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Contos-->As janelas -- 14/08/2007 - 19:16 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


“Na praça escura, só o vento corria frio e livre. O sol, vestido por nuvens escuras carregadas de chuva, estava longe de abrir-se num leque de luz. Os canteiros de grama mais pareciam estradas descascadas, cheias de seixos mofados da poeira, esquecidas de tudo. Os bancos eram ninhais de pardais – sujos e mal cheirosos. Era o dia mais infeliz de minha vida. Diagnóstico às mãos, esperança não sei onde, olhos baços e molhados das lágrimas de minha tristeza. Um quadro mórbido a qualquer olho.
Nestor nunca me pareceu ser um moço triste. Antes de apertar-me a mão, seu sorriso exagerado me tocava, como se reflexo de uma felicidade fosse. Possuía rotinas para tudo. A hora que saía para trabalhar era sempre a mesma. Alimentava com vigor o hábito da leitura dos principais jornais. Nunca reclamava do cansaço físico.
Nossa amizade faria quarenta e dois anos em abril - dia trinta. Ele não ligava para esse tipo de comemoração. Se estava lendo, não nos adiantava chamá-lo – não respondia. Possuía hora certa para suas tarefas: cada coisa no seu tempo certo. – Um perfeccionista invadido pela solidão. ”
- Este é o conto, professor?
- Um pedaço dele. Dar-lhes-ei as questões que quero que vocês façam. São fáceis. Observem as aspas, o foco narrativo, como o autor começa descrevendo o ambiente onde está. Concordaram que há um clima de suspense? Pensaram numa descrição acerca de um suicida? Entendam as pistas dadas pela narrativa.
Os alunos pensavam silenciosos: professor novato, início de ano letivo, classe cheia. Isso acontecia nas primeiras horas de uma segunda-feira. Um texto para ser trabalhado.
- Os que já terminaram, ponham seus testes sobre o birô.
Saí da sala de aula com um calhamaço de testes sob o braço. Eles comentavam curiosos sobre o enredo do conto. Uns diziam ter achado fáceis as respostas solicitadas. Outros demonstravam ter tido certa dificuldade. Queria avaliá-los com muito cuidado. Esse engajamento era do que necessitava.
Quando cheguei à sala dos professores, tomei alguns goles d’água, sentei-me na longa mesa lustrosa e cheia de cadeiras, onde pus a pasta e os papéis. Por fim sentei. Enxuguei a testa suada com meu lenço azul. Quando levantei o olhar, vi o quadro do conto do outro lado da janela à minha frente. Havia uma praça, um banco sujo, um gramado descuidado, um ambiente triste. O tempo queria chover. Ventava muito. Ouvi o grito do alunado que aproveitava os vinte minutos de descanso do recreio e apreciei a paisagem. Apossou-se de mim um sentimento de tristeza. Fiquei enlouquecido quando dei por mim e deduzí que não havia janela alguma à minha frente, nem tampouco a praça. O dia era de um sol forte. As cadeiras da sala estavam todas ocupadas pelos meus colegas professores. Não os havia visto minutos antes. Algo estava estranho dentro de mim.
Desisti de ensinar, estive interno em hospital psiquiátrico enésimas vezes. Hoje, para onde olho, vejo janelas – o que me é mais cruel é que elas se encaixam dentro de outras, outras e nunca vejo a praça dentro de nenhuma delas.
Se estivesse a enxergar dentro da moldura da janela enredos para a tessitura dos contos e se pudesse trabalhá-los com meus alunos, assim bom me seria. Hoje, vejo uma janela aberta. Quando fixo nela o meu olhar, enxergo uma outra. Adentro e estou noutra. Nada mais vejo além disso. Uma sucessão ininterrupta de janelas vazias, desmolduradas; energúmenas visões que me incomodam.
Aposentaram-me. Que injustiça! Não via motivos para procurar meus contos enjaulado nas janelas que juntas tanto enfeitiçavam meus olhos. Os remédios passaram a ser-me taramelas de destruição. No isolacionismo das celas do hospício, a morte chegar-me-á como uma grande porta sem que eu saiba se lá fora há banco sujo ou praça. Tomara que chova e lave tudo até o que já escrevi quando não olhava tanto para as janelas da vida. Vou aprendendo a morrer a cada dia onde minha alma vai sendo consumida neste universo isolado de qualquer razão, onde me vejo desnudo até de minha dignidade. Minhas janelas me são menos cruéis.
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