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Contos-->A Família -- 09/08/2007 - 09:39 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos





_Conversa puxa conversa e a gente termina falando do que deve e do que não deve. Você sempre me envolve com suas frases pré-fabricadas. Não posso esconder o quanto o admiro. Meus olhos por si só denunciam esse sentimento. Pecam demais quando olham para seu corpo muito embora cresçam quando encontram os olhos de sua alma e com eles navegam em busca dos nossos belos momentos.
_Mas eu sou o culpado por tudo.
_A culpa, toda ela, atrela-se a nossos preconceitos. O que é bom ou certo para nós nem sempre o é para os outros.
_É desculpa sua. Você não quer que a coisa morra. Entre nós isso é navalha afiada que corta até o vento.
_Navalha atrevida e louca!
_Mas não deixará de ser navalha, nunca, meu amor.
_Desejo-o assim mesmo. Amo-o: seus olhos, sua carne e sua alma. Não se culpe por isso.
_Uma família é um monumento à tradição. Um povo recolhe-se sob a força de sua figuração social. É dela que tiramos a essência de nossa convivência. Quando saímos de casa, um pedaço de sua sombra fantasmagórica nos acompanha. A família é um grude que nos endereça ao convívio social das ruas e das outras casas. A nossa parece ser a mais forte de todas as outras que já conheci. Meu pecado é ver você com outros olhos que nunca pude entender onde os encontrei. Você afia minha navalha e me corta com ela como se eu fosse um bêbado que nunca bebeu o espírito do vinho.
_Amir, o pior pecado que poderemos encontrar dentro de nós é aquele que não pode ser guardado em nossas almas como bom para você e para mim. O que gostamos de fazer é o que nos faz bem. Se é ruim para os outros, paciência; é bom para nós. Para eles é um pecado? Pouco me importa!
_Maria, a concepção que temos até de nós mesmos é como a navalha que cremos ser: corta com as duas faces, onde deve e quando não deve. Conceitos são feitos no arranjo dos discursos. O limite do que podemos é tênue ou extenso a depender dos nossos preconceitos. Não posso continuar alimentando esse nosso romance!
_Mas eu o amo, Amir, como nunca fi-lo antes. Dependo de suas entranhas suculentas. Vou morrer, sem tê-lo. Sua alma é quem dá a cor e o cheiro de seu corpo. Seu perfume é agridoce como eu sempre o desejei. Nossos corpos são um do outro. Nossa cama é farta de nós e não cabe mais ninguém que não nós dois. Não se importe com o que somos.
_Você faz o seu próprio furor. Tenho medo de sua alma. É corrente que amarra até as palavras do meu silêncio.
_É porque descendemos de um mesmo tronco de sangue. A irmandade faz essas coisas existirem.
_Tenho medo, mana.
_Mas não se esqueça da força dessa mulher que há em mim. Possuo armas terríveis!
_Sou um homem frágil, fisgado por seus olhos valentes e audaciosos.
_Mais sensual do que isso que você me disse nesse instante, nunca ouvi antes, creia. Não me deixe só.
_Valente, mais que tudo. Você é quanto maior quiser ser.
_Por quê?
_Porque inusita e fere, beija e morde, dá-me de beber da água fervente do seu corpo. Fico com a boca aftosa do seu veneno fumegante. Não sou mais eu somente. Você preencheu até meu fôlego. Acho que já me basta viver.
_Não o deixo morrer. Não respondo por ninguém. Não somos mais corpos e almas. Somos sombras perdidas nos desejos. Provar um ao outro, na prima vez foi nossa maior ousadia. Adoecemos depois de termos feito.
_Por quê?
_Porque, meu irmão, a vida é isso também. Desviamo-nos desacertadamente ou enxergamos o que cega outrens.
_Nossa família ruiu!
_Para mim cresceu. Nossos pais são os que vivem a defender. O que menos me importa hoje é uma religião. Meu Deus é de carne, macio, sem ossos. Gosto de pensar nele como um vulcão em insônia constante. Suas lavas são meus goles de desejo. Amo-o quando em franca erupção. Tenho medo dele, também. É poderoso.
_Você não tem medo sequer de ter medo. Há muito exagero nos seus sentimentos. É furiosa, urra para esfregar seu corpo noutro.
_Não! Serve-me apenas o seu. Sou sua loba. Quero-o meu filhote faminto para mamar até nos meus dedos e nunca envelhecer.
_Eu preferiria ficar com a força de nossa família.
_E da navalha dela, não tem medo?
_Nunca tive. Você me fez perder um bom pedaço de minha auto-estima.
_Não recue, Amir: eu mato você!
_Já morri faz tempo. Só os vermes incestuosos desses nossos sentidos é que me ressuscitam diante dos seus olhos.
_Nosso orgasmo é diferente, eu sinto isso.
_Ele é feroz, isso sim.
- Irmão sente o que os estranhos sentem entre si. Se não nos conhecêssemos, nada do que quer me impedir agora, existiria.
_Você se esquece de que participamos de uma sociedade cheia de regras.
_Até nós as temos. Quando fazemos amor, só nos serve a escuridão da noite. As estrelas nos catucam. O vento não passa entre nossos corpos e nossas almas são foliãs astutas que desvendam as magias do Cupido. Somos diferentes de todos. Não vejo o porquê de você preocupar-se com a censura diferenças dos estranhos.
_Maria Nilza, não a quero mais como amante.
_Então, sendo assim, dar-lhe-ei o que minha vontade manda. Não quero deixar de ser possessiva. Prefiro bater, muito embora apanhar também possa vir a ser o meu forte: é só escolher outro irmão, diferente de você.
_Não se precipite, mana...
_Eis o que você merece há séculos.
Era uma sexta-feira. Chovia fino e a tarde estava escura. O Sol havia se apressado para esconder-se no céu e por isso a Lua apontava no firmamento antes que a noite descortinasse com as estrelas para lhe fazer um fundo de palco perolado e cintilante.
Amir não foi necropsiado. O dinheiro dos Carvalho comprou a dignidade e a técnica de que precisou. A família enlutou-se num falso suicídio e ficou dele a lembrança errada de alguém que nunca fora frágil, mas enfrentou a morte e até nela foi incompreendido.
Maria chorou por dois lutos na igreja matriz. Suas lágrimas eram bicolores. Suas mãos trêmulas e sua vergonha contida entre elas falavam sem achar olhos que pudessem ouvir os seus gestos denunciantes de sua primeira miséria realizada.
Onze anos depois eu e meus pais soubemos que ela havia degolado nosso irmão caçula, Jorge, e que tinha sido presa em flagrante delito. Só minha mãe foi ter com ela à época. Nunca mais a vimos, nem atrás das grades justas que, sem bocas, falavam as verdades que não ficaram em sua alma. Maria nascera para ser diferente. Do presídio foi ao nosocômio judiciário e lá morreu aos trinta e nove anos, enforcada por uma companheira de cela.
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