Zé da Fu
maria da graça almeida
Hoje eu sei que seus olhinhos brilhavam mais do que o néon onde se lia: Pindorama Clube, porém não mais do que chão que ele cuidava de manter feito espelho.
Talvez tivesse calos nos cotovelos. Sua figura pequena e esguia já fazia parte de uma das janelas. Não que ficasse ali, sem antes lustrar o assoalho. Isso, nunca!
Estava sempre presente, mas era uma presença ausente! Pouco o notávamos. Tínhamos outros interesses. Nossos olhares já estavam preenchidos.
Zé da Fu, para nós, talvez fosse como um dos objetos do salão; mais importante do que o chão, menos do que as mesas, o piano e a velha vitrola de onde saíam os metais Bert Kaempfert e os chiados das ranhuras do vinil.
Seu apelido soava-me estranho e nunca consegui saber de onde vinha...Zé da Fu...Fumaça? Fuligem? Não... ele era tão clarinho...
Um dia, cheguei a Pindorama e, ao passar pelo Clube, estranhei:
- O Zé não está na janela. Deve estar lustrando... -Minha sobrinha, virou-se, surpresa:
- O Zé morreu.
- Nossa! O Zé da Fu?!
- Por que o espanto?
- Do quê?! Quando?!
- Idade! Há anos...
Calei-me, perplexa...
Percebi que eu perdera a noção do tempo. A presença do Clube trazia-me as recordações ainda nítidas, frescas. Parecia-me que eu continuara no anteontem.
Para o conforto do meu peito, que de repente esvaziara, o Zé deveria estar ali, na janela, feito um quadro antigo, ou um velho retrato.
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