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Artigos-->VIDA E MORTE NO PENSAMENTO ORIENTAL -- 15/01/2003 - 18:42 (Paccelli José Maracci Zahler) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
VIDA E MORTE NO PENSAMENTO ORIENTAL



Paccelli M. Zahler



Em dado momento da vida, qualquer ser humano, por mais cético que seja, pára e começa a perguntar-se quem é, o que é, qual seu destino, por que está aqui, por que as pessoas nascem e morrem, se depois da morte existe algo mais, e assim por diante. São perguntas que mexem com o cérebro, provocam ansiedade, medo, expectativa, excitação e, para as quais, o racionalismo cartesiano ocidental dificilmente obterá respostas. Isso porque, para explicar todo e qualquer fenômeno, são necessárias provas materiais, embasadas em conhecimentos ordenados e acumulados ao longo dos séculos a partir da Renascença.

Durante o período da Renascença, todo o conhecimento milenar oriental foi deixado de lado e até mesmo perdido, assim como o foi o dos Maias, Astecas e Incas, porque, dentro da visão antropocêntrica cristã européia, importava converter os povos bárbaros e selvagens ao cristianismo através do medo e da força.

A colonização européia, especialmente no Oriente, acabou revelando um avançado desenvolvimento espiritual, que vai além da compreensão ocidental e que apresenta respostas para as perguntas que afligem o homem moderno, particularmente a morte.

Segundo Swami Rama, os homens comuns consideram certos aspectos da vida como misteriosos ou místicos, os quais são facilmente resolvidos quando se retira o véu da ignorância.Para ele, os cientistas modernos não conhecem a técnica de morrer, mas, na ciência iogue, tais técnicas são conhecidas e transmitidas aos que estão preparados para praticá-las. A parte conhecida da vida é uma linha que se estende entre o nascimento e a morte, sendo que uma parte maior da existência continua invisível e desconhecida. Quem a compreende, como os iluminados, sabe que o tempo de vida entre os dois pontos (nascimento e morte) é como uma pausa em uma vasta sentença sem ponto final.







O DOMÍNIO SOBRE A VIDA E A MORTE



“Há muita coisa mais no céu e na terra, Horácio,

do que sonha nossa pobre filosofia”

William Shakespeare, Hamlet, Ato I, Cena IV





Em seu livro VIVENDO COM OS MESTRES DO HIMALAIA, Swami Rama relata várias experiências espirituais ao longo de sua vida, algumas delas relacionadas com o domínio sobre a vida e a morte demonstrada por alguns mestres iogues. Conta ele que, aos 17 anos, foi enviado a um lugar perto de Gangotri, onde encontrou um Swami, monge de uma das dez ordens de renunciantes fundadas por Shankaracharya, sentado em uma caverna. Em princípio, pensou estar perdendo seu tempo no aprendizado porque os swamis são pessoas que se retiram do mundo e passam o tempo todo em meditação. Qual não foi a sua surpresa quando o monge disse que não lhe ensinaria através de palavras porque ele não havia sido enviado para receber conhecimentos intelectuais como os que poderiam ser encontrados nos livros e, sim, para experimentar algo. Anunciou então que deixaria seu corpo dois dias depois. Swami Rama não compreendia por que um sábio como aquele, com um corpo tão maravilhoso, decidira suicidar-se.

- Não estou me suicidando. Quando retiras a velha capa de um livro e a substituis por outra, não estás destruindo o livro, assim como quando mudas a fronha do travesseiro, não estás destruindo o travesseiro. Na realidade, não estou fazendo nada. Quando chega o momento de deixarmos o corpo, nós o sabemos. Não devemos postar-nos no caminho da natureza. A morte ajuda a natureza. Não devemos temer a morte porque nada nos afeta...Procura compreender o que é a morte, não a temas. Temos medo de muitas coisas e esse não é o modo de viver. A morte não te aniquila, apenas te separa de um corpo...A morte é um hábito do corpo. Ninguém pode viver sempre no mesmo corpo que está sujeito à mudança e à decadência. Precisas compreendê-lo.



Como havia anunciado, dois dias depois disse o monge:



- Agora sentemos em meditação. Dentro de cinco minutos, deixarei meu corpo. Findou-se o prazo e este instrumento chamado corpo não é capaz de dar-me mais do que já alcancei, de modo que o deixarei para trás.



Cinco minutos depois, cantou um mantra e fez-se silêncio. Havia deixado seu corpo!





RENASCIMENTO DA CARNE OU REENCARNAÇÃO





“O não sabermos que sonhos poderá trazer o sono

da morte, quando desenrolarmos toda a meada

mortal, nos põe suspensos”.

William Shakespeare, Hamlet, Ato III, Cena I.



Segundo Bennet (1980), em 1917, a exploradora e escritora francesa Alexandra David-Neel testemunhou a descoberta de uma reencarnação no Tibete. O Lama Agnai Tsang morrera há vários anos e seus negócios haviam ficado sob a responsabilidade de um administrador. Este, durante uma viagem de negócios, visitou uma fazenda.

