Quem me dera voltasse a ser criança.
Menina pequena, rostinho redondo, franjas certinhas
por cima da sobrancelha.
Só o que tinha, eram três bruxas de pano,
alguns cadernos, com figurinhas desenhadas por minha mãe.
Lembro bem da bandeira do Brasil, cachos de uva, gatinhos com orelhinhas e rabinho.
Era totalmente desprovida de posses.
Usava roupas que a tia solteira costurava.
Uma calça laranja, uma blusinha de malha.
Lembro bem da pouca quantidade de arroz e feijão
que a mãe comprava na venda da esquina.
Não tinha ideia do que seria,
e como seria minha vida num futuro
tão distante, e isso pouco importava.
Minha maior preocupação era chegar viva ao ano 2000,
e meu único medo era de não ter mais a minha mãe e meu pai.
Veja só, já estou velha, e minha mãe, e meu pai
que naquela época eram puro vigor também já estão velhos.
Eram essas, e só essas as minhas preocupações.
Não imaginava amar, e perder meus amores,
e chorar saudades tão doloridas.
Não imagina lidar com tanta coisa difícil, com tanta gente complicada.
Não imaginava que outras pessoas dependeriam de mim,
e não imaginava principalmente, ter mais que três bonecas de pano.
Estava rodeada de simplicidade e alguma dificuldade.
Era tudo muito simples e muito menos complicada.
Tudo muito menos dolorido.
Agradeço tudo que tenho, e acredito sinceramente que naquele tempo, tudo era tão difícil, para os meus pais, quanto é hoje pra mim.
Só não tinha a percepção que tenho hoje. Só isso.
Quem me dera, voltasse a ser criança.
Valentina Fraga |
