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Contos-->O SÉTIMO SELO -- 18/12/2012 - 16:22 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Fernão viu-se sentado a uma mesa no panteão da memória com o livro da vida aberto em seu colo. Diante de seus olhos páginas amarrotadas e páginas amarelas. O rascunho de sua vida escrito em linhas tortas, esperava ser reescrito.  Pesava-lhe a dor de ver tantas páginas em branco...  Quanta vez deixou de dizer à pessoa amada “Eu te amo!” Quanta vez virara o rosto para Jasmim, e maculara sua pureza com infâmias e desdéns!... Quanta vez Talita  Talita Cumi dera a ele a oportunidade de reescrever a própria história e as páginas permaneciam em branco!... Desejou abraçar Jasmim e sentiu-se na pele de Melenau viajando no mesmo barco com Páris... Se antes, Menelau conhecesse bem a mulher que tinha, jamais Páris teria tido alguma chance com Helena. Não haveria guerra de Tróia, não haveria luta entre Jacó e Siquém e Fernão seria amigo de Hemor, futuro colega de aviação. Apertou a mão de uma velinha e sussurrou.  “Vai dar certo!” Ele sabia que, em situação de risco, a corsa nada, lado alado, com o leão... Casados que há tempos não conversavam,  mantinham agora as cabeças coladinhas uma à outra e balbuciavam alguma coisa ininteligível... Irmã Paola tentou debulhar um terço em voz alta e não conseguiu... No meio  do corredor, um homem ergueu a voz: “Sou PASTOR!”  E traçou com as duas mãos no ar o sinal da cruz, dizendo: “Pelo poder que me concede a Santa Madre Igreja, eu  perdoou todos os vossos pecados inconfessos, em nome  do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.  Alguns com a voz entrecorta responderam: “AMÉM!” Ninivitas creram e balbuciaram palavras quase inaudíveis, outros, apenas moviam os lábios como se falassem a língua dos anjos. Fez-se silêncio no céu.

Em êxtase, ele entrou na cena de seu batismo, viu os pais e padrinhos na Igreja da Consolação. Viu uma pia com água e pessoas da comunidade que acendiam velas no Círio Pascal. Com um crucifixo no peito e outro bem maior na mão o sacerdote ungia-lhe a testa e o peito com o óleo dos catecúmenos. Viu ainda um animal asqueroso levantar-se do mar. A Fera tinha dez chifres, sete cabeças e muito poder sobre a Terra. A fera queria apagar a vela que os cristãos acenderam para Deus, lançando espessa fumaça na mente daqueles que vacilavam na fé. A mãe do menino traçou uma cruz na testa do filho. Houve uma explosão que só o menino ouviu... e chorou. O animal desapareceu numa nuvem de fumaça negra. Fernão viu também Moisés no monte Nebo jogar seu manto para Josué, dizendo-lhe: O que está oculto pertence ao Senhor, nosso Deus; o que foi revelado é para nós e para nossos filhos... Nada temas, e não te amedrontes: o SENHOR mesmo marchará diante de ti, e estará contigo. Passou em seguida o manto para Josué e Josué passou o manto sobre a cabeça do menino. Veio uma nuvem luminosa e o envolveu. E daquela nuvem fez-se ouvir uma voz que dizia ‘Eis meu filho muito amado em quem pus toda minha afeição’. Extático, Fernão desprendera-se,  das coisas materiais. Agora, lentamente, retornava ao mundo dos mortais. Jogara ao mar as cinzas do homem velho e já não gaguejava mais como os blasfemos que não conseguem chamar a Deus de pai.

—Tu venceste, Galileu — disse em voz baixa.

Não muito bem desenhadas, traçou uma cruz na testa, uma na boa e outra no peito.  Objetos, poltronas e bagagens voavam em todas as direções e se chocavam, ora contra a fuselagem, ora contra os passageiros e tripulantes. Gravemente ferido, o corpo do Pastor estava estendido, a fio comprido, no corredor.

— Tem algum médico a bordo? — perguntou a chefe dos comissários.

 André Cavalcanti conseguiu, com dificuldade, pegar sua maleta. Em seguida, a doutora, Tânia Piccinini também apanhou a dela. Os dois caíram inertes. Algum metal pesado os atingira e suas maletas foram sugadas pela janela quebrada. Também foram sugados muitos passageiros e lançados para fora da aeronave. Jasmim conseguiu evitar o choque com um notebook que passava voando. Abaixou-se e sentou pensativa numa poltrona ao lado de um morto... Arrependeu-se de ter avisado a Hemor que Fernão estava a bordo.E se ao invés de desviar dos nimbos, o piloto resolveu entrar em rota de colisão com eles? Fernão é “esquizo”. Hemor também. E se Fernão invadir a cabine de comando? Se os dois entrarem em luta corporal será um desastre.

Se não tomassequetiapina, no dia seguinte Fernão não dirigia o próprio veículo.Hemorsentia-se seguido por Fernão na Rue Claude Monet. E que dizia que no Musée de l´Orangerie,Monet saia da tela  apontando-lhe uma arma para arrancar informações sobre o cálice usado por Jesus na última ceia. Hemor. 

Hemor era um balde de tinta tóxica. Dizia que todas as pessoas falavam mal dele e tinham inveja porque ele era o melhor piloto do mundo! Mas, nas duas últimas avaliações, o piloto que se dizia o melhor do mundo, não apresentou os exames neurológicos exigidos pela companhia aérea e a empresa já lhe dera aviso-prévio. Aquele seria o último voo de Hemor como comandante de um Airbus.

Jasmim levantou-se segurando com firmeza nas ferragens do bagageiro.  Desviou de um corpo estendido. Não exatamente estendido, dobrado, ferido, quase esmagado. Este homem tinha um ferimento do lado e sangrava pelas duas mãos. A comissária de bordo; reconheceu no crucifixo sobre o peito dele e no clérgima da camisa sinais de pertença a uma religião — um padre ou um bispo talvez!... Ofegante, o moribundo elevou ao céu sua última prece: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”. Inclinou a cabeça e em seguida, os estigmas desapareceram totalmente. Logo ao lado, ainda sentado numa poltrona estava Fernão. Ela assentou-se juntinho dele e estendeu-lhe a mão. Que seja eterno enquanto dure! Pensou ele, entregando-lhe o bilhete guardado há anos, com anotações recentes.

—Leia o verso— disse ele.

Ela leu em silêncio e ouviu os gritos do coração:

 Vejo tua face no espelho de minhas lembranças. Ó culta mulher que me fascina... Vejo-me a procurar-te incessantemente, em cada esquina...

— Vai dar certo, disse ela, apertando carinhosamente as duas bochechas dele.

Colocou com cuidado o bilhete em um dos bolsos do uniforme e  voltou para a cabine recordando-se da primeira abordagem que Fernão lhe fizera. Ele que passava sempre por ali como carona de seu  Paulo Valença e diariamente via com os olhos de Valença,Jasmim com outras meninas limpando a água que escorre nos  para-brisas apressados. Olhava o movimento rápido da  esponja que esfrega, o rodo de pia que puxa a água dos  vidros e a mão estendida gratificando a menina com uma cédula de dez reais. O vidro fecha, o sinal abre e a voz de uma criança agradece: “Obrigado, seu Paulo”.

http://www.textoregistrado.com.br/exibetexto.php?cod=135897704703377000&cat=textoreg

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