Enquanto esperava pela dona da casa, pegou uma caixinha de rapé que havia pertencido ao velho Lama.

Um garotinho se aproximou e perguntou:



- Por que está usando a minha caixinha de rapé? Devolve-me imediatamente, é minha!



No dia seguinte, o menino foi levado por um séquito de monges à casa do Lama Agnai Tsang. Quando se aproximaram do prédio, o menino gritou:



- Por que viramos para a esquerda? O portão do pátio interno fica à direita!



O portão não ficava mais do lado direito, mas a modificação havia sido feita após a morte do Lama.



Kersten (1986) afirma que é muito comum que uma reencarnação, ainda criança, lembre-se de pessoas e coisas que participaram de sua vida anterior, sendo até capaz de recitar trechos escritos que nunca tinha aprendido. Segundo ele, no Tibete há muitas provas desse fato; no Ocidente, contudo, tais acontecimentos não são divulgados porque não se acredita na possibilidade de reencarnação.

De acordo com a filosofia budista, o nascimento e a morte não são fenômenos que acontecem uma vez em uma vida humana – eles ocorrem ininterruptamente. A cada momento, algo dentro de nós morre e algo renasce. Nascer como ser humano é um privilégio. É a rara oportunidade de libertação através do esforço decisivo de cada um e de uma reviravolta no mais profundo da consciência. Como todos devem abandonar seus corpos carnais e experimentar a morte, é bom que aprendam a encontrá-la corretamente quando ela se aproximar.

O não-iluminado encontra uma morte após outra incessantemente. Somente os iluminados se recordam de suas inúmeras mortes e nascimentos e a iluminação pode ser obtida através da auto-realização.

O não-iluminado parte do pressuposto de que, já que não tem memória consciente de seus inúmeros nascimentos e mortes, estes não tenham ocorrido.

Na Grécia Antiga, a doutrina do renascimento era largamente difundida, pelos menos entre os gregos cultos iniciados nos mistérios. Com a ajuda de símbolos e metáforas, Píndaro, Empédocles, Pitágoras, Sócrates, Platão e Heródoto ensinaram a doutrina do renascimento.

Platão, por exemplo, se referia à transmigração do humano para o subumano e vice-versa, dependendo do tipo de vida de cada um. Assim, um bufão assumiria a forma de um macaco; um bravo, a de um leão; um cantor, a de um rouxinol; e assim por diante.

A percepção sensorial do homem comum tem se mostrado extremamente limitada. Há outras consciências que os iluminados têm conhecimento e das quais os psicólogos começam a ter alguma compreensão, como é o caso da terapia de vidas passadas.





LIVRO TIBETANO DOS MORTOS OU BARDO THÖDOL



“Sois o arquiteto do vosso destino. A morte e o nascimento

são apenas dois acontecimentos na vida. Esquecestes vossa

natureza essencial e essa é a causa do vosso sofrimento.

Quando dais tento dela, libertai-vos ”.

Swami Rama



O “Livro Tibetano dos Mortos” (Bardo Thödol) foi publicado em inglês em 1927, traduzido pelo Lama Kazi Dawa-Samdup e editado pelo Dr. W.Y. Evans-Wentz. O Dr. Carl G. Jung o tinha como seu companheiro constante, creditando a ele muitas idéias e descobertas estimulantes, além de inúmeros esclarecimentos fundamentais. Para o Lama Anagarika Govinda, o Bardo Thödol é a chave para as regiões mais recônditas da mente e um guia para os iniciados e para quem procura o caminho espiritual da libertação.

Nas palavras de Sir John Woodroffe, é um guia do viajante para outros mundos e tem três características:



a) Trata-se de uma obra sobre a Arte de Morrer, pois a Morte, assim como a Vida é uma arte, apesar de ambas serem confundidas:

b) Trata-se de um manual de terapia religiosa para os últimos momentos e de uma instrução, consolação e fortificação para quem está prestes a passar para a outra vida; e

c) Descreve as experiências do morto durante o período intermediário e o instrui a respeito.



Na filosofia oriental, a alma do homem localiza-se na parte superior do cérebro e, no momento da morte, pode deixar o corpo por nove “portas”.

O iogue aprende a sair através da “porta” chamada “Brahma randhra”, localizada no topo da cabeça. Quem passa por essa “porta” permanece consciente e conhece a vida futura exatamente como conhece a presente. Por isso, o hindu ortodoxo usa uma mecha de cabelo pendendo desse lugar. É como uma bandeira içada em homenagem ao Senhor Supremo ou Consciência Pura.

A partir da saída da alma, esta vai para o Bardo, um estado intermediário entre a morte e o renascimento ou reencarnação, o qual dura 49 dias.

O Bardo Thödol descreve as experiências pós-morte no plano do Bardo, dividindo-o em três regiões:



1) A Região Superior ou “Chikkai Bardo”, referente aos acontecimentos psíquicos no momento da morte;

2) A Região Intermediária ou “Chönyid Bardo”, o Bardo da experiência da realidade; estado da ilusão cármica, resultante dos resíduos psíquicos de experiências anteriores, e que começa imediatamente após a morte; e,

3) A Região Inferior ou “Sidpa Bardo”, que é o Bardo da busca do renascimento, consistindo em uma vontade de nascer e viver.



