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Contos-->O LOBISOMEM -- 06/03/2003 - 23:43 (Rosane Volpatto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O LOBISOMEM, UMA ANTIGA ASSOMBRAÇÃO

A história de homens que se transformam em lobos remonta aos primórdios da tradição. O Lobisomem nos foi trazido pelo colono europeu. "Encontramos em todos os países e épocas, com histórias espalhadas, sob nomes variados, registrada nos livros eruditos. É um dos mitos mais complexos e escuros pela ancianidade e divisão local."
Na Grécia Antiga, o mito do homem-lobo, proveniente de épocas pré-históricas, se ligou a religião do Olimpo. Conta-se que Licaon, rei da Arcadia, filho de Pelago, primeiro soberano da região, tentou matar Zeus, seu hóspede de uma noite. O Deus castigou-o dando-lhe a forma vulpina. Nenhum erudito conseguiu explicar a fábula. Nem mesmo esta se reduz a uma única versão. Em outras lendas, Licaon fez um sacrifício humano e sua metamorfose significa a cólera divina. Também Licaon levou à mesa, onde Zeus era servido, carne humana. Ainda, segundo Pausanias, Liacon sacrificou um filho a Zeus no monte Licaeus. O final é idêntico. O rei se transforma para sempre em lobo.
Da Grécia o mito passou à Roma, e da Cidade dos Césares com seus exércitos conquistadores se difundiu pela Europa, pelo norte da África e Oriente próximo.
No imaginário medieval europeu, os feiticeiros se transformavam em lobos para comemorarem os sabaths. As feiticeiras, por sua vez, usavam ligas de pele de lobo.
Com os nomes de "Versipélio dos Romanos, é o Licantropo dos Gregos, o Volkodlák dos eslavos, o Werwolf dos saxões, o Wahrwolf dos germanos, o Oboroten dos russos, o Hamrammr dos nórdicos, o Loup-garou dos franceses, o Lobisomem da Península Ibérica, da América e do Sul, é, sempre entretanto, a crença na metamorfose humana em lobo, por um castigo divino.
O lobo é um grande carniceiro que devora a matéria e o mundo. Mas este seu simbolismo de destruição e de devoração nos leva à concepção antagônica de renascimento e renovação. Só através da morte é que se renasce para uma nova vida. A planta brota do grão, somente depois que este se decompõe no seio da terra. A morte é portanto, o nascimento do novo.
Este animal também está ligado as trevas, possuindo a fama de ver à noite. Como Senhor das Trevas ele é seu guia e antídoto, pois pela sua devoração, antecipa o retorno da luz. Apresenta ainda, à associação com a "goela", imagem arquetípica e iniciática. O poder de sucção desta região está mitologicamente simbolizado pela sua força que alicia e domina o ser humano, a vida, a pessoa e a consciência, de que ninguém consegue livrar-se. A goela do lobo é a noite, as trevas, a caverna dos Infernos, mas a libertação da goela, é a aurora, a luz iniciática sucedendo à descida aos Infernos.
O sentido iniciático da "goela do lobo", dá a este animal o papel de psicopompo. Na mitologia egípcia, Anúbis tem a forma de um cão selvagem ou lobo. Em Cinópolis, era venerado como deus dos Infernos.
Na mitologia brasileira, o lobisomem apresenta-se, geralmente, como um grande cão negro, possuidor de olhos aterrorizantes vermelhos, com orelhas e unhas enormes. Já foi visto também, lobisomens com características de porco, com o corpo todo coberto de pelos e a cara lupina com grandes caninos projetados para fora da boca.
 Em Nova Trento, território catarinense, o lobisomem apresenta-se na forma de um homem peludo, ventre aberto e sangrando, unhas aguçadas e que expele fogo pela boca. Já em Caçador, no oeste de Santa Catarina, é um horrendo lobisomem-dragão, com cerca de 3 metros de comprimento. Tem dorso de dragão e formidável boca provida de agudíssimos dentes. Pelas ventas dilatadas lança um bafio nauseabundo.
No sertão da Paraíba é um bezerro negro, com couro cabeludo de fazer cachos, possui cascos pequeninos, olhar fuzilante, além de ser dotado de força e agilidade extraordinárias. Em Alagoas, é um cão sem cabeça.
Contam as lendas que ser lobisomem é questão de destino, qualquer criança incestuosa, como também o filho de uma comadre com compadre ou padrinho com afilhada, podem vir a ser um. Nos pampas gaúchos, corre a história de que se o sétimo de um casal se deitar em algum lugar que o bicho ocupou, torna-se igual a ele. Há quem diga, que para ser lobisomem, basta ser o sétimo filho (caçula) de um casal ou o oitavo filho homem depois sete filhas mulheres.
Na zona do brejo paraibano "descrevem-no como um homem normal que, em certas horas em determinados dias e sob determinadas circunstâncias, toma o aspecto de um animal e sai a correr o fado,cumprindo o castigo imposto pela Divina Providência pelo pecado de adultério de compadre com comadre, de devota com padre, dos incestuosos e blasfemos...O povo simples e crédulo, sente pena deles, por considerá-los, antes de mais nada, pecadores em penitência."
Na orla marítima paraibana, o mito se apresenta com outras particularidades, sabendo-se que, para virara lobisomem, se torna preciso o indivíduo sempre amarelo e doente. Todo sertanejo sabe que o lobisomem é um sujeito doente, sobretudo pálido e meio avesso ao trabalho, fatigado nos modos e meio misterioso nos movimentos. Não se alimenta bem, mas não morre tão facilmente...
 
