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Contos-->QUANDO O AMOR NÃO ACABA - Cap. XXIX -- 01/04/2011 - 17:02 (Edmar Guedes Corrêa****) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
QUANDO O AMOR NÃO ACABA - capítulo XXIX

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Um sobressalto me tirou do estado de absorção em que me titubeava quando o telefone tocou. Embora tivesse todos os motivos do mundo para não me prender à leitura, tenho de admitir que a obra de Thomas Mann me fez por algum tempo desprender-me da realidade, como se ao abrir o livro fora transportado para outro mundo, talvez para aquele mesmo mundo onde Hans Castrof tomava os primeiros contatos. E pela primeira vez desde que retornara à Juiz de Fora pode me esquecer completamente por alguns minutos de Diana. Não pensara nela uma única vez naqueles quase trinta minutos. Mas o toque do telefone trouxe-me de imediato a imagem de Diana. E naquele sobressalto, o qual fez com que o livro escorregasse-me das mãos e fosse parar no chão, provocando um som surdo ao se chocar com o piso de madeira da sala, a imagem daqueles lábios colados aos meus inundaram-me o cérebro.
Sem se preocupar em apanhar o livro, retirei o telefone do gancho, no momento em que tocava pela segunda vez, e levei-o ao ouvido, numa expectativa que beirava ao desespero. Acho que se não ouvisse a voz de Diana do outro lado da linha seria acometido de uma decepção tão grande que se minha avó entrasse em seguida na sala e olhasse para mim deduziria num átimo que eu acabara de receber um telefonema anunciando algo muito grave com meus pais, tão grave quanto a perda de um deles; ou ainda, que finalmente a polícia descobrira a identidade do homem que engravidara Fabiana e possivelmente a induzira a abortar-se, o que lhe provocou a morte.
A voz, que reconheci num átimo, provocou-me ao mesmo tempo alívio e prazer. Ainda mais quando me disse para apanhá-la na portaria do prédio por volta de nove horas.
-- Aonde você vai me levar hoje? -- indaguei.
Numa resposta rápida ela disse:
-- Isso a gente vê depois. No momento eu só quero você aqui, meu amor, todinho para mim.
Confesso ter ficado encabulado. Tanto que por algum momento não soube o que lhe responder. E ela percebendo o meu silêncio do outro lado da linha, adiantou-se:
-- O que foi? Te deixei sem palavras?
-- Pois é. Não esperava isso – foi a minha resposta. Aliás, a minha vontade era de entrar naquele aparelho e, como num teletransporte, surgir imediatamente diante dela para tomá-la nos braços e beijá-la por toda a noite como, num sonho do qual não queremos acordar mas sabemos que, ao amanhecer, seremos despertado para uma realidade da qual daríamos tudo para não encará-la. Mas eu não podia entrar por aquele aparelho e nem ficar conversando, pois inevitavelmente minha avó viria à sala a fim de saber com quem eu falava. E certamente eu ficaria embaraçado e a mentira que por ventura haveria de contar não seria convincente o bastante, ainda mais em se tratando de minha avó, cuja experiência não a deixaria se iludir facilmente. Até porque minhas saídas nos últimos dias era a prova mais convincente de estar a me encontrar com alguma mulher; talvez até deduza com quem, pois meu envolvimento com Diana deva ter gerado muitos comentários, alguns até maliciosos, nos últimos anos entre os moradores de Santa Paula, cuja pequenez do lugar é uma fonte inesgotável de fofocas.
-- Quando se ama uma pessoa, dizemos coisas incríveis.
-- É verdade – concordei enquanto procurava me abaixar de lado para apanhar o livro com as paginas abertas para o assoalho.
-- Pena que você é um amor inalcançável, um amor que nunca vai ser meu – apressou em me dizer, como se deixasse bem claro que o nosso destino estava inteiramente nas minhas mãos.
