Você lembra que, anos atrás, este tema do “estar” veio à baila em toda a mídia brasileira.Foi no Governo Figueiredo, no dia em que o Ministro da Educação Eduardo Portela declarou que “estava” Ministro mas não “era” ministro, para indicar a mera transitoriedade de sua função naquele momento.
A eterna relação entre o “ser” e o “estar” sempre aparece em nosso quotidiano. É uma relação complexa, bem ambígua inclusive em nossas clássicas línguas da Antiguidade greco-latina onde o “estin” e o “esse” nem sempre nos oferecem as distinções necessárias que o senso comum requer. Mas, de qualquer maneira, há hoje uma estabilidade semântica que nos garante uma disposição preliminar para colocarmos este tema em nossa crônica.
Em todos os níveis, sempre é importante perceber que “estar” é passar por um estado ou por um estágio. É fundamentalmente uma situação passageira e transitória. E por esse motivo temos de treinar e de nos habituar a conviver com as situações transitórias. Precisamos de criar, no fundo, uma ambição de não “estarmos” apenas na vida mas “sermos” alguém com aspirações e ambições reais em nome das quais não desistimos de corresponder à qualidade do sangue que nos alimenta a vida.
A impressão que tenho é a de que muitas pessoas não sabem conviver com as situações transitórias. E muito menos com a criação de uma consciência crítica sobre o transitório. Em razão disso, muitas pessoas se tornam emocionais ativas e se sentem infelizes pela falta de análise e de conscientização em relação a estados psicológicos ou situacionais em sua vida. No dia a dia - isso é um fato -, as pessoas curtem ansiedades, ambições . E estas ansiedades e ambições transformam-se por vezes em autênticas angústias. Algumas dessas pessoas se amparam em suas crenças e em suas religiões. E isso é bem positivo. Mas o que deve ser feito é elas mesmas ampliarem sua vigilância interior no que diz respeito ao processo em que decorrem suas ansiedades ou angústias.
Quando falo da “sedução do estar”, quero dizer que as pessoas curtem essencialmente o “estar”. Estar atualizado, estar feliz, estar contente estar com dinheiro no bolso ou no banco, estar com uma bonita mulher, estar com um homem charmoso, são “formas de estar”. Sim, há no homem moderno uma especial sedução no “estar” Não apenas a nível cultural, como “estar à altura dos conhecimentos do parceiro ou da parceira”, “estar em dia com suas contas”, "estar ao nível da confiança de seus filhos”, mas também a nível financeiro e a todos os níveis de desejo e de aspirações humanas.
No fundo, “este estar” é deveras sedutor. Mata ansiedades e angústias. Dá paz e tranquilidade. Controla comportamentos, coloca ordem em projetos importantes. Alcança objetivos. Dá agradáveis sensações. Sobretudo a sensação fundamental de “estar ou de sentir-se em estado de”, nas mais variadas acepções...É uma operação existencial sedutora esta de “estar em dia” ou como dizem os franceses de “être à la page”, totalmente atualizado.
Apesar da “sedução deste estar” e deste quotidiano certinho, do quotidiano organizado e dos prazeres e alegrias a que nos dá o “estar em paz”, o “estar contente”, o “estar feliz”, o “estar realizado” e o “estar com” a mulher amada, o “estar com” o homem amado, o estar com alto saldo bancário, o estar viajando pelas tropicais e paradisíacas Antilhas– apesar disso, o “estar” ainda não é igual a ser feliz, ser realizado. No mundo dos sentidos é muito bom estar bem. Mas não é tudo. Superar o transitório é uma arte de sabedoria, é uma conquista bem maior e emocionante do que simplesmente estar.
Tudo irá mudar em sua vida no dia em que você sentir que o prazer de uma fração de tempo ou de uma circunstância não é a mesma coisa que o prazer permanente de ser alguém de “uma certa maneira”, em seu projeto pessoal de viver. Tudo será diferente quando em vez de “estar feliz” você passar a “ser feliz” de uma maneira estável escolhida por você, fruto de seu trabalho de artesanato interior. Tudo mudará quando você sentir que há paz em você, que a paz o invade ou que apesar das dificuldades você tem uma maneira de encarar o viver e ganhou as capacidades necessárias para superar as dificuldades pelo espírito..
Perceber e discutir estas diferenças aperfeiçoa a intuição existencial e também a sua percepção e sua maneira pessoal de “estar no mundo”.
