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Contos-->Histórias que meu pai contava -- 26/10/2007 - 03:49 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



Eu era assim: cheguei de Imperatriz, faltavam trinta dias para meu casamento. Soube que Marcos Timóteo tava saindo de viagem com uma tropa para o Maranhão. Levantei o pensamento... Sabe de uma coisa, vou falar com Marco Timóteo, vê se ele pega um frete até Teresina. Deixo meus animais descansando até o dia de meu casamento e depois viajo com eles. Procurei Marco Timóteo.
– Marco você vai pro Maranhão?
– Vou.
– Vai levando muita coisa?
– Não levo nada dessa vida! Levo só a tropa pra vender no Maranhão.
– Quer pegar um frete até Teresina?
– Pego toda quantidade, vou com vinte e dois animais arreados, sem nada no lombo.
– A como você leva a arroba?
– A três mil réis.
– Tá feito o negócio.
Não pedi menos. Se pedisse ele dava, já tinha a viagem!
Fizemos a viagem. Na estrada, encontramos dois rapazes voltando de Teresina.
– O que vocês levam aí?
– Alho e cebola.
– Freguês, Teresina tá sem dinheiro! Principalmente pra essa mercadoria.
Não contei conversa. Chamei Marco e perguntei:
– Nós combinamos a três mil réis pra Teresina. E pra Pedreiras, você cobra quanto?
– Cinco.
Não pedi menos. Tocamos viagem. Descansamos na chapada erma. Hoje tem morada, mas, naquele tempo, se viajava léguas e léguas sem encontrar uma casa. Carro, nem se falava... Dormimos um dia, dormimos outro e descansamos no outro dia pra almoçar. Aí, ele conferiu os objetos e disse:
– Deixei minhas armas na primeira dormida. Pendurei num pau e ficaram lá. Você podia me emprestar sua égua. Vou voltar pra buscar. As armas não são minhas. Tô levando pra vender!
Os animais dele eram jumentos. Se fosse a marca de muitos, tinha falado: pegue um de seus animais e volte. Mas feito besta, emprestei minha égua. Onde nós fizemos em dois dias e meio, ele fez duma tarde pra uma noite. Levantei de manhã, vi a besta na solta. Não conheci, não. Daí, ele levantou e trouxe a besta pelo cabresto. Tava estropiada. Fiquei trespassado de pena! Não sei se ainda montei aquele animal!
Seguimos viagem, já de noite, quando nós tava arranchado noutra casa, ela veio, pariu um potro famoso, em nossa frente, como quem diz, “oi aí” a perversidade que fizeram comigo!
Depois disso, não montei mais naquele animal, quando o dia amanheceu, cacei troca, fosse em que fosse. Troquei num jumento velho, gordo, lerdo e ruim que só merda. Chegamos em Pedreiras, paguei a Marco Timóteo e fui procurar negócio. Soube que tinha um velho de Santo Antônio de Lisboa, (naquele tempo era Rodeador) não vi ele, nem ele me viu. Encontrei com ele uns quatro ou cinco dias depois. Ele só vendeu até onde eu estava, mas andava com o carregamento nos animais dele mesmo... Com rapaz pago... Foi numa cidade mais pra baixo e vendeu tudo.
Telegrafei a “ti” Mariano dizendo que tava fazendo bom negócio. Quando vendi tudo. Montei no jumento velho e arribei pra casa. Na estrada, encontrei dois rapazes tangendo uma grande tropa. Perguntei:
– De onde é essa tropa?
– É de Picos. Vamos levando pra vender no Maranhão.
Troquei com eles o jumento velho por um novo, mas era fraco, não agüentou a viagem e fui à pé tocando. Deixei a tropa sair primeiro e peguei o caminho.Lá na frente encontrei um rapaz a pé levando quatro animais arreados. Perguntei:
– De onde é essa tropa?
– É de Aparecida.
Mas não perguntei quem era o dono! Sabia que Cândido Cipriano morava lá, mas quando fui morar no Santo Antonio, ele já tinha se mudado pra Aparecida. Passei adiante, quando cheguei lá na frente, encontrei uma pessoa a cavalo e um rapaz montado acompanhando. Aí, desconfiei e perguntei:
– Manuel ou Cândido Cipriano?
– Cândido.
Ele também não me conheceu. Perguntou:
– E o senhor, quem é?
