Um retrato do cinza
Corro como um bólido
Em direção à luz estonteante.
Domínio sagrado do vermelho,
Arrisco alguns bons números.
Nunvens: confortáveis, irônicas,
Estranhas. Combinações lineares
Do crepúsculo. Sigo minha intuição
Radial e ignoro a próxima correnteza.
No meu pé está amarrado um barbante.
No meu pé há uma corrente.
Não procuro nem insinuar uma fuga-
Preparo uma nota de rodapé
Como se prepara uma xícara de chá.
Ando tão modesto. Andrajoso e estúpido,
Eu imagino que me basta toda a consolação.
É tanta ventura o esperar, é tanta agonia.
É essa corrida maquinal, anticlerical, do tempo.
Esse estranho passo lunar faz minha terra
Parecer uma esteira. Meus óculos sujos omitem,
Mas há uma porção de cadáveres no caminho.
O caminhão de lixo não passoi hoje.
Domado por tantas regras,
Regido por um espírito burguês e aleatório,
Percebo linhas de tragédia, mas rio,
Turbulento como uma fumaça bruxuleante,
Como acorde rotatório e furioso,
Como broca diamantada batendo no granito do abandono.
Ergui alguns pilares no sedimento,
Confeitei de pombos essa praça onde se anuncia
Profetas fajutos e apocalipticos,
Repentistas sem talentos e amargurados,
Nihilistas desacreditados e torpes.
Cada um armando seu grito
Numa cacofonia espasmódica,
Tensa, viva,
Vendendo seus bilhetes
Aos curiosos (mal do século?).
Alimentando a erosão
Em suas almas corroídas,
Segue assim a procissão,
Sem cruz ou fé,
Sem santo ou mártir,
Mas com uma obediência
De quem crê no que faz,
A cada despedida,
A cada mergulho,
Um estalo
Sinaliza.
Para cada ponto no céu,
Outro na Terra.
Termina empatado.
(Desenho estes retratos
Nessas linhas tortas.
Obituários.
Natureza morta.)
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