A REVOLUÇÃO DAS BICHAS
Paccelli M. Zahler
Alertado sobre uma possível manifestação pública, o prefeito convocou o delegado de polícia ao seu gabinete e ordenou uma atenção máxima das forças públicas.
- Por que tanta preocupação, senhor prefeito? Segundo nosso serviço reservado de informações, os operários estão sossegados.; os funcionários públicos municipais engoliram direitinho aquela história de baixa arrecadação de impostos e se contentaram com 1,5 % de aumento salarial.; e os professores, que são os mais chatos, estão preocupados com as férias escolares. Que mais poderia acontecer em nossa cidade?
- Uma coisa muito pior, delegado! Como o senhor sabe, em nossa cidade faltam mulheres para casar e são poucas as para cruzar. As putas vivem com a agenda lotada. As filas são enormes na porta de cada quarto, não há senha para todos, o tempo é insuficiente – apenas 10 minutos para cada cidadão aliviar-se é pouco – e não há periquita que agüente o tranco. Imagine a situação do quadragésimo da fila. Quando chegar a sua vez, ou a vontade já passou ou ele resolveu o problema de forma menos ortodoxa. Conseqüentemente, os problemas sociais aumentam e a nossa arrecadação diminui, afinal de contas, 20 % do faturamento da zona é nosso.
- E as bichas da Praça Sete?
- São elas que estão me preocupando, delegado! Reclamam de concorrência desleal e prometem colocar a nossa cidade de cabeça para baixo.
- O quê? Quem elas pensam que são?Elas sabem que, a qualquer sinal de chilique, eu mando baixar o cacete! Bando de veados! Concorrência desleal de quem? Das putas?
- Não! Dos cidadãos mais respeitáveis de nossa sociedade! Segundo elas, o número de clientes tem diminuído porque muitos cidadãos casados e até pais de família estão queimando a rosca de graça!
- Mas isto são calúnias daquelas desqualificadas! Vou mandar todas elas para a cadeia!
- Sossegue, delegado! Lembre-se que estamos em um país democrático e que todos têm o direito de se manifestar.
- Hum, democracia! Comigo é na porrada, principalmente com bichas!
No dia seguinte, uma passeata promovida pela Associação das Bichas da Praça Sete colocou a cidade em polvorosa ao apontar nominalmente os empresários, políticos, comerciantes, profissionais liberais e policiais que queimavam a rosca adoidados.
Alguns tiveram que se explicar para a família, não convenceram e foram obrigados a assinar o divórcio.; outros saíram da cidade.; outros ainda tiveram sorte, continuaram casados e curtindo a sua porção mulher, dentre eles o delegado e seu inseparável sargento Cabeção, aliás, subtenente, graças ao seu “desempenho” antes, durante e após a manifestação.
Quanto ao prefeito, uma velha raposa da política, conseguiu salvar seu casamento e sua imagem de macho junto aos eleitores. Entretanto, nunca dispensava uma “reunião de trabalho”, na realidade, uma festa íntima com rapazes no final do expediente.
Somente o povo continuava cego e discriminando as bichas revoltadas da Praça Sete, isso porque eram as únicas assumidas. E pobres.
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