Quando eu disse, ele desceu do animal e me deu um grande abraço. Ia me casar com uma cunhada dele, faltavam poucos dias.
– Onde você encontrou um rapaz tocando quatro animais com quatro jogos de mala?
– Daqui a mais de légua!
Ele disse ao rapaz. – Apeie e deixe as armas. Vá em meu animal que é mais ligeiro. Atalhe a tropa e mande voltar.
– Não faça isso! A tropa já vai longe!
– Não tem disso – ele respondeu.
O rapaz saiu galopando, trouxe a tropa e nós descansamos juntos. Saímos de tardinha, um pra lá outro pra cá. Cortei estrada, quando cheguei nessa cidade depois de Pedreiras, sei o nome dela, já passei lá diversas vezes, mas agora não me lembro. Vendi o jumento por pouco mais ou nada. Não apurei nem o dinheiro da sela. Toquei numa estrada desconhecida. Nunca tinha andado nela. Não tinha estrada não, era vereda. Parei pra descansar, já estava ficando de noite. Parei porque tava cansado e também temendo algum mau elemento. Era perigoso viajar naquela hora, só tinha casa cinco ou seis léguas uma da outra. Era perigoso ter ladrão esperando pra roubar ou matar, se não conseguisse roubar sem matar. Todo dia arranchava cedo da noite, mas saía de madrugada. Nesta viagem, vim dá em rancho conhecido, de Colinas pra cá. Parei num ponto conhecido.
– Seu fulano. Vou sair de madrugada.
– A hora que você quiser. Mas quando sair feche a porta! Levantei de madrugada, peguei minhas coisas, saí e fechei a porta. No amanhecer do dia, avistei uma grande fazenda. O dono não dava hospedagem pra ninguém mas fez uma casa na beira da estrada. Quem quisesse arranjar, arranchasse lá. Tinha uma tropa parada. Encostei e perguntei:
– De quem é essa tropa?
– É de fulano te tal, lá dos Picos
Não conhecia.
– E vocês?
– Fulano e Fulano.
Disse quem eu era e onde morava, e um deles respondeu:
– Nós somos do Riachão , passamos dentro do Rodeador, André Ramos falou que Mariano Grande recebeu um telegrama seu, dizendo que estava fazendo bom negócio. Nisso, chega um rapaz a pé, com uma matula nas costas e uma garrafa de cachaça espontando.
– Bom-dia!
– Bom-dia.
Ficamos por ali. Ele ouviu a conversa toda. Assim que a tropa saiu, fiz finca pra sair.
– Agora, com licença! Vou sair também. Ele me acompanhou.
– Para onde o senhor vai?
– Vou pra Picos
– Pois nós vamos juntos.
– Não, não dá.
– Por quê?
– Tô estropiado e me arrancho cedo!
– Nós vamos juntos. Num gosto de andar sozinho, de noite nós “banha” os pés com água de sal e cachaça... Andamos só umas duas léguas. Ele disse:
– Vamos parar pra fazer a bóia. Um faz o almoço e o outro faz a janta. Pensei. Vou fazer o almoço com meus mantimentos, se esse danado for embora, não fico devendo nem favor. Fiz o almoço, ele fez a janta. Arranchamos cedo. No outro dia foi do mesmo jeito, eu fiz o almoço, ele fez a janta. Todo dia encostava cedo da noite e saía de madrugada. Parava de ponto em ponto. Dizia que estava estropiado... mas, era medo de malfazejo.
Atravessamos o Parnaíba, cinco ou seis léguas acima de Floriano, e saímos beirando o rio. Lá adiante, ele disse:
– Vamos banhar os pés e os braços e fazer um descanso?
– Vamos!
Meu dinheiro de gastar na viagem tava ficando pouco. Dei as costas pra ele, fiz que tava me lavando, puxei o maço de dinheiro e separei o da viagem, sem contar. Peguei o de gastar na estrada e guardei o outro. Ele viu.
– Você troca um dinheiro pra mim?
– Troco.
Entramos em Floriano, fizemos umas compras e cortamos estrada. Lá adiante, arranchamos num ponto conhecido. No outro dia, de madrugada, pegamos a rodagem de Floriano a Picos. Na viagem toda, não passou nenhum carro por nós, nem indo nem vindo. Isso é mundo?
Andamos poucas horas.
– Vamos acender um fogo, deixar o dia amanhecer?
– Vamos. Essa estrada é perigosa.
