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Artigos-->Aprender a ler versus o hábito da leitura. -- 05/02/2003 - 09:58 (João Rios Mendes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
APRENDER A LER VERSUS O HÁBITO DA LEITURA



Tenho me deparado nos últimos dias com notícias vindas do Ministério da Educação onde o ministro, Professor Cristovam Buarque, pretende erradicar o analfabetismo do Brasil. Longe de mim questionar a pretensão e a competência do ministro. Não é isso que abordo daqui em diante.

A minha preocupação é com o fato de o aluno se dirigir à escola nos primeiros anos de vida, com todo o entusiasmo, às vezes até chora para ir ao colégio e pouco tempo depois aquela criança já não desperta o mesmo desejo de freqüentar as aulas. Já não demonstra o mesmo entusiasmo em ler a sua cartilha. Segundo Amâncio citando Franchi “...há um declínio na espontaneidade e criatividade verbais das crianças, iniciando-se no momento em que entram para a escola e culminando na 3ª e 4ª séries.”

Cartilha, esta é a minha preocupação. Sempre voltado aos estudos de 1º e 2º graus em Geografia, confesso que era um assunto ao qual eu não havia me debruçado até conhecer o livro “Cartilha, para quê?”, da Profa. Lázara Nanci de Barros Amâncio. Que o trabalho é louvável, ninguém questiona. Que a esmagadora maioria de nós passamos por uma cartilha ou uma cartilha por nós, também é consenso.

“Não se fazem críticas à linguagem desse material, tão questionada por especialistas da área das Ciências Lingüísticas; não se aborda a questão da estrutura de frases, grau de textualidade, conteúdo ideológico dos textos, inadequações socioeconômicas, lingüísticas etc... nem aspectos relacionados às atividades mecânicas propostas aos alunos que não podem se dedicar ao exercício da criatividade.”

O que abordo aqui, talvez muito pretensiosamente, estar além da alfabetização. Estar no contínuo interesse pelos livros. Pois veja, se a cartilha é o instrumento que introduz o aluno no mundo da leitura e da escrita, o que o faz abandonar o hábito da leitura ao longo da vida? Se todos nós iniciamos a leitura através de uma cartilha, por que não somos leitores assíduos? Onde está o nosso entusiasmo quando chorávamos para irmos à escola?

“Acontece que, na tentativa de facilitar, de simplificar, a cartilha traz textos absurdos, sem coesão, padecendo de uma série de outros inconvenientes, com a repetição de palavras e sílabas... Como primeiro modelo de escrita, sistematizado, que se propõe a introduzir a criança no mundo letrado, parece que a cartilha deixa a desejar. Analisando este material, chega-se à conclusão que o critério norteador é o esforço de colocar, num mesmo espaço físico, palavras que contenham as sílabas estudadas. Esse critério, associado ao princípio de ir do simples para o complexo, transforma os textos das cartilhas em pseudotextos. São, na verdade, uma somatória de frases sem coesão nem coerência. Acabam por contradizer princípios lingüísticos básicos. O que garante o texto é a sua coesão, é sua textualidade. Se não há isso, não há texto... nem pretexto.”

“Tudo indica que a “crise da leitura”, o “desgosto pela leitura”, têm suas raízes na fase inicial da escolarização, nas condições em que se produz o ensino da leitura e da escrita. O processo de desconsideração por materiais escritos se agrava ao longo da escolaridade, de forma que é comum encontrar alunos nas últimas séries do primeiro grau que nunca leram um livro inteiro. Colabora para essa distorção a falta de uma política educacional que valorize realmente a leitura, colocando à disposição de professores e alunos materiais escritos variados e de qualidade que possibilitem a construção de alternativas para a prática docente.”

A mim parece que o contato da criança com a cartilha a afugenta de outros livros. Parece-me, e os especialistas podem me corrigir, que o contato com a cartilha não é algo tão prazeroso.

