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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->Desarvorada -- 29/01/2017 - 12:34 (Jeanne Martins Nascimento) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Desarvorada!

"Camélia, pode me dar uns minutinhos?"

"Calma Amélia, que aconteceu para você estar desse jeito? Tá chorando porque?"

"Cortaram o Mulungu da praça, aquele bem grandão do balanço que Tio Mureré fez para nós quando éramos crianças . Aquele que na primavera ficava cheinho de beija-flores."

"Nossa que triste"!

"Vi a cena mais comovente da minha vida, eu atravesso a praça todos os dias indo para o trabalho e estava admirando o ninho que a Juriti havia feito naquele galho que ficava sobre o banco de madeira. Hoje, quando passei e vi a arvore no chão, toda picada e enleirada em feixes, me cortou o coração. De repente ouvi um gemido. Olhei no encosto do banco e lá estava a Juriti...

Nunca vi coisa tão triste! Olhar parado, à procura do ninho, à procura da árvore! Nem se mexeu quando cheguei perto. Só ouvia um som triste e doído que saía dela. Lembrei na hora da voz de vovô me falando de passarinhos: - `Melinha, aquela é a Juriti Gemedeira`!

Gemia mesmo, um lamento de dor. Uma dor profunda na alma. Depois disso eu acredito em alma de passarinho, eles tem sim. De repente ela voou na direção do galho que não estava mais lá, pairou no ar, `desarvorada`! Exatamente isso. Será que por isso inventaram esse termo? Será que a pessoa que inventou essa palavra viu essa tristeza nos olhos de um passarinho?"

"Que coisa mais emocionante Amélia, deve ser sim. Mas não precisa ficar desse jeito!"

"Não estou assim só por causa da Juriti. Hoje estou me sentindo igualzinha a ela."

"Como assim, Amélia? Vem cá mana, senta aqui. Vou buscar um copo d`água pra você, se acalma um pouco e aí conversamos."

Após apreciar a água fria num copo americano, Amélia continuou:

“Estou assim porque comecei a imaginar o tanto de gente desarvorada neste mundo. A árvore é uma metáfora que está na nossa vida, no nosso cotidiano. São as pessoas e coisas que nos dão segurança, nas quais nos apoiamos com tanta confiança tal qual a confiança da Juriti naquela árvore que até fez um ninho. Quando nos desentendemos com a pessoa amada a gente não fica desarvorada? Quando perdemos o emprego não é a mesma coisa? A gente fica desarvorada em qualquer situação em que não sabemos a saída.”

“Amélia, tenho uma coisa pra te contar que acho que você vai melhorar.”

“Oba, então conta logo... Estou precisando de boas notícias.”

“Ontem encontrei o Marcos, seu ex-marido. Disse que está morando na capital e veio passar uns dias com a família aqui em Pazamor. Estava bem trajado, de carro... Ele tá bonitão! Disse que se casou mas se separou, tem uma filha. Fica até domingo.”

“Camélia de Deus, por que me disse isso? Esse homem por perto de novo... Deu um frio na espinha... Mas não pelo motivo que está imaginando. Hoje entendo que ele foi apenas uma paixão na minha vida, só isso!”

"Nossa! Mas você era `louca` por ele!"

"Mas a vida segue e passamos a entender melhor o significado dos nossos sentimentos."

"Camélia, vou tentar te explicar. Estou tão confusa que tem horas que viajo nas lembranças mesmo. Vou contar pra você da viajem pro Nordeste, assim quem sabe me abre uma "Luz". Dois dias depois que eu cheguei no hotel, saí no final da tarde para caminhar na praia. Chegando no Pontal do Farol tem um bar, desses bem aconchegantes, mesinhas ao ar livre de frente pra Praia com música ao vivo. Entrei e pedi uma batida de Taperebá no balcão mesmo, e fiquei ali perto do palco vendo a apresentação de uma moça e seu violão, até parecia você. Uma voz linda e olhos verdes como os seus. De repente senti um calafrio. Um tremor percorreu minha espinha e parou bem na nuca. Me virei. Dei de cara com ele, me olhando e sorrindo. Nem imagina a adrenalina, minhas pernas bambearam na hora. Nem sei quem foi que deu o primeiro passo, só sei que nos abraçamos e que não conseguíamos nos soltar desse abraço. Nos afastávamos um pouco, nos olhávamos nos olhos, sorriamos e nos abraçávamos novamente. Acho que isso durou uma eternidade. Sentia o coração dele e o meu batendo, acelerados, mesmo compasso. As chances de nos encontrarmos eram tão poucas e lá estávamos nós dois de novo. Ele sussurrou no meu ouvido "Mulher, você não existe"...e continuou a me abraçar. Me fez umas perguntas tolas, mas a tola ali era eu."

"Amélia, eu sempre te digo que amor é coisa de viver."

"Viver? Quando a gente ama e não pode viver o grande amor, amor é coisa de morrer. Mata a gente devagarzinho de inanição. Mata da falta de abraço, de beijo, de tesão.
Lembra que sempre te dizia que eu sentia desde a adolescência uma melancolia sem explicação? Sempre houve uma saudade secular em mim. Um "quê" que não se explica com razão e discernimento.
Tive relacionamentos, paixões... Vários ao longo da vida. Nenhum deles me deixou saudade ou vazio, menos ainda saciaram a saudade que habitava minh`alma. Paixões! Esta palavra é absolutamente perfeita para descrever os diversos encontros que tive na vida. Uma chama crescente, mas que antes de alcançar o cume da montanha dos meus sentimentos, esvaia-se nem sequer deixar brasas que alguma brisa pudesse reacender.
Um dia... um encontro, um abraço. Neste abraço minha saudade secular, meu desassossego, a minha luz e a minha escuridão. Todas as minhas certezas tornaram-se vãs neste instante. "Quem eu sou? Bendito amor, me traduz!" Neste momento soube o que era o verdadeiro amor. O reconheci imediatamente. A despeito de ser recíproco ou não, possível ou não. O verdadeiro amor não se descreve com palavras. Expressa-se no olhar. Mesmo sem vivê-lo em plenitude, vive em mim. Pulsa e abrasa. Reside nele felicidade e plenitude apenas pelo reconhecimento da capacidade de senti-lo. É tão profundo, que mesmo sem reciprocidade ou face a indiferença ou desprezo, urge existir. Em vão os esforços para ignorá-lo. Minha saudade secular encontrei naqueles olhos. No primeiro mergulho que dei neles. Naquele segundo, reconheci minha maior alegria e minha maior dor. Alegria pelo fim da busca, dor por encontrar a luz dos meus olhos vagando aprisionada na escuridão dos olhos dele.

"Camélia? Não está prestando atenção em mim? O que está anotando nessa caderneta?"

"Só me veio um verso na cabeça e decidi anotar:"

Desarvoro
O amor é assim, hora submisso, hora subjugador;
As vezes o desejo nos torna escravo, outras vezes nos faz senhor;
Tive sim, diversas paixões, algumas vezes também tive amor;
Mas `desarvoro` deste tamanho, só tendo paixão e desejo aprisionados no mesmo amor!

"Esse verso define bem o que sinto. Depois daquele dia, cada vez que busco seu olhar e não encontro, me sinto feito a Juriti da praça."

"Desarvorada!"

Colaboração: Ângela Fakir e João Rios
Desenho: Ângela Fakir
http://riscoserabiscosangelafakir.blogspot.com.br/
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