas, educadamente ela recusou o convite. Não podia demonstrar medo naquele momento, do contrário, seria pior.
O homem insistiu e ela novamente declinou o convite. Irritado, ele sacou uma arma, encostou-a em seu rosto e repetiu a proposta. Ela argumentou ser casada, ter filho, estar exausta. Poderia dar-lhe dinheiro, o relógio, a roupa. Ele disse que ela sabia muito bem o que ele estava querendo.
Não teve outro jeito. Entrou no carro sob ameaças. Tremia, rezava baixinho para não irritá-lo ainda mais, lágrimas brotavam de seus olhos. Temia morrer e deixar seu filho atirado no mundo. Sabia que sua mãe, enquanto tivesse forças, cuidaria bem dele, mas, e depois?
Em alta velocidade, o carro enveredou por uma estrada vicinal de terra batida. Devia estar a vários quilômetros da cidade.
Não conseguia pensar em mais nada além de Tiago. Não importava o que aconteceria dali a alguns intermináveis minutos. Não podia morrer e deixá-lo vagando sozinho pelo mundo.
Olhando ao redor, percebeu que estava em um barraco. Perdera a noção do tempo e do espaço. À sua direita, uma cama de casal forrada com lençóis encardidos. À sua frente, um homem seminu, bastante excitado, fazendo sinais para ela despir-se. Constrangida, obedeceu. Deitando-se, pediu a Deus o fim daqueles intermináveis momentos. Queria voltar a salvo para seu filho, não importando o que acontecesse com ela.
O homem deitou-se sobre ela, provocando o enrijecimento de seus músculos ao sentir o frio do cano da arma na altura do ouvido. Pediu forças à Deus. Se esse era o seu carma, não teria outra escolha. Fechou os olhos esperando o pior, enquanto duas lágrimas solitárias umedeciam seus longos cabelos castanhos.
Para sua surpresa, o estranho, ao invés de penetrá-la freneticamente como fazia seu ex-marido, começou a beijar-lhe o pescoço, os seios, a barriga, em um longo ritual, até atingir seus pés. Atônita, não sabia o que fazer. Nunca fora tratada com tanto carinho pelo único homem de sua vida.
De repente, o desconhecido jogou a arma para um dos cantos do quarto, excitou-se mais ainda, agarrou-a com força e virou-a de costas. Passivamente, ela esperou pelo pior. E mais uma vez surpreendeu-se ao ser beijada da cabeça aos pés.
Houve uma pequena pausa, seguida de alguns soluços, lágrimas umedecendo suas costas e uma voz dizendo baixinho: “Ana Maria, por quê? Que foi que eu lhe fiz?”.
Virando-se lentamente, pode ver uma profunda mágoa nos olhos daquele homem. Sua expressão tristonha atravessou sua alma como uma espada. Concluiu que ele tivera uma grande decepção e precisava de apoio. Temerosa, tinha vontade, mas não coragem, de conversar a respeito. Ele podia ser um psicopata.
Pensando melhor, reconheceu que ele não a machucara, fora, inclusive, mais delicado que Paulo Roberto. Hesitou um pouco. Não se conteve. Passou a mão direita pelos cabelos do estranho, o qual, assumindo a posição fetal, recostou a cabeça em seu ventre e começou a chorar.
Minutos depois, os soluços terminaram. Ela voltou a ser acariciada e beijada. Relaxada e segura, ela sentiu seu corpo reagir positivamente a tudo aquilo que nunca tivera de seu ex-marido. Aos olhos do outro, transfigurou-se em Ana Maria. Ele sorriu, excitou-se e mergulhou nela com frenesi.
Pela primeira vez, ela sentiu algo completamente diverso dos tempos de casada. Jamais fora beijada e tocada com tanto carinho. Por fim, entregou-se.
Quando o sol despontava no horizonte, abriu os olhos. Uma sensação de paz a invadiu. Há tempos não despertava tão calma, tão serena, tão feliz.
A respiração tranqüila transportava seu pensamento de casada. Arrepiou-se ao conjeturar que fora estuprada durante quatro anos pelo ex-marido e, ainda assim, imaginara ser feliz. Paulo Roberto era um bruto!
Mexeu-se na cama e o homem abriu os olhos. Ruborizado e sem coragem de encará-la, pediu-lhe desculpas pelo acontecido. Estivera alucinado com a perda de Ana Maria para o seu melhor amigo. Viajara a negócios e, ao retornar um dia antes, surpreendera os dois em sua própria casa, em sua cama. Apostara tanto no relacionamento com Ana Maria que estava muito difícil superar o rompimento. Consultara videntes, pais-de-santo até mesmo psicólogos, no entanto, as alucinações continuaram.
Aquela noite, ao vê-la na parada, enxergou Ana Maria e não se conteve. Levou-a para sua chácara. Somente agora, quando o sol surgira, deu-se conta da besteira que tinha feito. Fora inconseqüente, mas estava feliz porque as alucinações haviam passado. Desculpou-se inúmeras vezes e disse que a levaria onde bem quisesse até mesmo à polícia, se assim fosse sua vontade.
Ela falou que precisava passar em casa para ver seu filho e sua mãe que deviam estar muito preocupados. Tinha também que se preparar para o trabalho na casa de dona Gisele.
Com a cumplicidade no olhar, enterraram o revólver na mata. Nos dias que se seguiram, o barraco foi ganhando um toque feminino.
A cada final de tarde, fechava o portão da casa de dona Gisele atrás de si e dirigia-se a passos largos para o ponto de ônibus.
Ansiosamente, não via a hora do seu Anjo da Noite chegar.
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