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Contos-->O SUICIDA -- 26/03/2000 - 18:18 (Paccelli José Maracci Zahler) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O SUICIDA

Paccelli M. Zahler

A situação ficara difícil. Depois daquele desentendimento, sobreveio um nó na garganta e uma tristeza tão grande que, não fosse a escuridão da noite, não daria para disfarçar.
Caminhava com passos trêmulos, incrédulo, pasmado, por entre as ruas escuras. Tinha uma vontade tão grande de ser assaltado e ferido naquele momento ou, quem sabe, atropelado e morto por um carro no meio do asfalto.
Estaria sonhando? Jamais esperara que Cristina dissesse o que lhe havia dito. Tudo parecia um pesadelo. A cidade rodava, o calor da noite de verão o sufocava. No céu, mal podia distinguir as estrelas. Não podia ser verdade o que acontecera, não podia! Estiveram juntos há tanto tempo, por que logo agora ela resolvera colocar um ponto final em tudo? Realmente, não dava para entender! Poderia ter sido apenas um momento de irritação dela, ou não? Seu pensamento percorria o passado, o presente e o futuro, sem deter-se em nenhum período. A vontade era mesmo de sumir, de morrer.
Chegou até a beira da calçada e avistou um ônibus. Correu até a parada. Que azar, era um caminhão! Um avião acabara de passar, com luzes vermelhas piscando e fazendo um tremendo barulho. Uma pena não ter sido um disco voador, pensou, poderia ter um contato imediato de terceiro grau ou ser abduzido e levado para outro planeta. Será que Cristina sentiria sua falta? Uma coisa era certa, no outro dia seria a principal manchete dos principais jornais do país. Talvez, dessa maneira, Cristina reconsiderasse sua posição. Estava difícil entender.
O ônibus demorou a aparecer. Era quase meia-noite de uma noite inesquecível. O nó na garganta ainda não estava desfeito. Sua aparência devia estar péssima, ridícula, pois os passageiros não tiravam os olhos dele. Não ligava pois de que adiantaria? Sofria muito. Uma desagradável surpresa, o típico presente de mau gosto.
Lembrava-se que , horas antes, saíra entusiasmado de casa. Recebera um telefonema dela confirmando o encontro. Chegara mais cedo em casa, tomara um banho caprichado, a barba fora feita com um esmero todo especial porque não via hora de encontrar-se com ela.
Saiu de casa assobiando. Comprou um buquê de rosas vermelhas na floricultura da esquina e partiu em direção à casa de Cristina. Seu coração batia forte e as mãos tremiam. Há cerca de três semanas não se viam porque ela havia viajado. Tocou a campainha e seu coração acelerou. A porta abriu-se e lá estava ela. Nenhum beijo, nenhum abraço, não recebeu as flores. Foi direta ao assunto, rápida e rasteira: "Não quero te ver mais!" Foi a única frase que conseguiu ouvir entre uma saraivada de outras tantas pois sua cabeça começou a girar. Parecia drogado. Quando deu por si, estava diante da porta de sua própria casa.
Entrou, foi até o banheiro, lavou o rosto e as mãos. Sua aparência estava horrível por isso os passageiros do ônibus não tiravam os olhos dele. Parecia um vampiro, um lobisomem em sexta-feira treze.
Dirigiu-se até a cozinha e fez um chá de camomila com capim santo para acalmar-se. O sono foi embora. Ligou a televisão. Não teve sorte. O filme era um porre. Tentou ler alguma coisa. Não adiantou. Uma idéia percorreu-lhe o pensamento - suicídio! Mas, de que forma? O veneno ficaria queimando por muito tempo no estômago. Era muito sofrimento para juntá-los aos seus. Um tiro faria um buraco na sua cabeça ou no peito, correndo o risco de errar o alvo e passar vexame quando todo mundo descobrisse o motivo. A forca iria deixá-lo com o pescoço esticado, a língua de fora, olhos esbugalhados, roxo, frio e, só em pensar em morrer asfixiado, sentia falta de ar. E afogado na banheira? Pelo menos morreria limpo.
Encheu a banheira com água morna e mergulhou com roupa e tudo. Sentiu falta de ar, bebeu um pouco de água, o nariz ardeu, não agüentou. Saltou fora logo. Havia outra solução - comprimidos. Tomaria uma dose elevada de barbitúricos e morreria sem perceber. Procurou em vão e não encontrou o vidro no armário. Desistiu da idéia e foi deitar-se, remoendo pensamentos até que adormeceu vencido pelo cansaço.
Ao acordar pela manhã, sentia uma dor muito grande no peito. Ainda estava incrédulo, o corpo doía muito, como se tivesse levado uma surra.. O nó na garganta ainda não se havia desfeito. A fome era grande, mas o abandonou na hora do desjejum, e assim foi o dia inteiro.
As reações mais estranhas, os sentimentos mais esquisitos, a vontade de encontrar Cristina, esclarecer tudo, tentar mais uma vez... e isso não era mais possível. No entanto, foi tomado por uma repulsa muito grande. Passou a sentir-se traído, usado, jogado fora, uma coisa inexplicável. Pegava no telefone e não conseguia discar. Mesmo que a visse, não teria assunto, nada mais havia para falar. Fora castrado em pensamento, fala e atitudes. As palavras da namorada forma balas certeiras lá dentro, no fundo da alma. Sentia-se morto em vida!
Não a procurou mais. Pediu as férias a que tinha direito, foi para casa e recolheu-se.
Foi encontrado três dias depois estatelado no piso do banheiro, apodrecendo em meio a uma poça de sangue que as faxineiras levaram um bom tempo para remover.
Nenhum bilhete, nenhuma confidência para os amigos. Nada.
Ao receber a notícia, Cristina teve uma intuição e guardou-a para si. Ela sabia o motivo, só ela, mais ninguém. Ele lhe pertencera até o fim, fez tudo o que ela quis.
Uma felicidade súbita invadiu-a e ela não parou mais de rir e de repetir: "Ele é meu! Ele é meu! Ele é meu!..."

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