A CASA
Paccelli M. Zahler
Fazia muito frio no lado de fora da casa que outrora me abrigara. Um enorme cadeado no portão e, no pátio interno, inúmeras placas advertiam:FORA DAQUI! NÃO SE APROXIME! PROIBIDA A ENTRADA! SE ENTRAR, LEVA CHUMBO! CUIDADO COM O CÃO!
Em mais uma noite insone, eu vigiava, esperançoso, a casa que um dia fora minha e que hoje mantinha as portas e janelas fechadas para mim. Não havia possibilidade de entrar, a não ser que alguém, dentro dela, a abrisse, pois as chaves, eu as havia perdido por descuido (descaso ou excesso de confiança) ao longo do caminho.
Não tendo mais a lareira para aquecer o meu corpo e, principalmente, o meu coração, caminhei até o poste da esquina em busca da luz para me aquecer na noite fria. Foi em vão! Olhei para a lua bordada no céu estrelado e dirigi-me até a lixeira para apanhar alguns jornais velhos. Deitei-me no banco do jardim, em frente à casa, embrulhado neles.
O vento frio passava pelas frestas do banco onde me encontrava, esvoaçando meus cabelos, movimentando ruidosamente as folhas de jornal, enregelando meu corpo e não me deixando dormir.
Com os olhos semi-abertos, eu vigiava a casa na esperança de que, pelo menos naquela noite, as portas ou as janelas se abririam para mim e eu me sentisse aquecido, abrigado, para que meu coração batesse forte outra vez. Porém, nada disso acontecia na noite a cada minuto mais fria.
Algumas lágrimas começaram a rolar pelos meus olhos, atrapalhando a visão da casa. Elas ficavam geladas ao se encontrarem com o vento e, ao pingarem, contribuíam com mais um cristal de gelo no interior da minha alma.
Enquanto a casa se mantinha fechada para mim, o manto negro da noite se dignava a cobrir meu coração inerte e descrente, que um dia havia batido forte, incandescente, não cabendo no peito de tanta felicidade, embora dissimulasse.
O silêncio noturno, quebrado apenas pelo cricrilar dos grilos impertinentes, aumentava cada vez mais a melancolia e a solidão a cada minuto de espera.
Na madrugada, uma surpresa. Vieram fazer-me companhia as criaturas da noite que vagavam solitárias, incompreendidas, porém, acima de tudo, solidárias. Teriam elas perdido também as chaves de suas casas ao longo do caminho?
À medida que a noite avançava, o frio era cada vez maior. Olhando ao redor, eu via algumas portas e janelas se abrirem, sinalizando para eu entrar. Eu agradecia e declinava os convites, pois, a única casa que me aquecia e alimentava, fazendo meu coração pular de alegria, era aquela à qual vigiava.
Os jornais não mais me aqueciam e meu corpo foi ficando entorpecido. Meu coração foi batendo devagarinho, devagar, deva, dev,..., enquanto meus olhos fixavam, marejados de lágrimas, a última imagem da casa que mantinha as portas e janelas fechadas para mim.
Soube que, no outro dia, alguém abriu a janela da casa e me procurou no banco do jardim. Alguns vizinhos disseram ter me visto entrar em outra casa; outros, que tinha ido embora fazer companhia às almas penadas.
Engraçado, ainda hoje continuo sentado no banco do jardim esperando que as portas e janelas da casa, que outrora fora minha, se abram para mim.
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