No palco da vida, vejo cenarios,
que a cada instante se modificam.
Nele sou apenas atriz a cumprir meu papel.
As cenas são escolhidas,
e mesmo que não queira,
existem padrões, rituais,
celas sociais que me aprisionam.
Sinto-me um peixe, cercado.
Há água à minha volta,
e o vidro onde vejo minha face refletida,
estreitam minhas ações.
A cada ato, sou compelida
a fazer o que não desejo,
atendendo a desejos outros,
que não são meus...
Certamente há um diretor!
ou diretores, ou diria ditadores,
a empurrar-me de um lado para o outro,
fazendo apenas o que está escrito no roteiro.
A única escapatória é o improviso.
Nele, despejo meus desejos, meus anseios,
minhas lamentações, minhas necessidades,
mas, duram pouco, muito pouco...
Logo chega o diretor ditador,
a gritar enlouquecido: VOLTA À CENA!
ATENDA A EXIGÊNCIA DO ROTEIRO!
OU ISSO OU CAI FORA DO PAPEL!
É assim, meu dia a dia,
no improviso. Ah, esse improviso...
escape que me permite sonhar,
gritar neste deserto do pensamento,
as frases de um roteiro elaborado,
com a verdade dos meus sentimentos,
geralmente não percebidos por quem apenas
segue o roteiro.
Embaralho as palavras, arrumo as linhas
pra traduzir em entrelinhas o que quero dizer.
Quem olha de fora, só vê sobriedade.
Ai deles! se pudessem olhar por dentro.
Ficariam perplexos. Os outros atores e atrizes,
mediocres, fantoches, presos ao roteiro da vida diriam:
Que absurdo! É uma excluída! Despossuida
de razão, que, ao invés de viver o certo, vive o improviso.
O diretor nem se fala! Esta ali, apenas para
controlar, inibir, coibir, as frases fora do texto,
palavras mal colocadas.
Mas o que seria de cada um de nós,
se não nos fosse permitido nesse teatro,
o improviso? Ao menos em pensamento,
nesse deserto de emoções, do mais profundo
amor, ao ódio mais intenso, dos desejos não realizados,
dos versos não ditos, ou meramente insinuados,
das atitudes não tomadas, dos prazeres não vividos,
ali estão todos eles a nortear,
ou quem sabe desnortear,
esse grande teatro da vida.
Valentina Fraga |