Este mito em todas as regiões brasileiras mantém uma tradição: sua transformação ocorre sempre sexta-feira, em noite de lua cheia. Ele procura uma encruzilhada, despe-se e joga-se ao chão, rolando na poeira até transformar-se em homem-lobo. Da meia-noite até as duas da manhã, ele visita sete cemitérios, ou sete vales, ou sete outeiros, ou sete encruzilhadas. Como ele precisa de sangue, ao transformar-se, sai à cata de algum leitãozinho, um cachorro ou criança de colo.
Em Santa Catarina, também é na hora zero que ocorre o encantamento, apesar de, em Caçador, o lobisomem preferir os dias de lua cheia ou dia 13, e em Nova Trento, em lua quarto-minguante.
 O seu destino pode ser alterado, se alguém se atrever a fazer-lhe um ferimento com um espinho que o faça sangrar, ou queimando suas roupas abandonadas durante a metamorfose. Para desencantar um lobisomem, também pode-se feri-lo usando uma bala untada com cera de vela acesa durante três missas de domingo ou na Missa do Galo, rezada na meia-noite de Natal.
Há também uma forma de transmitir este fado: quando um lobisomem já velho, pressente que vai morrer e tem necessidade de passar seu cargo à outrem. Se alguém lhe fizer a simples pergunta: "Tu Queres?", desconfie, pois pode ser um lobisomem tentando lhe passar sua herança.
Existem também os lobisomens-assombrações, que são aqueles que morreram antes do cumprimento de seu fadário. Muito agressivos, apresentam-se na forma de um grande e feroz cão branco. Não se consegue matá-lo, só exorcizá-lo.

