Velório de anjo
maria da graça almeida
O suor descreve curvas
e indicia nuvens turvas.
Se as mãos são férreas luvas,
o olhar será de chuva.
Sobre o leito rude, tosco,
o nascer queda-te fosco.
Na penumbra do aguardo,
fraco, o pulso lesa o fardo.
Arco duro inibe o dardo.
Funda a voz, silente o parto.
Em um peito desvalido
jaz o sangue, adormecido.
Na chegada, paira a morte!
Farto o azar ou cega a sorte?
Carne rija e sem vida...
uma prece interrompida.
Voa leve, voa ágil,
larga o corpo, débil, frágil.
Corta o espaço singra os mares,
sê feliz em outros ares.
Uma vela moribunda
de odor o quarto inunda.
O soluço jardineiro
rega o anjo por inteiro.
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