Talvez devido as suas últimas palavras e o temor de que minha avó surgisse de repente na sala, a vontade de continuar a falar-lhe ao telefone dissipou-se, dando lugar a um desejo estranho de desligar. De mais a mais, continuar com ela ali, ao telefone, só me faria se atrasar, pois era preciso escolher a roupa e tomar um banho. Por isso, com uma certa frieza até, como se estivesse ao telefone com uma pessoa qualquer, disse-lhe que teria de desligar pois caso contrário minha avó me daria uma bronca; o que não era verdade. Minha avó jamais diria qualquer coisa por eu estar ao telefone. Ela mesmo era daquelas pessoas capazes de ficar horas caso a pessoa do outro lado da linha não insistir em desligar. Minha avó não é do tipo esbanjadora, mas talvez por ter sofrido muito com a solidão, já que meu avó era daqueles homens que não deixava a esposa sair de casa se não fosse em sua companhia, mesmo para visitar os parentes mais próximos, agora que pode falar com quem quiser e ir aonde bem entender, ela acabe exagerando e muitas vezes prendendo a pessoa do outro lado da linha sem se dar conta de que esta pode estar ocupada ou ter algo de importante a fazer.
-- Tá bom então, meu amor. Você já sabe: quando chegar, toque o interfone que eu desço num instante.
Despedimo-nos e, experimentando aquela sensação de alegria e prazer ao meso tempo em que sentia um grande aperto no peito, pois sabia que em três ou quatro dias estaria partindo de volta para Santos e mais uma vez abandonando-a, apressei em pôr o fone no gancho como se estivesse fazendo algo muito errado e por isso temesse ser surpreendido por minha avó. Eu sabia que Diana não era mais aquela jovem boba e inocente que eu conhecera naquela festa em Santa Paula. Mas ao me chamar de “Meu Amor” não estaria ela se iludindo mais uma vez? Não estaria ela, mesmo contra a vontade, pois o coração tem suas razões que a própria razão desconhece como disse Pascal, se deixando levar pela crença de que dessa vez será diferente? Lembro-me, amigo leitor, que, enquanto procurava a página onde interrompera a leitura, ter pensado nessa possibilidade. E se por um lado deleitava-me com o júbilo por ter me chamado de “Meu amor”, por outro a certeza de infringir-lhe mais sofrimentos me fazia lembrar daquele homem abjeto que eu era até então. Talvez o destino, sempre contra mim, houvesse mais uma vez armado uma nova arapuca para que eu sempre agisse assim. Talvez o meu destino fosse esse: machucar as pessoas que de alguma forma só me querem o bem. A página não demorei em achá-la, a qual foi marcada com um pedacinho de papel, pois eu raramente usava um marcador de livros, mas a leitura foi interrompida. Os momentos seguintes à chegada de Hans Castroff à clínica e suas primeiras impressões ficaram para outra oportunidade. E mesmo que eu quisesse prosseguir a leitura não seria capaz. Somente Diana ocupava a minha mente naquele momento e insistir seria perda de tempo; os olhos correriam pelas palavras de forma mecânica e se captasse o sentido de uma ou outra, ainda sim não formariam uma sentença no meu cérebro. E mesmo que num lapso de pensamento, caso deixasse de pensar nela por alguns segundos, algo se condensasse em minha cabeça, o que me parece pouquíssimo provável, estaria muito aquém daquilo que Thomas Mann escrevera, pois nas grandes obras, como era o caso de A Montanha Mágica, cada frase é um traço de genialidade onde o leitor deve lê-la com a mesma atenção que apreciamos cada pincelada do artista numa obra prima.
Fechei o livro e, segurando-o firme, fui até o quarto de visitas e o depositei sobre a cama para então separar a roupa que usaria para dali pouco mais de uma hora me encontrar com Diana. E antes porém de entrar no banheiro para tomar um banho, fui até a cozinha ver o que minha avó estava fazendo, pois um cheiro delicioso de comida mineira chagava-me às narinas. Diferentemente do que fizera nos dias anteriores, teria de jantar para só então sair. Não podia desapontá-la depois de todo aquele carinho e atenção que de forma incansável só os avós sabem como ninguém dar aos netos.
A minha preocupação era que a janta demorasse demais. Mas vi que estava quase tudo pronto. E quando minha avó notou que observava atentamente as panelas no fogo apressou em comunicar-me que em poucos minutos estaria na mesa.
