Pobre vizinha
maria da graça almeida
Durante nove anos...nove anos,
horas a fio, aturou-me a esfolar um Bach,
que fugia das próprias fugas.
Permitiu-me subir escalas aos tropeções
e descê-las no escorregão. Viu-me cuspir no lac de Come e mudar a nacionalidade da Marcha Turca. Consentiu que estrangulasse La voix du coeur e turvasse o Danúbio, antes, azul.
Nem sequer um gesto ou palavra de reprovação, porém, na verdade, não posso afirmar
se perfeita era sua audição, ou se, dada à violência diária, ficara surda,
ou mesmo se ensurdecera por autodefesa.
Obrigada, Dona Maria,
só agora dou conta de agradecer-lhe
pela infinda paciência.
E de desculpar-me pela insistência
e inabilidade das minhas mãos sobre a
delicadeza dos martelos.
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