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Artigos-->FICÇÃO CIENTÍFICA E BIOSSEGURANÇA -- 17/02/2000 - 14:15 (Paccelli José Maracci Zahler) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
FICÇÃO CIENTÍFICA E BIOSSEGURANÇA





Paccelli José Maracci Zahler





1. INTRODUÇÃO



A ciência se desenvolve com o acúmulo dos conhecimentos obtidos a partir da observação da Natureza, dos testes realizados no laboratório e no campo, e do tirocínio dos pesquisadores.

Durante muitos séculos, pensou-se que a Natureza era imutável e que assim permaneceria como uma dádiva do Criador. Entretanto, há dez mil anos, observando o ciclo da vida dos vegetais, os seres humanos começaram a praticar a agricultura, selecionando espécies importantes para a alimentação como o trigo, o arroz e o milho.

A agricultura fixou o homem ao campo, promoveu o surgimento de comunidades, a domesticação dos animais e o desenvolvimento de novas técnicas com a finalidade de produzir maior quantidade de grãos e incorporar novas terras ao cultivo. Surgiram, então, a irrigação, a construção de barragens, a substituição de enxadas e paus pelo arado, e o uso de objetos de cerâmica para estocar alimentos.

No decorrer dos anos, foram incorporadas à agricultura descobertas no campo da genética, da química de solos e da biologia vegetal, particularmente no século passado.

Em uma carta escrita em 1844, Charles Darwin expressou-se da seguinte maneira: "Já li pilhas de livros sobre Agricultura e Horticultura, e nunca cessei de coligir fatos. Finalmente, surgiram alguns lampejos de luz, e eu também me convenci (contrariamente à minha opinião inicial) de que as espécies não são ( e isso é o mesmo que confessar um crime) imutáveis".

A partir da publicação do livro A ORIGEM DAS ESPÉCIES, passou-se a estudar a Natureza do ponto de vista evolutivo e isto promoveu uma revolução no conhecimento.

Hoje, a ciência está dando um novo salto com a aplicação dos conhecimentos da engenharia genética e da biologia molecular ao desenvolvimento de organismos geneticamente modificados.

Todo esse avanço científico e tecnológico experimentado não só pela agricultura, mas pela medicina com a utilização de cobaias geneticamente modificadas, vacinas recombinantes e terapia gênica; pela astronomia que, através do telescópio Hubble, consegue fotografar sistemas planetários em galáxias distantes; o aperfeiçoamento das telecomunicações e a intensificação das viagens espaciais, transforma radicalmente a forma como o ser humano encara o mundo e seu futuro, refletindo em seu comportamento e na sua expressão artística, particularmente, na literatura de ficção científica.



2) A LITERATURA DE FICÇÃO CIENTÍFICA



A arte literária é um fenômeno social que se manifesta a partir do momento que o homem tem consciência do seu grupo social, compartilhando com ele angústias e objetivos, acabando por documentar a sua época (AMORA, 1992). Para FIGUEIREDO (1941), é uma forma de conhecimento das relações do homem com o universo baseada na intuição, ou seja, a criação de uma supra-realidade com os dados profundos e singulares da intuição do artista.

Neste sentido, a literatura de ficção científica somente tornou-se possível devido às modificações resultantes do desenvolvimento científico. Na medida em que o progresso possibilitou a transformação do meio ambiente no decurso normal de uma vida, o que não ocorria anteriormente, ficou claro que ele teria prosseguimento de forma acelerada e abriu novas dimensões à fantasia (SCHOEREDER, 1989) e à criatividade.

O trabalho verdadeiramente criador é a intuição interior e a formulação da obra de arte como uma imagem emocionalmente carregada. Corporificar isso em um material externo, na opinião de ALDRICH (1976), é uma questão de habilidade técnica e não uma parte essencial, seja do ato criador da expressão interna, seja da obra de arte acabada, resplandescente à luz interior da mente criadora.

Dizia Platão que alguns objetos perceptíveis pelos sentidos comuns forçam-nos a pensar neles porque são insólitos, enigmáticos. Para que haja sensibilização e para que as pessoas pensem no tema abordado, o artista/escritor recorre à pesquisa para fundir fato e ficção em um enredo dramático, expressando a situação humana em uma realidade irracional final, constituindo-se em uma fuga, um alívio ou um aprisionamento, um medo. Assim podem ser explicadas as obras de arte que marcam as pessoas.

As primeiras obras de ficção científica tratavam de viagens espaciais, particularmente à Lua, e de visitas de seres de outros planetas à Terra. Dentre os precursores, podem ser citados Plutarco (50-125 d.C.), Luciano de Samosata (125-200 d.C.), Ludovico Ariosto, Jonathan Swift (1667-1745) e Voltaire (1694-1778). Entretanto, as obras de Júlio Verne (1828-1905) e de H.G. Wells (1866-1946) são consideradas por unanimidade como aquelas que apresentam os elementos característicos da moderna ficção científica tal como veio a desenvolver-se no século XX.