-- Então vou aproveitar e tomar um banho enquanto isso – falei.
E de fato quando retornei do banho, a mesa estava posta. Era um jantar bem simples, mas daqueles que só uma autêntica mineira é capaz de fazer. E se havia uma coisa que minha avó sabia fazer como ninguém era cozinhar. Talvez por ter passado grande parte da vida na roça, cozinhando num fogão a lenha, tenha adquirido uma experiência invejável. Numa pequena panela, havia um pouco de feijão vermelho; noutra maior, arroz; numa travessa de porcelana, couve rasgada; num pequenino pote de vidro, farinha de milho torrada com banha de porco; ao lado, uma travessa de alumínio estava quase coberta por folhas de alface, sobre as quais via-se rodelas de tomate. No fogão, talvez por falta de espaço na mesa avistei, dentro duma frigideira algumas fatias de carne. Embora exalasse um aroma agradabilíssimo, o qual se misturava aos diversos cheiros de cada um daqueles preparos, fazendo-me o estômago reclamar desesperadamente por aquela refeição apetitosa, e minha boca salivar em abundância, não pude identificar o tipo de carne. Lembro-me de a primeira vista achar que fosse um bife, mas depois, observando-a melhor, pensei tratar-se um tipo de carne de porco ou até mesmo de filé de frango. Enfim, sem cerimonia, peguei o prato e me servir. A fome e a pressa não me deixariam perder tempo.
Durante o jantar, minha avó comunicou-me que tia Graça, sua filha mais nova, apareceria mais tarde. Fiquei um tanto embraçado, pois, pela forma com que me informou, tive a impressão de que esta viria para me visitar. Por uns instantes, fiquei sem saber o que lhe dizer. Aliás, nesse pequeno intervalo de tempo, o qual deve ter durado pouco mais de um minuto, não pensei em outra coisa a não ser em Diana. O que eu diria se ela cancelasse o nosso encontro? Talvez até compreendesse minha situação, mas por outro lado poderia ver nisso que, no fundo, não me era tão importante assim como dava a entender. Pensaria que, como fizera todos esses anos, estava mais uma vez mentindo apenas para ficar com ela. Pouco depois, ocorreu-me uma outra possibilidade: talvez minha tia não se demorasse muito na casa de minha avó. E se eu estivesse com sorte chegaria logo e partiria pouco depois.
-- Ela falou que horas virá? -- perguntei.
-- Telefonei para ela quando você estava no banho e disse que estava saindo. Deve estar chegando. Ela mora ali no Morro da Glória. E de lá até aqui não é tão longe.
Consultei o relógio. 20:16 hs. Para não me atrasar, teria de sair em no máximo em meia hora. Não daria tempo. De forma que o melhor a fazer era ligar para Diana e avisá-la do meu atraso. Antes porém era preciso terminar de jantar. Não podeira deixar a mesa assim sem mais nem menos; até porque seria uma completa falta de respeito para com minha avó que, para me agradar, preparou-me aquele jantar com tanto carinho. No entanto, apressei em comer. Queria telefonar para Diana antes da chegada de tia Graça. Caso contrário, ser-me-ia por demais embaraçoso fazê-lo sob os olhos e ouvidos de minha tia, a qual certamente ficaria interessada em saber com que eu me encontraria. Embora fosse uma mulher moderna e “para frente” como se costuma dizer das pessoas que encaram os novos comportamentos humanos com naturalidade, ainda sim a curiosidade falaria mais alto e então indagaria minha avó acerca de minhas saídas. Não creio que minha avó mentiria para a filha. Certamente contaria acerca de Diana, a qual provavelmente minha tia não conhecia, pois até onde sei, raramente ia à Santa Paula, já que saíra de lá muito nova, pouco depois do meu nascimento, e portanto não fincara raízes naquele lugarejo.
Deixei a mesa no momento em que minha avó recolhia os pratos. Fui direto ao telefone e, aproveitando o tilintar de pratos na pia, disquei para Diana. Quem atendeu foi uma senhora, a qual me levou a deduzir tratar-se de sua patroa, pois tive a impressão de já ter falado com essa pessoa antes. Pouco depois Diana antedeu.
