SALADA, NEM PENSAR!
(Por Germano Correia da Silva)
Nadão e Nadinho tem sido dois grandes amigos, desses inseparáveis, que na maioria das vezes um participa ativamente de tudo o que o outro faz e vice-versa.
Nadinho é um desses garotos que gostam muito de nadar. Ele é igual a um peixe. Dizem até que ele tem escamas no corpo, surgidas em virtude de sua permanência diária nas águas de um rio caudaloso que banha a sua cidade.
No começo de tudo, ou melhor, no início da formação do pequeno povoado que anos mais tarde se transformaria em cidade, o rio era muito frequentado por banhistas de outros municípios e por todos os garotos da região. Era uma verdadeira praia fluvial. A água era muito limpa e a população local, apesar de ser formada por trabalhadores rurais, era bem organizada como se urbana fosse.
Todos os banhistas que frequentavam aquele trecho escolhido como sua praia, tinham o cuidado de mantê-la limpa e organizada. Pareciam atitudes de pessoas de primeiro mundo, sempre voltadas para a preservação do seu meio ambiente.
Nadão, desde muito pequeno, adorava ir à praia fluvial da sua região, mas não tinha muita intimidade com a água. Na verdade ele não sabia nadar ou se sabia era bem pouco, quase nada, sendo essa uma das razões de ter recebido o apelido de Nadão.
Há outras versões para esse seu apelido. Uns dizem que vem desde a sua infància, período em que ele era muito traquinas, no entanto, para outros o apelido provém mesmo da sua aversão à água. Ele detestava tomar banho, ainda que fosse em pleno dia de sol.
Inegavelmente, Nadão era um desses garotos muito danado e devido à incidência de traquinices por ele cometidas, a sua família, os amigos e conhecidos chamavam-no de garoto danadão. Por ele ser, realmente, um garoto muito levado, ele foi mais tarde batizado pelos seus colegas pelo cognome de Nadão.
No dia do seu batismo, Ã s margem do rio Águas Claras, foi uma festa e tanto. Era tradição regional batizar com um apelido, aquela garotada traquinas que frequentava a linda praia fluvial, formada pela areia deixada pelas águas do rio Águas Claras, fenómeno esse que naquela época era constante, sobretudo nos períodos chuvosos.
Após as solenidades que envolviam o batismo da garotada, haveria um almoço na praça de alimentação do Prato Nobre Águas Claras, um desses restaurantes "self-service", onde as pessoas podem comer até desmaiar por um preço fixo. O Nadinho, amigo inseparável do Nadão, apesar de seu comportamento menos irrequieto, não via a hora de terminar os festejos da sua comunidade, lá na beira da praia, para dali saírem em direção ao local onde seria servido o almoço.
- Será que vai ter comida com fartura nesse tal almoço que o Sr. Paulão vai nos dar? - perguntou o Nadão para o seu amigo Nadinho, com um ar de pessoa faminta e preocupada.
- Qual nada rapaz, pelo que já me disseram, lá no banquete vai ter de tudo - retrucou Nadinho. Para você ter uma idéia da minha preocupação, eu estou jejuando desde hoje cedo para não passar vergonha na hora que eu me sentar à mesa - completou.
Era um dia muito movimentado nos arredores do município de Catuaba, local onde deveriam comparecer os garotos "batizados" e para lá se dirigiram no lombo de uma mula, os amigos do peito, Nadão e Nadinho. Até que a distància não era tão grande, mas a ansiedade deles faria com que eles chegassem muito cansados ao local do evento.
Antes de se dirigirem finalmente para o tal Grande Hotel, fizeram uma oração pedindo ao Senhor São Bento que lhes ajudassem. São Bento é um dos santos padroeiros do camponês pátrio e alguns deles dizem até que esse santo protege os rebanhos em geral contra picadas de cobras e demais bichos peçonhentos.
Vamos deixar de lado a preocupação dos dois garotos e nos situaremos no salão nobre do Grande Hotel para vermos de perto o que está se passando por lá.
Era um banquete de primeira grandeza. Garçons iam e vinham com suas bandejas lotadas de comidas. Era uma situação de "dar água na boca" até daquele que não gostava de água, assim como o garoto Nadão.
E lá estavam todos os garotos batizados nas águas do rio Águas Claras e os premiados na corrida de cavalos que tinha acontecido no dia anterior.
- Já vamos começar! Anunciou o patrocinador do banquete - e todos partiram de pratos e talheres nas mãos em direção ao recinto onde seria servido o almoço e em poucos segundos cada um preparava caprichosamente o seu prato. A primeira rodada da bebida era servida de graça. Só pagaria para beber aquele que participasse da rodada seguinte.
Nadão foi um dos primeiros garotos a preparar a sua refeição. O prato dele mais parecia uma montanha. Tinha de tudo um pouco e ele, para não correr o risco de engasgar-se, comia lentamente, mas já estava de olhos fixos nas sobremesas. O Nadinho que estava sentado à esquerda do garoto Nadão, nem se mexia para olhar o que acontecia à sua volta. Comia normalmente, dando a entender que a sua vontade de comer já havia passado.
De repente, ele resolveu olhar o segundo prato do Nadão e viu que nele só tinha carne e uma porção mínima de arroz. Salada, pelo visto ele não queria nem pensar, e sem querer melindrar o seu amigo, lhe sugeriu gentilmente:
- Coma salada Nadão, é bom para a digestão!
Nadão, ainda de boca cheia, lhe respondeu prontamente:
- Você acha que eu sou besta para comer esse feijão preto misturado com esse mato? - Eu vim aqui somente para comer carne e pronto. Coma você, suas folhas, feito um camaleão esfomeado.
Terminado o almoço cada convidado foi para sua casa e até hoje esse episódio ficou conhecido como o dia em que o "garoto Nadão só queria carne no seu prato, sem feijão preto junto com mato. Salada, nem pensar!"