A adaptação de contos e novelas de ficção científica para o cinema, quadrinhos e televisão impulsionou a popularização do gênero como, por exemplo, OS PRIMEIROS HOMENS NA LUA, A GUERRA DOS MUNDOS, O DIA EM QUE A TERRA PAROU, FLASH GORDON, GUERRA NAS ESTRELAS, O PLANETA DOS MACACOS, JORNADA NAS ESTRELAS e 2001:UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO.

A ficção científica tem explorado também a telepatia (FUNDAÇÃO, de Isaac Asimov), a parapsicologia (A CASA DA NOITE ETERNA, SCANNERS), a medicina (FRANKENSTEIN, de Mary Shelley) e as experiências genéticas (A ILHA DO DR. MOREAU, de H.G. Wells).

A história de FRANKENSTEIN foi levada ao cinema pela primeira vez, em 1910, sob a direção de H. Searle Dawley. Nela, um médico consegue dar vida a um monstro construído com membros de vários cadáveres.

A inseminação artificial foi abordada no filme ALRAUNE (1918), que recebeu o título de MADRÁGORA em sua segunda versão para o cinema em 1928. Nele, um cientista, empregando a inseminação artificial entre um criminoso enforcado e uma prostituta, cria uma vida sem alma (Alraune) que cresce sem sentimentos e todos os homens com quem tem contato morrem.

Em 1942, o diretor Harry Ladman trouxe para as telas O HOMEM SEM ALMA, narrando a história de um cientista que transforma macacos em homens.

Em A ILHA DO DR. MOREAU, filmado em 1976 em uma adaptação da obra de H.G. Wells, um cientista realiza experiências genéticas entre homens e animais em uma ilha no meio do oceano.

Mais recentemente, o autor Robin Cook, no livro MUTAÇÃO, recria o mito de Frankenstein, situando-o na época atual e propondo uma reflexão sobre o uso indevido da engenharia genética.

O enredo está centrado no Dr. Victor Frank, ginecologista e engenheiro biomolecular, que deseja ter um filho com sua esposa estéril. Para conseguí-lo, decide utilizar seu próprio esperma e um óvulo dela. Mas não se limita a isso, manipula geneticamente o embrião para criar um ser superdotado. Entretanto, o que criará na realidade será uma monstruosa criatura mutante que semeará terror e pânico.



















3) A PERCEPÇÃO PÚBLICA



Como foi visto, a arte literária expressa a relação do homem com o grupo social ao qual pertence, através da intuição de um autor e, quanto mais próxima da realidade, maior a sensibilização das pessoas.

Um exemplo clássico da afirmação acima foi a adaptação da obra de H.G. Wells, A GUERRA DOS MUNDOS, para um programa de rádio, cujos antecedentes são contados a seguir.

O planeta Marte tem fascinado a humanidade desde os primórdios da astronomia e sua cor vermelha sempre foi associada a sangue, ferimentos, perigo, morte e guerra, tendo recebido o sono de Nergal - deus da guerra, destruição e morte, pelos sumérios.

Os gregos o batizaram de Ares - deus da guerra, substituído, posteriormente, pelos romanos por Marte, permanecendo até os dias atuais.

Marte sempre foi considerado como um planeta com influência destrutiva em relação à Terra, isto é, quando brilhasse no céu, haveria guerra. Por muitos séculos, foi considerado um planeta de mau agouro.

Pela sua proximidade com a Terra, sempre foi um planeta muito estudado, principalmente a partir de 1860.

Em 1863, o astrônomo italiano Pietro Angelo Secchi (1818-1878) tentou desenhar a superfície de Marte e observou algumas faixas estreitas, denominando-as "canais". Estas também foram mapeadas pelo astrônomo Giovanni Virginio Schiaparelli (1835-1910). Imediatamente, pensou-se que eram artificiais e, conseqüentemente construídos por seres inteligentes.

O astrônomo americano William Henry Pickering (1858-1938) chamou de "oásis" os pontos de cruzamento dos "canais".

Em 1892, o astrônomo francês Nicolas Camille Flammarion (1842-1925) publicou um livro chamado O PLANETA MARTE no qual falava de uma civilização marciana construtora dos canais.

Um dos principais divulgadores e defensores de uma civilização avançada em Marte foi o astrônomo americano Percival Lowell (1855-1916). Este, em 1894, publicou o livro MARTE, onde defendia a idéia de um planeta que secava lentamente, mas que era mantido vivo através de grandes projetos de irrigação, visíveis da Terra pela vegetação em suas bordas, e habitado por uma civilização inteligente.

Reunindo toda a informação existente em sua época, o escritor inglês H.G.Wells (1866-1946) publicou em 1897, inicialmente em forma seriada em revista, e, no ano seguinte, na forma de livro, A GUERRA DOS MUNDOS, onde combinava a visão de Marte apresentada por Lowell com a situação existente na Terra vinte anos antes, onde as principais potências européias haviam dividido a África em colônias, nas quais os nativos não tinham regalias por serem considerados inferiores, primitivos e bárbaros. Assim, se os marcianos fossem mais avançados cientificamente que os europeus, poderiam tratá-los da mesma forma como eles tratavam os africanos.

