A utilidade das definições amplas (http://pesp.hpg.com.br)
Penfield Espinosa
Toda definição tem algo de arbitrário.
Por exemplo, conforme a definição de ciência, o crime organizado pode ser parte das ciências ou não. Segundo o filósofo da ciência Kuhn, ele seria. Segundo o filósofo Karl Popper, ele não seria.
É claro, algumas definições são melhores e mais naturais que outras. Por exemplo, na gramática russa, o fato de um fenômeno ocorrer apenas uma vez pode colocá-lo na categoria das coisas freqüentes. Os matemáticos chamariam isso de freqüência degenerada...
Aliás, cabem aos matemáticos as definições mais contorcidas e menos naturais. Por exemplo, a ausência de conjuntos é também um conjunto: o conjunto vazio...
Contudo, essas definições muito amplas podem ter sua utilidade. Por exemplo, a idéia de que alguém se diz apolítico está tendo na verdade uma atitude política. É a idéia de que se declarar passivo em política é uma postura também política. Através dessa definição é possível identificar os conformistas: aqueles que não se manifestam e não agem diante do jogo político. Por isso, estão de acordo com quem quer que esteja no poder. Ou submissos a esse poder. Deste modo, não é possível crer que a atitude dita "apolítica" é uma forma de conservadorismo. Um conservadorismo passivo, mas ainda assim conservador. E, portanto, político.
Podemos também pensar na filosofia. Nesta área havia -- e há -- a metafísica, que tenta estudar e discutir aquilo que não é físico ou observável. A princípio, a metafísica era próxima da mística e da religião: alma, Deus e temas relacionados. Depois, passou a se interessar por idéias mais abstratas, além do mundo físico, como sugere seu nome. No século final do século 20, os cientistas e os filósofos ligados a eles passaram a combater a idéia de metafísica porque dava origem a coisas não observáveis, portanto -- segundo eles --, arbitrárias e subjetivas. E, assim, tentaram retirar toda metafísica da ciência e da filosofia.
Até que alguém percebeu que a idéia de que a metafísica não existe também é metafísica: é uma hipótese totalmente não observável.
Outra coisa interessante, que tem a ver com a idéia de definições amplas, é que muitos movimentos anticlericais -- ou em alguma medida anti-religiosos -- sejam religiosos e tenham seu clero.
Supondo definição de dicionário muito simples de religião: algo que tenha uma visão teológica e uma visão da ética ou da moral. Em outras palavras, uma religião diz como o humano deve se relacionar com Deus (teologia) e como deve se relacionar com os outros homens -- uma ética ou moral. Deste modo, o catolicismo é uma religião, pois nos diz como Deus é, e como devemos nos relacionar com ele; além de dizer como devemos nos relacionar com os outros homens, chamados de nossos irmãos.
Talvez não seja hoje uma surpresa, mas certamente o foi durante algum tempo, observar que o antigo bolchevismo era, nesse sentido uma religião, pois dava sua opinião sobre o relacionamento do homem com Deus (Deus não existe!) e sobre a relação com os outros bolchevistas, chamados de camaradas. Tinham seu clero, certamente, e até mesmo o dogma da infalibilidade: o Partido nunca erra. Em geral, o secretário geral do Partido era muito semelhante ao Papa, também com sua dose de infalibilidade.
O exame de outras tendências, chamadas de anticlericais, ou anti-religiosas, mostrará que eles também tinham sua visão teológica e sua visão moral ou ética. Alguns chegavam a ser mais intrusivos no comportamento de seus membros que do que a própria Igreja Católica. Sem falar que certamente tinham (ou têm) um clero.
S. Paulo, 17 de setembro de 2002
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