Amor Temido
Era alto, forte, robusto.
Tinha as cores do bronze.
A boca imensa exibia dentes perfeitos.
A voz era doce.
Muito mais do que outras que eu já conhecera.
Seduzia-me. E eu o amava. E eu o temia.
Temia-o tão intensamente,
quanto despretensiosamente o amava.
Preferia apenas vê-lo de relance
ou sabê-lo bem e distante.
Sem disfarces, ausentava-me dele
e de quem insistisse em nos aproximar.
Inicialmente sentia ciúme ao perceber
outros dedos a acarinhá-lo.
Posteriormente cheguei a sentir prazer
ao vê-lo sendo tocado
por outras mãos, que não as minhas,
ora, com delicadeza,
ora, com ávida firmeza.
Nossa relação não deu frutos.
Nosso contato empalideceu.
Tornamo-nos estranhos.
Os alvos dentes amareleceram.
Desbotou-lhe o riso quente,
diante de meu talento rarefeito
e de minha habilidade ausente.
O acorde em seu peito emudeceu
impuro, imperfeito,
sob dedos frágeis e imprecisos,
que trêmulos temiam por engano,
mas amavam um piano,
que, longe, tivera um dia
dentes perfeitos, riso humano.
autora : Maria da Graça Almeida
publicado na revista Fresta - newsletter
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