Lembro-me que na minha cartilha havia a famosa frase “vovô viu a uva”. Ora, para mim que fui alfabetizado no interior do Maranhão e só vim conhecer uva aos 15 anos de idade, esta frase é bastante longe do deveria ser-me ensinado. Mas a frase “o tatu está na toca” estava totalmente ao meu alcance, eu sabia do que se tratava. Havia ainda nessa cartilha um desenho de uma família em frente a uma casa, com carro, pai, mãe e um casal de filhos, todos loiros. Na minha terra é difícil encontrar um loiro.

É por essa linha a minha preocupação. Os conceitos que são impostos aos alunos. A realidade distante do que é apresentado na cartilha e o que é vivido pelos estudantes.

Daí a professora Amâncio questiona:

a) Como o professor entende esse material didático? O que espera dele?

b) Qual a importância atribuída à cartilha? É um elemento dispensável?

c) Até que ponto a cartilha pode ser responsabilizada pela aprendizagem da língua escrita?

O professor Cristovam Buarque se propõe a alfabetizar todos os analfabetos da Esplanada dos Ministérios. Se perguntados, todos eles quererão aprender. E depois de alfabetizados? Terão eles curiosidade, estarão motivados em ler tudo o que lhes chegar às mãos?

A criança/analfabeto é levado a seguir etapas como a-e-i-o-u, ba-be-bi-bo-bu, nha, nhe, nhi, nho, nhu, todas sem nexo assim como a frase “vovô viu a uva”. Como os professores não ensinam o que vêem escrito nas fachadas das lojas, na TV, nas faixas de propagandas, nas embalagens, o aprendiz fica desmotivado e imagina que tudo o que irá ler não tem um segmento lógico e também prazeroso, e o faz pensar que toda leitura será artificial.

“Nas cartilhas raramente aparecem períodos compostos por coordenação ou subordinação (adverbiais, substantivas e adjetivas). Enquanto que nas frases verbais esse uso chega a mais de 80%. Isso nos leva a entender que as exigências lingüísticas da cartilha estão aquém da capacidade lingüística do aluno a que se destina.”

“Com relação às características dos textos das cartilhas, também há unanimidade de opiniões: há excesso de repetições; as construções não são as melhores – pobres, sem nexo, sem coesão, sem unidade temática. O vocabulário é limitado, além de incorrer numa série de impropriedades. O resultado é uma criança escritora de frases parecidas com as da cartilha e leitora de letras e sílabas. A criança imita os modelos da cartilha, não escreve o que sabe da linguagem, mas o que ficou marcado pelos treinamentos a que se submeteu nesta fase.”

O jornal Correio Braziliense em sua edição do dia 26/01/2003, pág. 17, traz a manchete “Estudantes prontos para ensinar”. A matéria é sobre os planos do Governo em convocar universitários para ensinar a ler e escrever. Mostra que 80% desses estudantes abandonam o trabalho, provavelmente pelo baixo salário que recebem, R$90,00, ou por não serem preparados para esta tarefa.

No fracasso da alfabetização pouco se aborda o papel da cartilha, sua influência. Assim, asséptica e impermeável, mantém-se distante e resiste a toda e qualquer crítica. Com nomes bonitos que geram expectativas que nunca se satisfazem, tem aparência inocente e inofensiva.

A propaganda de alguns produtos como refrigerantes e os próprios centros comerciais – apelidados de shopping center, são atrativos aos olhos das crianças e adultos porque são cheios de luzes, cores, movimentos e novidades. Por que os livros não podem ser assim? Já que se trata de uma mercadoria faria bem ao bolso de quem negocia, aos olhos de quem compra e ao próprio desenvolvimento humano.

O dicionário Aurélio atesta que Cartilha é “Livro para aprender a ler”, mas qual livro leva o estudante a continuar com o hábito da leitura?



João Rios Mendes

Pós-Graduado em Metodologia do Ensino Superior pela UNEB/DF e funcionário concursado do Senado Federal.
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