É na última e mais inferior região do Bardo, onde o morto, incapaz de assimilar os ensinamentos dos Bardos anteriores, torna-se vítima de fantasias sexuais e é atraído pela visão de copulação de casais. Finalmente, é capturado por um ventre e nascerá de novo no mundo terrestre. A passagem para este Bardo ocorre em 15 dias e, se o morto não foi previamente libertado, vai em busca de um novo nascimento, perdendo a memória da vida passada. Segundo Carl G. Jung, o nível de conhecimento da psicanálise freudiana não foi além deste último Bardo.

A possibilidade de alcançar a libertação é concedida durante o verdadeiro processo da morte. Depois, começam as ilusões que conduzem à reencarnação. As luzes iluminadoras vão ficando cada vez mais opacas e variadas e as visões mais aterradoras, afastando a consciência da verdade libertadora à medida que ela se aproxima do renascimento físico.

O texto do Bardo Thödol é recitado pelo Lama na presença do cadáver com o propósito de instruí-lo, de fixar sua atenção a cada etapa sucessiva de engano e confusão, de explicar a ele a natureza de suas visões, de modo que ele possa encontrar sua libertação do ciclo de nascimento e morte, indo além de um mero cerimonial fúnebre, preocupando-se em deixar claro ao morto a primazia da lama.

Visa restaurar a consciência completa do morto, depois do estado de desfalecimento imediatamente após a morte e acostumá-lo ao ambiente não familiar do Outro Mundo, considerando que ele seja, como a maioria dos homens, algum não-iluminado e, desse modo, incapaz de emancipação imediata.





DESAPEGO AOS BENS MATERIAIS PARA A LIBERTAÇÃO



“Aprende a morrer e aprenderás a viver, pois ninguém

aprenderá a viver se não houver aprendido a morrer”.

Livro da Arte de Morrer.





Para os ocidentais é muito difícil entender por que os monges orientais se dedicam com tanto afinco às práticas espirituais através do jejum e da meditação, abdicando de todo o conforto da vida moderna. Assim como um membro amputado provoca sensações à pessoa por muito tempo depois da amputação, o morto, no estado de pós-morte, imagina possuir um corpo físico, ficando ligado aos seus hábitos enquanto vivo, o que dificulta a sua libertação. Daí, os casos de espíritos errantes que causam problemas em determinados locais e que são apaziguados com oferendas.

O Dr. Evans-Wentz reportou o caso de um agricultor europeu enterrado nas selvas de Malabar, no Sudoeste da Índia. Um amigo foi visitar seu túmulo e o encontrou repleto de garrafas de uísque e cerveja. Intrigado, perguntou ao povo qual a razão de tais oferendas. Explicaram-lhe que seu espírito havia causado muitos problemas e que um velho feiticeiro descobrira que a única maneira de apaziguá-lo seria o oferecimento de uísque e cerveja nas quais fora viciado.

Em Hamlet, William Shakespeare conta a história do príncipe da Dinamarca que encontra o espírito do próprio pai, que retorna do mundo dos mortos movido pelo sentimento de vingança. No momento do encontro com o filho, o espírito dizia: “Sou a alma de teu pai por algum tempo condenada a vagar durante a noite, e de dia a jejuar na chama ardente, até que as culpas todas praticadas em seus dias mortais sejam nas chamas, enfim, purificadas”.

Isso significa que, quanto mais apegados às coisas terrenas, maior a probabilidade dos espíritos permanecerem no Bardo Inferior.

A prática constante do desapego às coisas e às pessoas rompe os vínculos com o mundo físico e facilita a libertação. Por isso, os grandes iluminados tiveram uma vida simples, em uma luta constante contra a inveja, o orgulho, a ambição, a avareza, a luxúria e a ignorância.















BIBLIOGRAFIA CONSULTADA



BENNETT, C. 1983. Viagem no tempo. São Paulo, Hemus, 70 p.

EVANS-WENTZ, W.Y. (org.). 1993. O livro tibetano dos mortos. São Paulo,

Pensamento. 192 p.

KERSTEN, H. 1988. Jesus viveu na Índia. São Paulo, Best Seller. 263 p.

SHAKESPEARE, W. 1982. Hamlet, príncipe da Dinamarca. Rio de Janeiro, Ediouro.

156 p.

SWAMI RAMA. 1995. Vivendo com os mestres do Himalaia. São Paulo,

Pensamento. 432 p.







1 Paccelli M. Zahler é membro da Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias – ABPL, da International Writers and Artistis Association – IWA, da União Brasileira de Escritores –UBE e da Associação Nacional de Escritores – ANE, além da Academia Literária e da Academia Virtual Brasileira de Letras -AVBL.



Página pessoal: www.paccellimzahler.kit.net

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