-- O que aconteceu?
-- Tia Graça está vindo me visitar e vou ter que me atrasar – expliquei.
Houve um longo, terrível e angustiante silêncio. Nesse ínterim, o qual durou aproximadamente um minuto, fui tomado pelo desespero. No meu cérebro confuso, inundado pelas suposições mais terríveis, indagações saltitavam de um lado para outro. Quanto mais os segundos corriam, maior o meu desespero. Lembro-me de pensar até mesmo que Diana houvesse abandonado o telefone e me deixado prantado do outro lado, numa espera inútil. E talvez haveria de ter ficado por mais tempo ali se, já não suportando mais aquele silêncio, não houvesse perguntado:
-- Diana?
-- Desculpe-me. Estava pensando no que fazer – respondeu.
Ah, que alívio! Então ela não me abandonara? E pelo tom de voz, pela naturalidade de sua resposta pude concluir que nem mesmo chateada comigo estava. Tudo não passara de produto da minha imaginação, fruto de uma cabeça fraca, de uma alma que diante do mais simples dos obstáculos, o qual nem mesmo poderia ser chamado assim, transforma-o na mais das intransponíveis barreiras. A maioria dos psicólogos são unanimes em afirmar que (pesquisar sobre o assunto), mas acredito que nascemos assim e morreremos assim. Tudo não passa de um defeito genético, como qualquer outro. Pessoas assim não podem ser “consertadas” como se “conserta” com um braço mecânico aquele que nasceu faltando um pedaço do braço, com uma perna mecânica aquele que nasceu sem as pernas ou tantos outros defeitos físicos que podem ser corrigidos de forma cirúrgica. Reconheço que um tratamento psicológico ou até mesmo psiquiátrico pode amenizar tais problemas, no fundo porém continuaremos a ser um fardo para a sociedade. Mais cedo ou mais tarde alguém há de arcar com o fardo de sustentar pessoas assim. Sei que parece terrível, principalmente vindo de um imprestável, mas pessoas assim como eu deveriam ser atiradas aos abutres como se fazia na Grécia Antiga. Se a humanidade está em constante evolução, embora eu não acredito nisso, pois nossos instintos continuam os mesmos há milhões de anos, a razão é que muitas vezes os mascaram, ela já teria atingido seu estágio final. E seres fracos, dissimulados, impotentes e incapazes de fazer algo de bom só retardam essa evolução. Portanto deveriam ser retirados de circulação. É como num guerra: por que atrasar o socorro daqueles com chances de sobreviver por causa daqueles cuja morte já está celada? É tudo uma questão de sobrevivência. Num caso a sobrevivência dos que têm mais chances de vida, no outro a sobrevivência da própria espécie. Talvez os homens devesse olhar mais para Darvin e menos para o céu.
-- Ela não deve demorar muito aqui. Precisa voltar para casa.
-- Vamos fazer o seguinte: A gente se encontra no domingo à tarde. Amanhã tenho a tarde tenho que ir para Santa Paula visitar meus pais. A cada 15 dias vou passar um fim de semana com eles. Mas dou um jeito de voltar mais cedo no domingo e ai a gente se encontra. Que tal?
Ficar dois dias sem vê-la? Não seria torturante demais quando o que eu mais desejava era estar o tempo todo com ela? “Poxa! Será que ela não percebe que logo voltarei para Santos e a gente não vai mais se ver? E agora? O que vou fazer esses dois dias? Não vou conseguir fazer nada? Vai ser um inferno. A hora não vai passar... Mas também não posso exigir nada dela. Não tenho esse direito”, pensei. Enfim. Acabei concordando. No entanto lhe prometi telefonar no outro dia à tarde, antes de sua partida, pois me dissera que talvez fosse para Santa Paula após o almoço.
Desligar não foi fácil, mas inevitável. Aliás, minhas últimas palavras, antes de por o fone no gancho, as quais saíram com dificuldade, como se algo as impedisse de escapar-me pela boca, foram: “EU TE AMO!”.

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