Acendemos um fogo e quando o dia amanheceu, viajamos. Adiante, lá pelas oito ou nove horas da manhã, ele tornou a falar:
– Vamos acender um fogo, assar uma carne, comer com rapadura e fazer um descanso?
Dava pra puxar mais um pouco, mas concordei. Comemos carne com rapadura e farinha e sentamos na beira do fogo. Acendi um cigarro... ele acendeu outro...
– Agora conte sua história, que eu conto a minha.
– É, rapaz! Eu moro sete léguas depois de Picos. Levei um carregamento pra Pedreiras e fiz bom negócio. Não adiantava negar. Ele tinha escutado a história do telegrama que passei pra “ti” Mariano!
– Eu sou de Cedro no Ceará. Naquele dia que lhe acompanhei, tinha tirado dezoito léguas. Moro em tal cidade do Maranhão. Lá fiz um dano... Minha mulher tá lá. Eu vou pra Cedro, quando chegar, aviso a ela. Ela tem que viajar num cavalo lazão fronteiro, peito e anca. Vem com um rapaz num burro cardão, com uma carga de caixão acompanhando. Depois disso, perdi mais o medo. Descobri que era um homem direito, tinha até sido soldado do exército. Chegamos no Rodeador, pelejei com ele pra ficar uns dias comigo. Mas ele não demorou.
– Não posso. Tenho pressa.
Almoçamos juntos e à tardinha seguiu viagem.
Casei. Com quinze dias de casado, viajei pro Maranhão. Quando passei em cima do rasto onde ele me acompanhou naquele dia, às seis da manhã, encontrei com ela às seis da tarde. Caminhei só umas duas braças, pelos sinais que ele me deu, conheci que era ela. Voltei.
– É a mulher de Artur Patrício da Silva?
– Sou sim senhor, onde o senhor viu ele?
Eu ia puxando muito, porque o rancho mais perto era daí a quatro léguas. Lá era acostumado a pousar. Mas eles não conheciam a estrada, tinham que dormir ali onde estavam. Ela voltou quase chorando. Tinha ficado preocupada com a viagem. Mas ficou sabendo por uma notícia voadeira , que o marido tinha pagado um rapaz pra viajar com ele.
– Ele não pagou ninguém na vida. Se alguém deu essa notícia, era eu que tava junto. Ele me acompanhou em cima desse rastro. Viajamos de cima desse rasto até sete léguas depois de Picos. Ela queria que eu ficasse para contar toda a história da viagem. Deu cavaco porque não descansamos juntos. Continuei minha viagem. Cheguei em Carolina, fiquei sabendo que do outro lado tinha um comércio muito grande de um paraense que comprava no atacado tudo que se oferecesse. Atravessei o rio, vendi toda minha mercadoria e de Vigário , mas, na travessia, o barco afundou com o carregamento. Outros barqueiros recuperaram o alho todo, mas não conseguiram salvar o dono do barco que fazia o transporte.
Assim foi minha vida, perseguido na minha marca, no Brasil não tem outro. Mas Deus me protege, nessa vida e na outra. Notícia voadora. Chamei Vigário e viemos embora. Essa viagem que fiz com Vigário, eu tava com quinze dias de casado e ele também. Nós casamos no mesmo dia e na mesma igreja.
Chegando perto de Grajaú eu disse a Vigário:
– Aqui tem água e pasto pros animais. Já é meio dia, vamos arranchar aqui.
Arranchamos debaixo de uns paus, na beira do caminho. Fizemos o almoço e comemos. Chegou um forasteiro endiabrado, deu bom dia, assou carne em nosso fogo e comeu. Puxou o revólver e deu um tiro nos paus. Puxei o meu e atirei também.
– Tá na hora de ir.
– Eu também já vou – disse ele.
Arrumamos as coisas, arreamos os animais e saímos. Passando em Grajaú, compramos mantimento e viajamos. Só tinha rancharia daí a três léguas e depois dessa, só tinha outra seis léguas pra frente. Já era quase de noite quando chegamos ao rancho.
– Vamos arranchar aqui, amanhã cedo nós “sai”.
No outro dia, cedinho, levantei, ataquei o revólver e a cartucheira e fiz finca pra levantar. Olhei no rumo da estrada, avistei quatro soldados. Vou me sentar. Sentei. Depois deitei e cobri a arma com as “berada” da rede.
– Bom-dia.
