A estátua de Diana e Santa Marciana
Em Rouzocourt, lá na Mauritânia,
Em tempos do império de Diocleciano,
Vivia Marciana, jovem espontânea,
E fiel cristã, no domínio romano...
Um dia, vindo buscar água nos potes,
Na fonte próxima à porta Tipásia,
Viu ali colocada entre archotes,
A estátua de Diana em pose sabázia...
E vendo as águas límpidas a correr
Sob a estátua da deusa mitológica,
A jovem ermitã não pode entender
O culto à helênica deusa? Sem lógica...
Diana, Selene, Hécate... triformes..
Ártemis...deusa da caça, e da Lua...
A Natureza em metáfora dorme!
Marciana não controla a raiva sua...
Lutando contra aquela idolatria,
Quebra os dois braços da deusa, Marciana,
E logo após derruba a estátua fria...
Em muitos cacos ficou ali Diana...
Em instantes a multidão irada
Se forma e atira pedras à cristã!
Marciana corre ao templo atordoada
Ao templo da cultuada deusa pagã!
E lá entrou aos brados e com voz firme,
Proclamou sua fé no Deus vivo em Cristo,
Aos sacerdotes pagãos que confirme
A pena à ousada eremita por isto...
Ela então foi levada aos gladiadores,
Por horas serviu a infâmias e joguetes,
Mas resistiu altiva em sua fé a essas dores,
E um deles se converteu sem falsete...
Irados os sacerdotes ao tribuno
Carregam Marciana em julgamento,
E se define o dano inoportuno,
Entregue às feras do circo sangrento!
O povo no espetáculo horrendo
Esperava já o terrível martírio,
Ansioso de ver a cristã sofrendo,
Pois esse era o tempo do pagão círio.
E amarrada ao tronco ao centro do teatro
Viram todos, um grande e forte leão,
Já pular-lhe ao peito, porém as quatro
Patas recua, e mansa eis a fera então!...
Ao ver, parte da terrível platéia,
Muda o semblante e pede seja solta
A prisioneira infeliz plebéia,
Mas sua pena está ao cabo desenvolta...
Outra fera é posta na vil arena,
É um tão grande e raivoso rubro touro,
Mas a vítima se mostra serena,
E ora, a já ver o paraíso vindouro...
Os chifres da fera acertam-lhe o peito
E abrem-lhe sanguinolenta ferida,
Mas ainda resta à vida um fio estreito,
E soltam um leopardo na partida!
Com ferocidade o animal veloz
Arranca-lhe os braços e enfim a morte
Chega à pobre no espetáculo atroz...
Quanto foi a fé para que isto suporte?
Barônio conta no martirológio
Tal sucedido a 9 de janeiro...
No breviário moçárabe e hagiológios
Se cantam hinos alvissareiros...
No entanto, eu cá pensando com botões,
Em nosso tempo, já de liberdades
Conquistadas e de novos sermões,
De mui respeito às religiosidades...
Se talvez faltasse à Santa Marciana,
Um pouco perdão e um de tolerância
Para com aqueles devotos de Diana...
E assim aplacasse sua pura ânsia...
Mas, por outro lado, também não era
Este o fado dado pelos sacerdotes...
Rude, dura, desumana e austera
Pena... Não foi justa a pena e o mote!
Se imaginarmos a existência dela,
Da alva divindade Greco-romana
Ou ao menos, como símbolo revela
Que não era essa sua caça, a alma humana!...
E há simbologia naquelas três feras!
O Leão que se apascenta ante a santa,
Foi a fera pelo Leão de outra esfera
Tocada... o Leão de Judá se levanta!
Ao rubro touro estava o sacrifício
Trocado! O Minotauro redivivo!
E o leopardo, Shezmu trás malefícios,
A execução nos cultos primitivos...
Assim, me significa essa moral,
A tragédia desta santa louvada,
Tolerar cultos doutros afinal,
Mesmo que a nós pareça coisa errada!
Se não contém sacrifícios mortais
Se não afronta aos direitos humanos,
Tolerem estes diversos rituais...
Não pode a fé cega e sem justos planos!
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