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Contos-->I love Lucy -- 14/02/2002 - 11:54 (João Carlos Viegas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos












É uma cigarrilha, não é? São uns cubanos vagabundos que fazem em Miami. Entre uma passeata e outra contra Fidel, enrolam charutos, cigarrilhas e outras porcarias. Sabe que eles fazem treinamento para invadir Cuba? E por que fuma isso se tem tanto desprezo por quem produz? Gosto das cigarrilhas mas não tenho essa simpatia toda por Fidel não. Não é politicamente correto hoje em dia fumar. Nem ter antipatia por Fidel. E a história de amor? Vou contar. Será que histórias de amor ainda despertam atenção? Estou querendo ouvir, não é? Antes de contar; me explica o título. Era uma comédia americana que passava aqui na década de sessenta. Luicille Ball e o marido, um cubano exilado, faziam o par perfeito num filme que a gente via com legendas impossíveis de se ler. O nome dela é Lucy? Mais ou menos. Você quer saber porque tenho rancor de alguém que amei tanto, não é? Não seria o único caso de amor assim. Muitos se transformam em rancores, mágoas e pereré pão duro. Eu vou te contar que a gente se dava muito bem. Tínhamos esse lance misterioso das pessoas que se conectam, entende? Uma vez, vi num filme que os judeus acham que almas foram jogadas no mundo depois da criação e vivem por aí no espaço querendo se juntar. O Talmude previu a Internet juntando as almas perdidas. Desculpe eu estar rindo. Não.. isso é comum. As pessoas acham que a Internet é alguma coisa assim inútil, tola... como eram os trotes telefônicos ou as seções de correspondência postal do passado. Como alguém pode acreditar na profundidade de um amor entre duas pessoas que estão distantes? Mas eu não estou questionando um novo meio de comunicação, falo de amor. Igual ao de Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Jerônimo e Aninha... sabe quem são? Claro que você sabe quem são Romeu e Julieta, Tristão e Isolda... perguntei se sabe quem são Jerônimo e Aninha? Era um seriado radiofônico escrito por Moisés Weltman. A história se passava no interior do Brasil, Jerônimo era um herói justiceiro contra o mal e Aninha a noiva dele. O seriado virou gibi e andou pela televisão também. Curioso: o nome do homem vem sempre na frente dos casais famosos. O meu nome não vem na frente do dela. O meu continente também não está na frente do dela. Europa... quando a gente se conheceu, ela estava na Europa. Era uma cidade que nunca ouvira falar. Depois, o nome da cidade foi entrando no meu cotidiano, comecei a ver que os cadernos de turismo dos jornais ofereciam pacotes vantajosos para lá. Como é que pode acontecer isso? A gente nunca ouviu falar num lugar, numa pessoa ou mesmo numa palavra. A partir do momento que tomamos contato com isso vamos observando que é uma coisa bem próxima do nosso dia-a-dia. Desculpe se a minha história de amor não tem tanta aventura quantas as outras citadas. Não há famílias inimigas ou intrigas palacianas. Nós somos pessoas comuns que se amam de forma comum num mundo cada vez mais comum. Claro que havia empecilhos. Ela é casada e eu também. Engraçado eu citar isso como empecilho... você deve estar pensando assim: como um sujeito que se apaixona por uma mulher que está num outro continente diz que o primeiro empecilho é a formalidade de um casamento? É que foi a primeira idéia que me veio à cabeça. Deixa eu só te falar uma coisa. Já reparou como os brasileiros que emigram são estranhos? Não estou generalizando assim de forma preconceituosa. São estranhos mesmo. Sou filho de imigrante e nunca me senti perdido no Brasil. Presta bem atenção. Meu pai veio de outro país e botou filhos no mundo aqui. Nenhum de nós tem qualquer ligação com o país de papai. Com os brasileiros no exterior acontece o contrário: parece que eles se perdem do Brasil lá fora. A única visão que têm do Brasil é a de que somos um país mergulhado na violência, na corrupção, na falta de futuro. Eles têm pena da gente. É verdade. Pera aí! Você está querendo me dizer que o seu caso de amor fracassou por causa de um complexo que faz você se sentir inferior a uma brasileira que mora no primeiro mundo? Não foi bem isso que eu disse. Mas que tem a ver tem. Ela me disse que o Brasil não dava nada!! O corno dizia que ela deveria pensar muito antes de voltar ao Brasil porque o país dele que dera cidadania a ela e aos filhos oferecia mais vantagens. Aí, eu já fiquei baqueado, não é? Sabe o que um amigo me contou? Em Nova Iorque, uma brasileira trabalhava como garçonete e falou com ele em inglês. Um americano é que dedurou ela. Meu amigo perguntou: “Por que não falou na nossa língua comigo?” A mulher disse que tinha desprezo pelos que ficaram no Brasil. Também podia ser vergonha de ser vista como garçonete por um brasileiro, não acha? É.. podia... mas a versão que ficou foi essa. A brasileira no primeiro mundo não querendo ser misturar com a gente. Mas vou voltar à minha história. É pra isso que estou aqui, não é? Tenho a sensação de que fracassei, o pior é que sinto a falta dela. Eu me vejo ali na frente dela.... e a filha da puta dizendo que eu era um brasileiro do terceiro mundo que jamais teria um filho comigo, por exemplo. Você arruma uma mulher de outro continente e quer ter filho com ela? Sei lá!! As mulheres têm sempre uma