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Contos-->EU ENTREVISTEI UM LOBISOMEM -- 22/07/2008 - 15:25 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Primeiro vamos falar do homem, depois falaremos do lobo.Afinal,lobisomem é um lobo que se tranforma em homem ou um homem que se transforma em lobo? É diferente! Mas dexemos por conta de nosso entrevistado, pelo contexto da conversa, haveremos de chegar a alguma conclusão, ou, o mistério permanecerá por mais tempo.

Próspero comerciante de Brasília de Minas, José Alves de Santana herdou do pai o apelido ‘Bazar’. Zé Bazar começou sua atividade comercial ainda menino, como vendedor de pães da padaria de Seu João, por pouco tempo. Depois, trabalhou na quitanda de Dona Mariinha e na padaria da Dona Olegária. Mas seu aprendizado no comércio deu-se mesmo quando se mudou para a fazenda de Lezim Dias, na Lapa do Espírito Santo. Lá, o fazendeiro tinha uma mercearia e confiava os serviços de compra e venda a Bazar.
Os homens da família Bazar tinham fama de namoradores; contudo, morando na roça, Zé não podia dar continuidade a essa tradição devido à escassez de moças, pois as filhas dos ricos fazendeiros estudavam em Montes Claros. Assim, depois de trabalhar durante seis anos com Lezim Dias, Bazar pediu as contas ao patrão e voltou para Brasilinha, onde abriu um pequeno negócio.
Logo nos primeiros anos como empresário, demonstrou ser bom comerciante; formou um círculo muito grande de amizades e de clientes e contava cento e dezesseis afilhados de batismo. Como a maioria dos viventes, Bazar gostava de tomar uma caninha e largava o armazém nas mãos dos empregados.

Com o decorrer do tempo, não foi difícil perceber que o estoque estava diminuindo; e, como vendia fiado, seu dinheiro deveria estar em boas mãos - nas mãos dos compadres! Em cinco anos de semi-abandono, as prateleiras tornaram-se vazias, e as contas a receber eram poucas. Sua vida de comerciante bem-sucedido durou pouco mais de dez anos. Dizem que foi roubado pelos empregados - essa é apenas uma versão. Tendo muitos afilhados, quando um compadre vinha pagar a conta, José dizia: "Deve nada não, compadre. A comadre já pagou."

Depois da falência, a saída de Brasília de Minas era iminente. Os amigos afastaram-se, e a freguesia desapareceu toda. Foi fácil para a família convencê-lo a mudar-se para Montes Claros; lá, muitos irmãos formados e bem empregados poderiam ajudá-lo. De fato, um parente vendera-lhe um jipe, para receber quando Deus desse bom tempo. Com esse veículo, recomeçou sua vida; dessa vez, como caixeiro-viajante. Para os jovens de hoje talvez essa expressão não tenha sentido, outrora, indicava um vendedor ou representante de vendas.
A bebedeira, no entanto, debilitou seu potencial de grande comerciante, e não pôde se tornar, sequer, um bom vendedor. Por fim, vendeu o jipe e passou a fazer suas viagens de ônibus, negociando arroz, em Mirabela, Brasília de Minas e São Francisco. Naturalmente, fazia também a praça de Montes Claros. Dona Raimundinha, uma comerciante e freguesa, certo dia, manifestou o desejo de conhecer a cidade de São Francisco, famosa pelo mais belo pôr-do-sol das redondezas.

- Não tem problema não, Mundinha. Vou comprar duas passagens pra nós. Viajo amanhã.
- Nada, Zé; nós vamos em meu carro. Convide Sinval para ir conosco.

Viajaram os três juntos e, no mesmo dia, tarde da noite, já estavam em Montes Claros. Bazar chegou a sua casa e encontrou Dona Dora varrendo a calçada.

- Mulher, varrendo a calçada onze horas da noite?! Para que isso?
- Estava esperando você, seu mulherengo. Acaso pensa que não sei que levou a Raimundinha?
-Sê besta, mulher! Levei mesmo, mas Sinval foi mais nóis.

