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Contos-->A herança -- 29/08/2007 - 21:00 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Herança




E ele andou vencendo a doce aléia guardada por ipês frondosos e silenciosamente belos, tão amarelos quanto o sol poente que, alto, encabeçava-os com a sombra criada. O cão rafeiro da tropa chegada ficara para trás horas antes, ainda na guia do gado, e de tão cansado que estava, arrastava a língua, quase rente ao chão sujo da estrada de barro vermelho. A luz molhada do candeeiro da soleira da janela principal da casa do engenho, apesar de nada alabastrina, cintilava. Tinha uma chama avermelhada que dançava frente ao sopro do vento do final da tarde.
À frente da casa, um bom punhado de vaqueiros perfilados, à espera de que o coronel Falindo gritasse um boa-tarde. A rafanéia, silenciosa, apenas guardava a fala do velho. A boiada já estava presa no curral da quarentena, que ficava logo no início do engenho, antes de chegar-se ao belo corredor dos paus d’arco.
_Trouxeram tudo?
_Das duas fazendas, coronel. Todo o gado veio.
_Obrigado, Jacinto; era assim mesmo que devia ter sido feito o serviço. Deu muito trabalho?
_Um pouco, coronel, mas veio!
_Desatrelem os animais, mande seu povo banhar-se no rio dos fundos e esperar na senzala velha. Vou mandar servir a janta pra eles. Quantos são?
_Onze, coronel: eu e mais dez.
_Vão pra lá. Comem já!
O coronel, sequioso por ter por perto sua última grande boiada, olhou para a floração amarela da estrada da chegada do engenho, depois para o sol já semi- encoberto por trás da serra da Barriga, desistiu de fazê-lo àquela hora e entrou. Amanhã, ainda com o orvalho frio olharia os animais e faria suas anotações.
As falas do vendaval, defendendo-se umas das outras, marcam limites e impedem trânsitos e atiçam olhares que não se distraem. E assim são histórias mal contadas. Os desejos transitam entre as almas.
O avô do coronel Falindo era um português manso e trabalhador que havia chegado às terras de Santa Maria Madalena com uma família de portugueses ricos que logo se dispuseram a erguer uma grande cruz como símbolo da fé cristã nas terras do alto do povoado. Morrera ainda jovem de tuberculose pulmonar, trazida da cidade de São Salvador. O pai do coronel retornara para Portugal e não dera mais notícias ao filho, costume raro entre o povo que emigrava de lá para ocupar nossas terras daquém mar.
O coronel era um homem que escondia sua melancolia e não se apartava de sorrisos gentis para todos. Fora ele o primeiro adepto – corajoso ser – quando se aproximaram os anos de abolição da escravatura, a defendê-la.
Ouro não tinha mais. Pela estrada à frente da casa-grande do engenho saiu toda a fortuna herdada. A espreguiçadeira balançava seu corpo descansado, enquanto afilava o bigode ruivo, horas a fio. Os títulos passaram – não iam trabalhar para seu sustento. A Corte ruiu, e amigos verdadeiros moravam longe demais um do outro.
Vendi a penúltima parelha de boi de carro e a última jóia de Deolinda. Restam-me as flores dos ipês da aléia do engenho. Quero enterrar-me sob elas, em dia ensolarado onde mais cantarem os pintassilgos e os sábias. Desejo morrer triste em alegre dia de primavera. Avô rico, filho famoso, neto..., só não se foi a memória que tudo guardou para me doer até o último suspiro, esta, se também não tiver que vender...
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