Segundo ASIMOV (1982), A GUERRA DOS MUNDOS foi a primeira história interplanetária envolvendo a Terra pois, até então, todas as narrativas retratavam os visitantes do espaço como observadores pacíficos. Juntamente com as histórias de outros autores de ficção científica que usaram o mesmo tema, acabou convencendo o grande público de que em Marte havia vida inteligente e perigosa.

Esta história foi adaptada por Orson Welles e levada ao ar, pelo rádio, em 30 de outubro de 1938.

Nesta adaptação, o local de pouso era New Jersey e os eventos foram narrados da forma mais realista possível, com boletins noticiosos, testemunhas oculares e transmissões diretas do local.

Quem acompanhou o programa desde o início sabia tratar-se de ficção. Os demais acreditaram que eram fatos reais e o pânico se espalhou pela vizinhança do "ponto de aterrissagem".

Como resultado, Orson Welles teve que desculpar-se publicamente.

Isto vem a corroborar a afirmação de um dos personagens de Umberto Eco, o Sr. Garamond, no livro O PÊNDULO DE FOUCAULT, de que "os autores, mesmo aqueles editados, copiam-se entre si, um dá como testemunho a afirmação de outro e todos usam como prova decisiva uma frase de Jâmblico". Em geral, "falam exatamente das mesmas coisas que outros falam. Confirmam-se entre si, logo são verdadeiros" e boa parte das pessoas acaba convencida disso.

Recentemente, gerou-se polêmica sobre "o rosto na superfície de Marte", supostamente esculpido por uma civilização extinta, cuja existência era do conhecimento das autoridades do governo americano que teriam escondido a informação do grande público. Verificou-se, mais tarde, tratar-se de uma ilusão de ótica causada pelo efeito da luz solar sobre areia.



4) A FICÇÃO CIENTÍFICA E A BIOSSEGURANÇA



A tendência para o alarmismo e para o pânico está se manifestando na utilização comercial dos organismos geneticamente modificados e seus derivados, seguindo a mesma lógica da dramatização de A GUERRA DOS MUNDOS.

No caso de MUTAÇÃO, tem-se um médico, pós-graduado em Harvard e autor mundialmente conhecido, Robin Cook, o qual já possui outra obra, intitulada CROMOSSOMO 6, traduzida para o português, onde relata a manipulação genética e a clonagem de animais na selva africana, sem critérios éticos, realizadas por cientistas formados nas melhores universidades do mundo, experiências estas que podem levar à criação de híbridos entre homens e animais.

Para o leigo, prevalece o "argumento de autoridade". Se um médico aborda os perigos do emprego da biotecnologia de uma forma tão dramática é porque existe algo escuso por trás, não levando em conta que organismos internacionais e governos vêm estabelecendo limites ao emprego das técnicas de engenharia genética através de legislações e normas de biossegurança.

Segue-se uma reação em cadeia de especulações sobre os possíveis efeitos deletérios para a saúde humana e animal que o consumo de organismos geneticamente modificados e seus derivados poderá acarretar, o que pode ser enquadrado, dentro da classificação de "falácias comuns e perigosas da lógica e da retórica, apresentada por SAGAN (1996), como "argumento das conseqüências adversas" e "apelo à ignorância".









5) CONCLUSÃO



Apesar de todos os esforços empreendidos para dar ampla divulgação e transparência às decisões sobre segurança biológica do emprego de organismos geneticamente modificados e seus derivados para a cura de doenças, industrialização e consumo humano e animal, bem como ao estabelecimento de limites éticos à sua produção, permanece o ceticismo sobre seus reais benefícios à humanidade.

Esse clima de incerteza é captado pela intuição dos autores de ficção científica e transformado em uma obra de arte identificada com a época atual, influenciando a percepção pública quanto ao emprego da nova tecnologia e gerando insegurança quanto ao futuro.

É a arte mexendo com a sensibilidade das pessoas e fazendo-as refletir sobre o tema abordado.





6) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



ALDRICH, V.C. 1976. Filosofia da arte. Zahar, Rio de Janeiro. 141 p.



AMORA, A.S. 1992. Introdução à teoria da literatura. Cultrix, São Paulo. 149 p.



ASIMOV, I. 1982. Marte. Francisco Alves, Rio de Janeiro. 154 p.



COOK, R. 1996. Mutación. Plaza & Janes, Barcelona. 303 p.



ECO, U. 1996. O Pêndulo de Foucault. Record, Rio de Janeiro. 620 p.



FIGUEIREDO, F. de. 1941. Últimas aventuras. Empresa A Noite, Rio de Janeiro.

314 p.



SAGAN, C. 1997. O mundo assombrado pelos demônios. Companhia das Letras,

São Paulo. 442 p.



SCHOEREDER, G. 1986. Ficção científica. Francisco Alves, Rio de Janeiro.340 p.







(Publicado na Revista BRASÍLIA, novembro/dezembro/1998, p.14-16)

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