Dona Inveja
maria da graça almeida
Cubra-a de finos casacos
jóias, bolsas e sapatos.
Dê-lhe, do ano, um carrão
e, nos Jardins, a mansão.
Presenteie-a com passagens
para inesquecíveis viagens.
Transforme-lhe a face
na mais bela paisagem.
E eis que um dia a verá
com os olhos compridos
de pimenteira secar:
no pobre vestido
da Dona Guiomar;
no fusca inibido,
de velho rosto,
enferrujando no posto;
na pobreza da cadeira
da agrura alheia;
no piquenique do Zôo,
onde o dia chuvoso
cerceou pios e vôos;
no bolso do mestre Eli,
cujo tostão moroso
não chega aqui, nem ali;
na face de pouca missa,
a mais feia que já vi,
de sua amiga, a Cobiça.
A Inveja não tem remédio,
de nascença é um defeito.
É o oposto do Tédio,
nem a grana dá-lhe um jeito.
Quando passo perto dela,
disfarçada, bem me encolho,
temo a Inveja, por ela
e pela gordura do olho.
maria da graça almeida
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