Zé sentiu o impacto de um objeto pesado sobre a careca. Nada menos do que um cabo de vassoura aplicado com muita raiva e força. Pôs a mão na cabeça calva de seus quase setenta anos, dos quais mais de cinqüenta passara trabalhando. Entrou em casa, olhou no espelho e viu um galo enorme na testa.

- Mulher, você nunca tinha feito isso comigo, nem no tempo em que eu bebia!
- Pois é, seu mulherengo... É pra você aprender. Além de me trair, vem com a desculpa esfarrapada de ter levado Sinval. Eu sei que levou mesmo, mas Sinval é cego de escuridão.

No decorrer da conversa, percebemos que Bazar escondia algum fato relevante ocorrido em sua vida. Por fim, forneceu-nos mais alguns fragmentos de sua história de vida.

- O povo fala que minha falência foi por causa dos fiados; sem dúvida o rol era grande, mas não me arrependo. Eu tinha boa clientela: fregueses que trabalhavam no DNOCS, na Rede Ferroviária; gente da cidade, da roça; e grandes fazendeiros dos distritos Santa Justa, Fernão Dias. Mangaí, Jacu e Ubaí abasteciam-se em meu comércio e pagavam em dia. Os funcionários públicos, por exemplo, bastava que recebessem o pagamento do mês, mandavam somar a caderneta. A única coisa que vendi fiado, e me arrependo, foi um revólver.

- Ora, Zé! Pelo que se sabe, seu estoque de outras mercadorias era muito grande. Que falta fazia um revólver no meio de tudo aquilo?

- Não, não é tanto por causa do valor. Foi o medo e a vergonha que passei depois. Fiquei sem jeito de cobrar a conta.

- Como assim?

- Não sou valente, mas nunca tive medo de nada. Esse negócio de visagem, assombração, nunca me assustou. Uma noite, tive que correr muito e, nessa carreira medonha, perdi a cabeça do dedão, do dedão direito da mão. Até hoje minha mulher acredita ter sido um acidente com facão, quando eu cortava uma costela de boi para um freguês; mas não foi. Naquele dia, já tarde da noite, chamei o compadre Ozório da farmácia para tratar de meu dedo. Ele levantou. Meu dedo sangrava muito; quis saber o acontecido, eu contei. Tratou-me, e fui pra casa. No outro dia, tive de ouvir calado a história de um compadre que dizia ter atirado de noite num lobisomem, dentro do quintal de sua casa.

- O bicho era preto, compadre, e fedia a enxofre. Se morreu não sei, mas saiu furado de bala; tenho certeza de que acertei uns tiros nele, pois vi pingo de sangue debaixo da tamarineira do quintal. Assim que abri a porta da cozinha, ele estava lá fora. Só vi um vulto correndo no escuro; aí, eu mandei chumbo nele. Aquilo era a figura do capeta, compadre!
O compadre nunca me pagou o revólver que lhe vendi fiado e atirou em mim com a própria arma que comprara. Fiquei sem jeito de cobrar. Só um amigo de minha confiança sabia a verdade, o compadre Ozório, mas guardou segredo até morrer.
- Uai, Zé! Esse caso é interessante; pena que não posso publicá-lo.

- Pooode, moço! Naquele tempo, não podia, porque eu era novo, e o compadre ainda estava vivo; podia querer tomar satisfação comigo. Agora, ele morreu, eu já fiz setenta anos... Não consegui me aposentar pelo INSS, mas minha ferramenta de trabalho se aposentou faz tempo! Dona Dora pode ficar zangada comigo, só por uns dias; não adianta o tamanho do calundu, o ciúme dela não vai fazer levantar minha estima! Nem Viagra dá jeito naquilo mais! Acabou o regalo tão farto do tempo de nossa mocidade.



[2] Montes Claros, Mirabela, Brasília de Minas e São Francisco: Cidades do Norte de Minas Gerais.
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