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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->Curiosidade -- 21/05/2016 - 11:25 (João Rios Mendes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


“Você era tão inteligente”

“Você está enganada, Professora.”

“Você era sim, Amélia.”

“Não era, eu sou”

Encontrei minha professora já de cabelos grisalhos nas proximidades do hotel quando voltava do trabalho. Deu um sorriso grande, enrugou o rosto todinho, e disse que eu estava certa. A roda do tempo não emburrece ninguém. Pelo contrário, acho até que podemos ficar mais inteligentes se soubermos aproveitar as experiências.

Ela não me reconheceu. Era só uma criança pequena quando fui sua aluna, o tempo mudou nós duas. Transformou a criança que eu era em mulher e a mulher que era a professora em Senhora. Estava muito elegante como nos tempos em que me ensinou a ler. A passagem incessante das horas mudou o rosto e a cor dos cabelos da professora Clarice mas não retirou dela os modos gentis.

Passei por ela apressada, precisava correr para não perder o ônibus e ter de esperar mais de uma hora pelo próximo coletivo. No fim do dia as ruas próximas ao terminal de ônibus eram um turbilhão de gente ligeira. Ela seguia em outro ritmo, lento, passos curtos a destoar das pernas outras que avançavam com grandes passadas. Por causa dos meus passos apressados esbarrei na mulher idosa, parei por um instante para pedir desculpa e verificar se ela estava bem. Ela olhou bem para os meus olhos deu um sorriso e seguiu sua caminhada. Sorri de volta e segui também. Dei uns poucos passos e recordei o sorriso da professora. Minhas pernas se acalmaram, voltei até a senhora. Em poucos instantes confirmei por suas respostas a informação que o sorriso gentil já me havia dado. Nem me preocupei mais com o ônibus, ajustei meu ritmo ao dela e fomos caminhando até ao terminal.

Ela disse várias coisas, lembranças de uma infância distante. Falou da semente plantada na alma dos alunos, brotando desejo de aprender, descobrir, crescer. Falou também que a escola deste século XXI não diferencia muito daquela época. Na sua lucidez falou que o quadro negro foi criado a uns 200 anos e continua atual nas escolas enquanto que a tecnologia está aí para revolucionar. Só que os governantes insistem em não priorizar a educação das crianças.

“Amélia, quando te ensinei a ler você era cheia de sonhos, cada semana contava um futuro diferente, sempre me perguntava se você conseguiria ter aqueles futuros. Eu respondia que você era capaz de ser e ter tudo quanto quisesse. Do mesmo jeito "que não era, mas, é inteligente eu digo que você ainda pode ser e ter tudo quanto queira.”

“Já que estamos falando de passado, você se casou com aquele menino?”

“Que menino?, professora.”

“Aquele que sentava atrás de você e ficava com olhar espichado para seu cabelo. Quantas vezes o vi me esquecer na sala e se concentrar em você.”

Após uma boa gargalhada, continuei:

“Professora querida, isso é novidade. Nunca percebi nada. Eu era criança, ele também.”

Meu ônibus chegou, a professora seguiu sua caminhada lenta, e a noite em casa demorei a pegar no sono pensando se ainda dava conta de construir uma vida diferente. Por que a escola não foi sempre um lugar que me dizia que eu podia ser e ter tudo quanto quisesse? A escola me chamou de burra tantas vezes que mesmo brincando que sou inteligente, quando me deparo com uma conta que não sei resolver ou com palavras que não conheço ouço alguém que mora num quarto escuro dentro de mim rir e dizer “você tem a cabeça fraca, não é como as hóspedes que deitam nas camas que você arruma.” Eu sei que essa voz do quarto escuro está errada, mas as vezes eu quase acredito nela.

Tenho mais de 30 anos, deixei a escola com 15, depois de repetir pela terceira vez o sétimo ano. Desisti de estudar com 16 quando engravidei do primeiro namorado. Papai exigiu casamento. Casei. Depois de um empurrão que me fez cair perdi o bebê, ele continuou casado, mas eu não. Quis voltar a estudar, ele me disse que não confiava em mim. Não cedi, voltei a estudar, mas não consegui manter a decisão. Ele me seguia, ciúme doentio. E pra que estudar se ele também não queria que eu trabalhasse fora?

Mas isso tudo ficou para trás, hoje é outra época. E ali deitada na cama, olhando as estrelas destacadas no negrume do céu emolduradas pela janela aberta, resolvi que iria voltar pra escola.

O ônibus abriu seu ronco e começou a se movimentar. Abri a janela e gritei:

“Professora, como era o nome dele?”

“Hã!!! Fala mais alto!”








Colaboração e desenho de Ângela Fakir http://riscoserabiscosangelafakir.blogspot.com.br/

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