história, um segredo, um negócio mal resolvido que nunca se fecha. Ela era assim? Escuta só: um dia, toca o telefone e um cara com sotaque estrangeiro diz meu nome. Era o corno. Por que você não diz que era o marido dela? Porque eu tenho raiva dele, porra!! Eu tenho de ter raiva de alguém. Sempre foi assim. O quê ele queria? Falar comigo. Marcou num restaurante português na São José. Você já comeu lá? Arroz à Braga, barriga de freira e um vinho Dão. O corno é alto, gordo e me faz um aceno da mesa do fundo. Eu sento e pergunto o motivo do encontro. Você é filho de português, ele me disse. E daí? Pensei em agradá-lo. O corno diz que na infância passava os verões no Alentejo. Meu pai é de outra região. Mas não foi para conversar sobre meu pai que você me chamou. É sobre ela. Foi então que o corno começou a falar umas coisas que me deixaram espantados. Ela chantageava o marido. Você chamou ele de marido dela. Porque eu vi que ele era uma vítima. Aquele homem frágil me pedindo socorro. Você já ouviu falar disso? O corno pedindo ajuda ao cara que comia a mulher dele. Escuta bem o que ouvi naquela mesa do restaurante. Fica com ela. Se ela está amando você, então você é capaz de derrubar ela. A mão do marido dela se estendeu até o meu braço. Me salva! Se você consegue atingir o coração dela, me salva. Homem algum conseguiu. Naquela tarde, fiquei rodando por ali. Um pivete me pediu dinheiro e eu dei. Uma velha me pediu dinheiro e eu dei. Eu achava que podia salvar o mundo porque um corno me pediu salvação. Vamos recapitular? Claro. Eu me apaixonei por uma mulher, ela me pediu socorro porque era prisioneira de um marido prepotente, arrogante num país estrangeiro o marido viajou dez horas saltou no Rio me convidou para almoçar num restaurante português em reverência a meu pai ou à infância do gringo que foi passada nos verões alentejanos. Aí, mudou tudo. A vítima era ele. Qual a chantagem? Coisas do passado dele, coisas brabas. Ele tinha projeção e o depoimento dela podia arrasar com a carreira dele. Fanchone, o corno foi fanchone. Comia cu de garoto. Geralmente, africanos refugiados. Uma vez, um garoto não quis dar para ele. O filho da puta socou o menino até morrer. Jogaram o corpo do africano num vale. Foi um escândalo. Uns skinhead levaram a culpa. Diziam que era coisa de neonazista matando imigrantes. A Europa acendeu vela no local onde foi encontrado o corpo do rapaz. Europeu adora expiar essa culpa, não é? É duro levar essa culpa, não é? O líder dos carecas ficou na cadeia um tempo, não foi condenado porque não existiam provas. Eu quero que esses neonazistas se fodam. Mas o corno vacilou muito. Tinha foto dele pagando boquete em menino, cheirando cocaína com menino, botando no cu de um menino. Ela gravou um depoimento em VHS do corno se penitenciando por ter matado um imigrante. Tudo guardado num cofre na Suíça que deveria ser entregue à irmã dela caso acontecesse alguma coisa com ela. Tinha um site preparado para espanar na Internet. Agora, o pior mesmo, era o corno gostar cada dia mais dela apesar de saber que se casara com uma mulher que não valia nada. Quer dizer, ele também não valia merda nenhuma. O corno me propôs uma troca: eu amava a mulher dele e ela o libertava. E você foi ouvir a versão dela? Dois meses depois, ela desembarcou aqui para enterrar a mãe. Fudemos no dia seguinte ao enterro. Não falei nada até a gente gozar muitas vezes. Então, acendi uma cigarrilha. Apaga isso! Faz mal a você e a mim aqui nesse ambiente fechado. Mentira faz mal e comecei a contar tudo. Ela riu. Mandou eu calar a boca. Você pensou que eu ia trocar o Primeiro Mundo por essa merda aqui? Eu pensei que você me amava. Ela riu. Você mexeu comigo, as coisas chegaram a um ponto que eu não podia imaginar que chegasse mas amar.... você é louco! Eu vou acabar com ele todo dia. Todo dia, eu tiro um pedaço dele. Ele me serve, você me serviu. Acabou. Eu acabo contigo, babaca!! Te boto na fita também. Eu sei fazer tudo com muito talento. Você pensa que cheguei até aqui com ética? Se veste que detesto ver homem de pau mole. Está mole agora, porra! Quem fica com pau duro depois de comer uma mulher como você? Você comeu puta muito pior por aí. Ela saiu muito séria. Depois, saltou do carro e mandou que eu fosse embora sem olhar para trás. Você, as trocas de e-mails, as juras de amor, o sexo que a gente fez de todas as formas e esse filho que nunca existirá. Eu senti que podia ser destruído também. Passei a correr dela, o corno me ligava sempre cada vez pedindo mais socorro, eu dizia que não podia fazer nada porque ela também me derrubara. Me ajuda, guy!! Sai da minha aba, cara! E o corno chorava, coitado. Aí, eu chorei também. Você sabe o que é amar uma mulher que não merece? Merecimento é muito subjetivo. Nunca contei isso para ninguém. Quer dizer, estou contando agora. Acabou o tempo. Alguma conclusão? Na próxima, a gente continua. Eu vou me confessar a um padre. Também ajuda. Eu ainda gosto dela, sinto saudade dela, lembro ela quando me sinto só e ouço um paraguaio cantando bolero na Avenida Atlântica... tira ela de mim? Você vai ter de conviver com ela como convive com a cigarrilha, com o seriado americano.... você vai ter de conviver com ela. Até a próxima. Eu vou aprender a dizer I love Lucy. Isso você já sabe.














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