– Bom-dia.
– O rapaz é esse aí?
– É.
– Aí, reconheci. Era o forasteiro que tinha arranchado “mais nois”.
Tinha um soldado amigo que toda vez que eu chegava em Grajaú, me chamava pra almoçar ou jantar na casa dele. Quando me viu, ficou bem acolá. Os outros encostaram.
– Me dê sua arma.
– Pra você num dou não. Eu dou pra aquele solado ali.
Entreguei a arma, eles conferiram nossas coisas e não encontraram nada que não fosse nosso.
– Vamos pra cidade. Tem uma queixa contra você.
Fomos. Eles estavam a pé. Eu podia ter chamado o soldado amigo pra montar comigo no animal, mais num ofereci não. Chegamos em Grajaú, fomos pra delegacia. O delegado perguntou.
– Acharam as coisas do homem?
– Não. Eles só tinham o que era deles.
Aí, eu disse:
– Seu delegado, me devolva minha arma. A viagem é grande e tem muita travessia.
– Devolvo não! Se fosse aqui na rua, eu até podia devolver, mas mandei uma tropa a pé mais de seis léguas de ida e volta. Devolvo não.
– Onde é a casa do Prefeito?
– Fica ali.
Um soldado perguntou ao delegado.
– Que faço com o garanjão que deu a queixa?
– Prenda!
Sai, fui à casa do Prefeito. Ele me atendeu, mas disse que estava de viagem. Não podia ir à Delegacia comigo. Mandou o filho. O delegado disse:
– Desobedeço ao prefeito! Essa arma não entrego.
Fui à casa do Juiz de direito. Já era tarde da noite. Chamei, chamei. Com muita demora o juiz apareceu. Contei o caso.
– Aquele delegado é teimoso! Me aguarde aqui, que vou lá. Demorou a chegar, mas voltou trazendo o revólver e a cartucheira.
– Tome a arma e vá embora. Não passe nem perto da delegacia. Se você passar lá, o delegado toma a arma e lhe prende. Obedeci. Passei longe, mas de onde eu tava, vi dois soldados no meio da rua. Um entrou, pra avisar o delegado, o outro ficou me esperando passar. Passei longe.
Agradeço ao Pai Eterno por ter compaixão de mim, eu não era devedor de nada, mas por que essa perseguição? Nessa viagem quase perdi a vida por duas vezes, mas Deus me ajudou. Quando cheguei em casa, comprei a primeira propriedade.
Minha vida dá um romance. Com quinze dias de casado, fiz essa viagem com Vigário e quase perdi minha vida. Chegava de viagem, descansava uns dias e tornava a arribar. Naquele tempo tudo era difícil. Condução era difícil...
Numa ocasião, viajei com um carregamento em meus animais, vendi tudo, fiz bom negócio. Voltei a pé. Andei, andei... andei sozinho, só eu e Deus.
Ainda faltavam muitas léguas para o primeiro ranjo, quando ouvi um grito. Pensei que fosse de gente e respondi. Tornei a ouvir: “uuúlll... uuúlll”. Respondi outra vez. No início parecia ser longe. Imitei e ele respondeu mais perto. O tempo fechou...
Uma nuvem pesada derramou água como no dilúvio. A coisa tornou a gritar ainda mais perto. Dessa vez, não respondi mais. Cheguei na rancharia já era de noite e com a roupa ensopada. Contei a história.
– Você é doido!? Aquilo é o guará. Ele sozinho é perigoso. E se estiver com fome, principalmente quando está em bando, não respeita animal nenhum, pode ser do tamanho que for. Sua sorte foi a chuva ter apagado seu rasto.
Nunca temi a nada nesse mundo! No outro dia, saí ainda no escuro e segui viagem. Ainda faltava muito chão para chegar em casa. Lá adiante, um tamanduá bandeira tomou a estrada e abriu os braços. Parecia um padre celebrando a missa. Ficou em pé como quem diz: aqui você não passa. Desviei dele e pequei a estrada na frente. Eu tinha arma, mas não atirei. Foi o único vivente que me fez sair da estrada.
Aproximando de nossa morada, os meninos me viram e correram pra me abraçar. Fiquei muito sentido, porque cheguei de sangue quente e me contaram enredo de Adalberto. Aí eu dei uma surra no “bichim”. Daí a pouco ele tava em meu colo. Ô arrependimento em minha vida!
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