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Contos-->Duas vidas -- 09/08/2007 - 09:52 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Duas Vidas


Somente no leito de morte de minha mãe, pude saber minha história, escondida pelas setenta chaves do proibido e do obsceno.
Ela trabalhava como secretária do doutor Danton.
À frente de sua eficácia profissional, bem à frente mesmo, impunha-se a tantos sua beleza física_ mulher de feições encantadoras_ onde a sedução havia achado morada fácil.

_Estou grávida, Danton!
_Nem ouvir isso eu posso, quanto mais acreditar no que acaba de me dizer. É mentira, diga-me, para que não venhamos a ter sérios problemas, a começar por sua demissão. Já imaginou se Camila, minha esposa, souber?
_Camila, sabendo ou não, a verdade é que estou grávida de você. Meu marido também vai ser uma pedra no meu caminho. Você acha que isso não o incomodará?
Passei a ter um convívio horrível com ele. Só gostou de mim, do nosso adultério, até saber que havia feito um filho. A gravidez o poria em situação extremamente delicada. Não pude me esconder com ela. As pressões para que abortasse foram enormes. Quando fiz quatro meses de gravidez, fui levada à força para retirar a criança. Meu marido a essa altura já havia sido informado por mim. Perdoar-me-ia, contanto que eu matasse a criança.
O mundo caiu sobre os meus ombros. O significado de minha maternidade, sua força sublime, parecia ter-se ido ao vento. Não me reconhecia como gente. As pressões que recebi foram bem maiores que minha vontade. Pus de lado até minha dignidade e assumi o crime hediondo. O velho doutor Glênio, amigo da família Miércoli, estava na sala de parto. Olhou-me dentro dos olhos e disse:
_É para o seu bem, minha filha...
Nada lhe respondi com palavras. Meu gesto de indignação foi virar o rosto para o outro lado da mesa de cirurgia.
Deu-se tudo. Apenas chorei. Não me lembro de ter sentido qualquer dor física. Sentí-me menos mãe apenas quando ouvi do doutor Glênio:
_Era uma menina. Acabou-se. Vocês estão livres.
Abafaram tudo. Saí da casa de saúde São Gerônimo uma hora depois. Lembro-me de que sujei de sangue o velho Aerowillis que me conduziu até minha casa. Senti cólicas fortes. Apenas gemi. Meu ventre continuava alto.
No portão do chalé onde morava, ao chegar, encontrei meu esposo. Baixou a cabeça envergonhado e entrou antes de mim. Sequer estirou-me a mão em sinal de ajuda. Entendi seu gesto. Externava a sinceridade de seus sentimentos. Estava triste com a traição sofrida.
Voltei a trabalhar e apresentar dores estranhas no ventre, além de edemas nas pernas. Comuniquei ao patrão que me deu férias de trinta dias. Resolvi ir a um outro médico e cuidar-me. Estive com o doutor Lázaro três dias após ter me afastado da empresa. Expus-lhe o que estava sentindo. Fiz os exames solicitados por ele e retornei à consulta.
A vida é o que aprendemos com o tempo. O homem passa a deixar suas idéias que se perdem ou se renovam noutras idéias, noutras vidas. A índole norteia nossos comportamentos frente às emoções. A maternidade santifica a mulher. Como era que me podia ser diferente?
_E aí, doutor Lázaro, o que há comigo?
_O que nunca vi antes em quase trinta anos de medicina obstétrica.
_O quê?
_Em seu ventre há outra criança que quer nascer.
_E a que tiraram?
_Era gêmea com essa.
Beatriz nasceu numa quarta-feira fria de agosto. Tive que viajar para longe de Alagoas para poder tê-la na calmaria doutros ares. Guardei esse segredo com todas as chaves que encontrei dentro de mim. Amei-a duplamente, talvez para esquecer a meia mãe que havia sido. Tive que abandonar emprego e marido em nome de minha própria absolvição como mulher cristã. Pesava-me o fato que havia consentido fizessem em mim.
Hoje é aniversário de morte de mamãe Évila. Ela escondeu de mim essa história até a última semana em que viveu. Lembro-me do nosso diálogo a essa época.
_Você me perdoa, Beatriz?
_Já o fiz, faz muito tempo. Agora descanse em paz.
Há um peso nos meus ombros, ainda muito forte. Parece não querer abandonar-me nunca. O destino me favoreceu e diminuiu essa dor. Tive um único parto do qual nasceram duas lindas crianças a quem pus os nomes de Lívia e Vitória. Mudei de amores: hoje amo apenas a vida.
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