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Cronicas-->Memória em preto-e-branco -- 09/10/2003 - 21:10 (Erika Mayrink Vullu) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Envelhecidos, meus olhos se espreguiçam frente à luz que entra tímida pela minha varanda. A vida que tropeça lá fora, ligeira e moderna, novamente me empurra para mais uma de minhas escapulidas reminiscentes. Era noite de segunda-feira. Tento, hoje, fugir dos clichês literários, mas o tempo naquela noite me força a usar um deles. Chovia em Juiz de Fora. Era aquela chuva mineira, fina, primaveril, o que acentuava em mim aquele sentimento de angústia que normalmente me acompanhava nas noites de domingo. Só que era segunda. Dia de recomeço e não de angústia. O velho clichê me leva rapidamente para a tela da antiga tevê que raramente me acompanhava naqueles tempos de exaustivas peregrinações intelectuais. Um desses telejornais, os mesmos que, hoje, nos inundam de vermelho e preto, mostravam cenas de um garimpo na região metropolitana de São Paulo. Elas clarearam o meu quarto escuro e trouxeram a face de uma mulher marcada e sofrida pela miséria. Perguntada pelo repórter, disse ter trinta e seis anos. "Qual é mesmo a sua idade?", perguntou novamente o homem parecendo não crer no que ouvira. Sim. Trinta e seis. Talvez tenha sido isso o que mais me chocou na época. Eram os meus saudosos trinta e seis anos estampados num rosto muito mais que enrugado e envelhecido: apagado do vigor tão comum aos trinta e pouco anos.

Seria a pobreza? A busca dolorosa e dolorida por metais para vender a 17 centavos o quilo? Seria tristeza? Desesperança? Ou todas as interrogações juntas? Não sei, nem hoje nem naquele dia. Apenas sei, hoje e sempre, que as rugas que marcavam aquele rosto não estavam ali por preocupações elitistas nem por falta de cremes, botox, cirurgias.

Volta à minha mente a imagem daquela mulher. Aquela incómoda sensação - estranha, sufocadora - até então eu não tinha ou, pelo menos, não sentia ter. Diziam-me que era a maturidade dos quarenta anunciando uma etapa cheia de questionamentos, dúvidas, revoltas. Lembro que me perguntei se seria aquele o preço da maturidade. Seria assim a tal "idade da loba"? Hoje, muito além da idade da loba e fatigada de questionamentos, sei que era.

Aquela mulher estaria também passando por esses questionamentos? Seriam significativas para ela tais angústias? Não seriam angústias exclusivas daquelas que estão do outro lado da tevê e longe daqueles garimpos urbanos?

Interrogações, dúvidas, sim e não. Isso tudo, ou nada disso, representavam, naquela época, minhas percepções diante das cenas que o mundo insistia em me mostrar.

Hoje apenas eu mudei. Envelheci. As cenas são as mesmas. Cenas em que gente - como aquela mulher - existe, vive, persiste, envelhece aos trinta e seis anos e morre, alheia ao sofrimento daqueles que a vêem pelo colorido ilusório da tevê e pelo preto-e-branco da memória.
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