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Cronicas-->Marca d嫇gua -- 08/06/2002 - 13:00 (Douglas Pires) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A marca d嫇gua


Emergência, produção a todo vapor. Um barulho estranho e um cheiro até que um pouco agradável. Este foi o cenário no qual eu cheguei a este mundo. Todos dizem se lembrar dos primeiros passos vitais a partir dos quatro ou cinco anos de idade, mas, eu pelo contrário, recordo passo a passo como foi o começo de minha vida.
Eu ainda cheirava a tinta quanto fui empacotada junto com outras de minha espécie, no começo me sentia igual a todo mundo, mas com algumas horas de vida, percebi que ali dentro, já existiam subdivisões, as ricas, as médias e as mais pobrezinhas, cada "classe" era dividida em fardos diferentes. De repente, algo brilhou dentro de mim e todas as outras "meninas" que estavam comigo, era uma sensação estranha, como se nós estivéssemos prestes a descobrir qual seria nossa missão, uma voz vinda de longe me dizia:
"A partir deste momento, você continuará a rodar a engrenagem do Universo sendo parte essencial deste mundo, junto de suas irmãs tu terás mais força, mas lembre-se, que prazer, desgraça, união, traição, morte, vida, alegria, desilusão, fracasso e ilusão serão fatores que estarão sempre ao seu redor".
Depois disso fomos colocadas dentro de uma espécie de bolsa lacrada, eu percebia que estavam me levando para algum lugar, mas, não imaginava que lugar era este. A viagem foi longa e com várias paradas. Toda vez que o automóvel estacionava, os homens que guiavam o veículo ficavam tensos e apreensivos.
Depois de um longo cochilo, o "saco" no qual eu estava trancada começou a se mover bruscamente, fui colocada num local confortável e fresquinho. Passei a ouvir muitas vozes, crianças chorando e gente reclamando. Lembro de uma voz idosa lamuriando:
- Meu Deus, esta fila não anda??
A partir daí, me dei conta que os ruídos externos se tratavam de uma fila, mas, porque aquela voz do começo do século passado está na fila? Será que as pessoas mais velhas não têm seus direitos?
De repente uma vala se abre embaixo de mim, começo a cair em uma espécie de escorregador, a sensação era boa, pois não estava só, mas, minhas amigas estavam escorregando comigo. Depois da queda, uma mão idosa me aparou. Meus olhos ficaram irritados devido à claridade.
- Acho que neste mês vou ter que atrasar alguma coisa, a voz idosa disse para ela mesma.
Foi quando eu percebi que esta era a senhora que reclamava da lentidão daquela fila.
- Cento e dez reais, continua falando a velhinha, após me colocar dentro de uma bolsinha
Foi neste momento que eu descobri minha identidade.
- Eu sou uma nota de dez reais.
Bom, a partir deste momento minha vida passou a se tornar mais importante, tenho um pouco mais que cinquenta horas de vida, mas, me sinto como uma adolescente, na vida monetária é assim. Eu sabia que tinha vida curta, pois, os brasileiros costumam maltratar as cédulas, minhas amigas de um real que viviam reclamando. Por outro lado, as `baixinhas" que são resistentes, elas são lindas e prateadas, mas, reclamam que muitas vezes vivem ociosas e jogadas no fundo de um cofrinho gelado de criança.
Com todos estes pensamentos sobre minha identidade, percebi que eu já não estava com a senhora idosa e sim na pochete de um adolescente. O nome dele é Marcelo, tem espinhas no rosto, voz falhada e canta umas músicas estranhas junto ao seu aparelho de "Disk Man". Não me lembro como fui parar aqui, mas desconfio que este "carinha" me pegou quando eu estava encima da cómoda da vovó.
O local foi ficando pesado, o pessoal começou a falar num idioma diferente: mano, truta, cadê o baguio, "chove" esta paranga. Logo percebi que ele estava me trocando por droga.
É uma pena, um menino bonito de boa condição social me trocando por droga. Espera um pouco. A musiquinha irritante não para de tocar? Será que ele voltou para me buscar? Ah não... Ele deixou seu aparelhinho musical também na mão deste cara que me colocou dentro de sua cueca. Imagina a situação, estou dentro de uma cueca de um cara que esta sem tomar banho, junto com outras amigas mal-encaradas de cem e cinquenta reais, bem mais vividas do que eu, e ainda há uns papeizinhos prateados cheios de pó, pedrinhas e uma erva fedida.
Naquela noite eu não consegui dormir. Também nem precisou, na mesma madrugada eu fui para um local diferente, sai da cueca e já estava andando de carro de novo. Quando o carro parou, senti um cheirinho de pão. Eu estava na gaveta de um caixa de uma padaria, ou seja, fui trocada por pães, a fim de matar a fome de alguém. Fiquei emocionada.
Assim foi minha vida, rodei este país de ponta a ponta, conheci o Rio e passei pelas mãos de vários turistas, muitos me xingavam, diziam preferir meus primos ricos, os dólares. Fui até o arquipélago de Fernando de Noronha, Bahia, São Paulo, Amazónia, Pantanal... Frequentei vários locais, feiras, cofres, salões de beleza, escolas, universidades, igrejas, emissoras de televisão (até o Silvio Santos já me jogou no Topa tudo por dinheiro), pra falar verdade, muitos artistas e jogadores de futebol me guardaram também, Ana Paula Arósio, Fernanda Lima, Vampeta entre outros, mas estes últimos citados não me davam muito valor. Fui testemunha de crimes, fui responsável por pagamento de resgates, fui até responsável pela ceia de natal de uma família humilde em Sergipe. Eles compraram um pouco de carne, feijão e uma vela, à meia noite eles rezaram e com muito amor e felicidade se cumprimentaram dando "feliz natal"
Muitas coisas acontecem em nossas vidas, umas boas outras nem tanto. Assim eu aprendi que não podemos ser, ter ou querer as coisas do nosso modo, mas, temos que aprender lidar com as derrotas e as vitórias. Durante minha vida eu ouvi muita a seguinte frase:
- Nada é como a gente quer e nem tudo acontece por acaso.
Lembra daquela senhora que me acolheu no início da minha vida? Fiquei sabendo que ela faleceu depois de uns meses em que eu passei por lá. Eu fui troco de seu filho em uma banca de jornal e, foi ai que fiquei sabendo também que o neto dela lembra do Marcelo? Então, ele se recuperou do vício das drogas e tinha montado uma banda com aquelas músicas de seu gosto.
Atualmente eu vivo bem, estou mais de dois meses parada no mesmo local, é por isso que estou tendo tempo de escrever neste diário contando um pouco sobre minha vida, na qual eu descobri muita coisa. Eu estou com inúmeras amigas de um, cinco, cinquenta e cem reais. Volte e meia, uma nova colega entra aqui para fazer parte deste nosso clubinho. O local é confortável, mas, o melhor de tudo é que estamos juntas. Lembra quando aquela voz me disse que juntas nós tínhamos mais valor?. Ele tinha razão. O ruim é que durante a noite esquenta um pouco porque o pessoal dorme aqui.
É estranho, mas, tem gente que ainda guarda dinheiro dentro do colchão.







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