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Contos-->O Cabaré da Laura -- 15/09/2007 - 21:29 (paulino vergetti neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



O Cabaré da Laura

Havia apenas duas prostitutas nele. Um cabaré fajuto, postado na beira do asfalto da rodovia praieira, a uns cento e trinta quilômetros de Maceió a capital do Estado.
Quando passei em baixíssima velocidade à frente do botequim cabaré, deu para perceber que havia nele duas mulheres falantes. A mais velha trazia enfiada na perna direita uma enorme úlcera de estase, descoberta, como que enfeitando suas velhas varizes. Estavam descuidadas as duas. Meu carro achou de quebrar logo ali, em frente ao casebre descolorido, onde apenas existiam, de natural e bonito, as folhas do coqueiral balançando ao vento, como se podia ver por cima do telhado, feitos de telhas velhas, acinzentados pelo descuido do tempo.
- Que porra aconteceu com teu carro, cara?
E essas foram as palavras mais delicadas as vi pronunciar enquanto estive lá, por aproximadamente 16 horas. Na manhã do dia seguinte, parti às oito da manhã para nunca mais parar voluntariamente naquele pequeno recinto, mais para porcos do que mesmo para gente.
Tercila era a loira oxigenada da lesão na perna, dona do cabaré a que mais trabalhava vendendo o corpo. Deu para perceber que ela era mais procurada, não pela obesidade quase mórbida tem carregava, mais por sua brabeza. Impunha medo aos simplíssimos pescadores e os catadores de cocos da praia de Japaratinga, litoral alagoano.
- vem pra cá! Quer uma cachaça pra esquentar os culodinos?
E eu lá sabia que os meus testículos tinham lá esse apelido? Preferi uma cerveja que, por sinal, chegou-me quase morna. Reclamei e ouvi dela a seguinte frase:
- você ainda se banha eu lhe oferecer essa porra, cara! Minha geladeira tá como minha perna, fodida! Tome se quiser. Tem quem queira!
Duas horas depois, o mecânico, de Maragogi estava consertando meu carro. Uma pequena rachadura numa tal mangueira de transporte de combustível me fizera passar entre o sono e a vigília minha maior noite. Sentei-me numa das mesas do boteco e deixei meus ouvidos ouvisse a malandragem falando.
Não sei ao certo, mas, até as duas da madrugada, contei passos para o quartinho onde fazia suas relações sexuais, mais de quinze homens, naturalmente para se servir das duas. Já eram mais de duas da madrugada quando o último entrou. Após ele, vi-a sorridente. Saiu do quarto apertando os cabelos com as mãos e arrumando-os em um cocó mal feito. Olhou-me, pediu para sentar-se à mesa fim eu ocupava com e, antes mesmos que eu acenasse algum consentimento, fê-lo.
- Ai, ai...
- Cansada?
- Feliz!
- Mesmo a essa hora e tendo trabalhado tanto?
- E então..., cansada arrasada e feliz!
Falou-me de sua vida como se em mim, do lado de cá da mesa, estivesse um analista. Ouvi-a pacientemente até às quatro, quando fui dormir dentro do carro, após falar com o vigilante semi-empregado de uma pracinha pública a uns cinqüenta metros do local. Prometeu olhá-lo e olhar-me até o raiar do dia. Ficou feliz.
Fui ofendida por meu padrasto quando tinha oito anos. Ele me lascou direitinho. Sangrei pela vagina e sentir dor. Fiquei urinando com ardor por uns oito dias. Quando eu fui dizer para minha mãe o que ele havia feito comigo, ela arregalou os olhos e em seguida eu levei o primeiro murro na cara de minha vidinha de criança pobre, iludida pela miséria que me fazia acreditar que eu vivia! Em seguida, ele me derrubou, pôs seu pé direito em meu pescoço magro e gritou:
- Se você repetir essa história, cachorra, eu te mato! Ouviu bem?
Nem pude falar direito, dada a pressão que me fazia o pé dele em meu pescoço. Não demorou muito para eu acostumar-me a receber as suas visitas todas as vezes que mamãe ia à cidade fazer qualquer coisa. Ele dirigia o olhar, sorrindo, como se seu cinismo fosse maior do que o mundo ao seu redor. Eu nem resistia mais. Deixava-o aliviar os seus fluidos. Minhas lágrimas eram o meu orgasmo. O Choro me fazia muito bem. Era o meu verdadeiro aliado nessas horas, principalmente as que se seguiam aos lances de judiação a que ele me submetia.
Eu podia enxergar, nos olhos de Tercila, o brilho de sua revolta interior. Ela destilava ódio enquanto falava. Batia na mesa com as duas mãos, sem ter tomado nenhuma bebida alcoólica. Eu não sabia direito se ela falava ou gritava. Nem me importava. Queria mesmo era ouvi-la contar sua história tétrica, mas que não deixava de ser deveras interessante. Perguntei-lhe o porquê de ter saído tão feliz após servir o seu último cliente, depois de tantos outros recebidos durante a noite e parte da madrugada. Ela, evidenciando muita satisfação pela pergunta que lhe fiz, dirigiu o seu olhar a meu, cerrou os lábios, dobrou os braços, cruzou as pernas e, como só se tudo o que lhe interessasse fizer fosse exatamente responder à minha pergunta, vendendo felicidade, disse:
- Era o meu padrasto, cara!
Olhei-a assustado, levantei-me de onde estava e fui para o carro esperar o sol e o mecânico chegarem. Vi que ela ficou chorando depois que saí. O seu mal parecia ter erupcionado em seu peito. A história de Tercila era perversa demais para ter um fim, como qualquer outra história vivida...
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