Alice tinha sete anos quando morreu. Estudava no primeiro ano do primeiro grau da Escola Estadual Dona Villalva. “Ela era uma aluna tão inteligente quanto esperta”- declarou a única professora durante o enterro. Alice não faltava à escola e foi ali, depois do recreio, começou a reclamar da vertigem, uma tontura pregava os olhos, de um enfraquecimento na perna esquerda. Os professores não souberam bem a causa do mal estar, mas desconfiaram de que Alice levara uma pancada na cabeça quando, em certo momento, ela não soube mais responder onde morava, quantos anos tinha, qual o seu nome completo. Levaram-na prontamente ao hospital municipal e a menina morreu poucas horas depois.
Na verdade, os pais de Alice não esclareceram a verdadeira causa do óbito da menina. Eles eram muito jovens, ainda não tinham marcas de doenças na memória (somente idosos marcam doenças ao lado da uma coleção de selos: o câncer é um “Olho de Boi”). Assim, na hora do velório de Alice, o ato mais significativo do pai foi agradecer as duas amiguinhas da filha por terem sido amiguinhas da filha e o ato mais tocante da mãe foi contar para alguns presentes que, uma semana antes, levara a filha ao dentista e na sala de espera, vindo de um aparelho de som, tocara a canção “She’s leaving home” dos Beatles. A mãe disse ter se impressionado, pois apesar do pouco tempo de inglês na escola, Alice traduziu a letra da canção. Falava sobre uma filha saindo da casa dos pais. A mãe repetiu o refrão e concluiu:
- Alice acabara de sair de uma casa. Saiu da nossa casa agora que morreu!
As coincidências do mundo eram muitas. A mãe encerrou:
- Minha filha parece estar agora dentro daquela canção dos Beatles.
Domingo, dia 17. Alice faleceu de causas naturais. Tinha sete anos. Deixa pais e um irmão.
Dois dias depois a mãe começou a pensar também no retorno da filha à proteção do seu útero. Esconder-se ali novamente, como uma espécie de segredo.
- O segredo é outra canção dos Beatles – concluiu a mãe ainda perturbada.
DO LIVRO:"TOUROS EM COPACABANA"