  
O mito lobisomem está muito vivo no Rio Grande do Sul e tem gerado muitas lendas locais, entre elas encontramos a história dos fios vermelhos na boca de um homem que, quando Lobisomem, atacou uma mulher que usava um "viso" de seda.
Em Porto Alegre, os moradores do bairro Cristal, afirmam que lá reside um homem que é Lobisomem. Em Alegrete vive outro. Em Gravataí, um senhor velho garante que teve uma briga feia com um, mas conseguiu feri-lo. Desconfiado de seu vizinho, fez uma visita de surpresa e lá estava o homem, todo retalhado, desculpando-se que se machucara nos espinhos do mato.
O número sete aparece constantemente em suas histórias, o que leva a caracterizar este mito com que Jung chama de Selbest, o lado escuro do inconsciente coletivo. Este lado sombra representa o lado mais reprimido do caráter, a parte que a maioria das pessoas prefere não encarar, pois é o lado do inconsciente monstruoso.
Em inúmeros arquivos pelo mundo, encontram-se registradas centenas histórias de homens que transformavam-se em lobisomens. Esta estranha metamorfose, de acordo com pareceres psiquiátricos, trata-se de uma idéia insana de pessoas enfermas, que acreditam serem lobos e correm uivando pelos campos. É considerado, portanto, um sério desvio de personalidade, do tipo alucinatório. Os indivíduos que sofrem deste mal são chamados de licantropos. Ao que parece, a licantropia é uma patologia tão antiga quanto o homem e possui um perfil físico característico: sobrancelhas espessas, o dedo médio comprido, unhas longas e avermelhadas, orelhas situadas muito atrás, tem os olhos secos, nunca chora, pele áspera é mal tratada com tonalidade amarelada ou esverdeada e apresentando abundância de pelos e muita sede.
Além das características físicas, também encontramos tipos de conduta muito particulares: são amantes da noite e admiradores da solidão e estão sempre acometidos de profunda melancolia. O licantropo sai à noite para caçar, uivando como lobo, tirando os ossos dos túmulos e amedrontando todos os que com ele se deparam.
Existe também a hipertricose, uma patologia que provoca hirsutismo em homens e mulheres e já acometeu personagens ilustres. É o caso de Petrus Gonsalvus (figura abaixo), um poderoso comerciante e armador português do século XVII, que instalou importantes empresas no Brasil.

Segundo explicações médicas, a hipertricose tem origem genética, porém, em alguns casos, pode apresentar-se de forma patológica, vinculada a uma alteração nas glândulas supra-renais, que provoca o crescimento anormal dos pêlos do corpo.
Entretanto, nenhuma explicação científica conseguiu afastar a crença do medo, como ocorre há séculos, do aspecto mágico da licantropia. Os casos de indivíduos que acreditam ser lobisomens e atuam como tais, continuam a engrossar os arquivos policiais e, paralelamente, enriquecendo o folclore popular.
O lobisomem é sem dúvida o mito mais conhecido neste nosso vasto Brasil e também o mais notável.
LOBISOMEM CANTADO EM VERSOS...
As trovas populares sempre cantam os feitos extraordinários que acontecem. Sendo assim, raro é o lugar no Brasil onde um cantador não desfie umas estrofes ao som de uma viola. A crença do lobisomem já rendeu muitos versos, como os quais reproduziremos abaixo:
"Quando aqui era deserto
Poucos moravam neste sertão
Existiam brancos e negros cativos
Era tempo de escravidão
Branco era batizado
E preto morria pagão.

O povo j;a tinha medo
Que isso desse confusão
Apareceu logo um gritadô
Já viram que era visão,
Era o tal de "Lubisome"
Espírito de negro pagão.

Tinha uma negra sete filhos,
Todos os sete bem negrinhos
Se o mais velho não fosse batizado
O mais moço virava lobosomenzinho
O mais velho morreu sem batismo
E deu destino ao pequeninho.

A mãe dos meninos, chorando
Sem este de pode cortá,
Viu o mais velho virá lobisomê
E o menorzinho boitatá;
O resto não digo nada
Tenho medo inté de contá!"

Altino Bueno de Oliveira

ROSANE VOLPATTO

Bibliografia consultada:
Assombrações e Realidades - Maria do Rosário S. T. de Lima
O Simbolismo Animal - Jean-Paul Ronecker
Mitos e Lendas - Antonio Augusto Fagundes
Mythologie grecque et romaine - P. Commelin
Geografia dos Mitos Brasileiros - Luiz da Câmara Cascudo
Mitos Populares - José Leal
Filhos do Medo - Ruth Guimarães
Contos Gauchescos e Lendas do Sul - J. Simões Lopes Neto
Lendas e Superstições - Ademar Vidal

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