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Contos-->A morte do vira-lata -- 11/08/2017 - 21:26 (BRASIL EUGENIO DA ROCHA BRITO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Intróito: Tendo colaborado em jornais como em “A Tribuna” de Santos-SP com certa regularidade desde 1977 até 1981 e, após, apenas esporadicamente até o final da década de 80 do passado século, ocorre que, a exemplo também de outras pessoas, continuei com uma espécie de compulsão para registrar muitas coisas que pela cabeça me passavam. Assim, nesse período iniciado nos anos 90, eu passei a escrever muitas crônicas ou contos, fossem registradas em manuscrito ou mesmo datilografados. Fui engavetando tais escritos, a maioria dos quais terminados, inclusive com títulos já apensados, outros digamos 90% realizados, faltando os devidos fechos. Consultando tais textos agora, ao meio do ano de 2017, constato que eles, bem como outros que nos anos 80 ou 90 figuraram em publicações de circulação restrita, como o foram vários que escrevi para o jornal da nossa Associação de Engenheiros da SABESP estariam, na maior parte das vezes, profundamente datados, como que grudados às condições do contexto da época em que foram produzidos, pelo que não seria desejável e oportuna sua publicação nestes dias. Já, por outro lado, vários dos comentados textos não exibiam tal muito profunda ligação com as épocas em que foram concebidos. Assim, poderíamos introduzir pequenas alterações que à essência do texto não viriam trazer conturbações. Tais textos, com tais pequenas reformulações, viriam a ser perfeitamente entrosados com a realidade atual, como se fossem pensados/ideados nestes dias. Este conto, “A morte do vira-lata”, foi 1 dos 3 contos com os quais concorri, no início do 2ºsemestre de 1980, a um concurso interno aberto para todos os funcionários, da ativa e aposentados da SABESP, para contos inéditos, julgados os participantes por 3 membros escritores ou críticos brasileiros de renome. Com este texto, me coube o prêmio de 2º.lugar no Concurso, o qual teve uma repercussão adequada para as condições existentes já na origem. Como é do meu feitio, tal texto (tanto o originalmente em 1980 produzido como também este reformulado) contem 90% de fatos que realmente ocorreram comigo desde meus 08 anos de idade até principalmente nas décadas de 70 e 80. Até mesmo o “sonhar acordado sobre o tribunal dos bichos” eu, ao imaginá-lo, parti do quanto me marcou um despretensioso desenho animado “made in U.S.A.” o qual foi muito repetidamente exibido na TV desde os anos 60 até os 90. A percentagem preenchida pela pura ficção assim é mínima neste conto. Diria que, se ao se construir uma parede ou muro de alvenaria, ao erguê-lo a partir do uso de tijolos comuns e assentados com argamassa de cimento/areia/água, evidentemente os tijolos compõem a parte digamos essencial da obra e a argamassa a parte complementar que liga aqueles componentes/tijolos, assim ligados/concatenados por outra parte de importância menos decisiva, mas altamente oportuna para a correta/adequada realização do todo que será a obra. No presente caso deste conto considero que a parte dele componente que corresponderia à argamassa de assentamento (em tal paralelismo) é aquela correspondente à ficção de que me servi para construir este particular conto, enquanto todos os tijolos usados foram relatos de eventos reais , ou apenas afetados por pequenas oportunas alterações. Correndo ainda o risco de me tornar prolixo e/ou paulificante, no insistir em prolongar tanto um introito que, geralmente, costuma ser breve, caberia dizer algo para elucidação àquelas pessoas leitoras que bem me conheçam e que estranharão o fato de eu tanto falar sobre os animais que amei, sem fazer qualquer menção à adorável Honey que comigo conviveu desde quando em abril/2011 a adotei (já muito idosa e com problemas de saúde, inclusive cega) até seu falecimento em julho/2015. . A razão desta exclusão dela deste conto é que não saberia adequadamente lidar com os problemas de vir a comentar, ainda que de modo breve, de seu convívio comigo e principalmente com dois de meus bisnetos, que foram tão a ela chegados. Espero que isso bem possam compreender e, deste modo, sigamos em frente.





Recentemente considerei que conviria presentear a mim mesmo e minha esposa Rita comprando para nós um carro novo. A perua Palio Weekend/Adventure 2011 implorava por substituição. Após muitas conversas, muitas idas a concessionárias examinando quer carros O km ou seminovos, saí da loja com um Honda Fit Zero, automático, a princípio para melhor experimentá-lo . Assim, entrei no trânsito da movimentada avenida com extrema cautela, tomando a faixa da direita na qual por bom tempo não ultrapassava os 30/40 km por hora, consciente quanto a que eu precisava me acostumar a dirigir o novo carro. De repente, atravessando a avenida surge um vira-lata . Tudo ocorrendo numa fração de segundo, olho pelo retrovisor continuando a ver um carro de porte avantajado quase colado à traseira do meu. Pensei então que freando à velocidade que estava, não apenas poderia causar até um engavetamento, bem como, certamente, não livraria o animal de ser atropelado, dado o espaço muito reduzido para ser realizada uma frenagem adequada. Manobrei a direção o quanto pude tentando desviar do impacto, também apertando com meu pé o pedal do breque com um esforço apenas suficiente para diminuir a velocidade (coisa que aqueles que dirigem carros bem compreenderão o que registro). Em vão foi essa minha providência, não tendo podido evitar o que se antecipava como inevitável. Um baque surdo surgiu desde sob o carro e, olhando pelo retrovisor, consternado vi rolando no meio do trânsito o corpo inerte do cachorro.
“Mirim, eu só gosto de você e da Mimosa. Juro que não gosto mais dos gatos daqui de casa “ dizia eu em 1938 ,com 8 anos incompletos lá na casa de meus tios em Caçapava(quando com eles por 10 meses residi), ao tempo em que copiosamente chorava, abraçando tanto Mirim, o mestiço de “terrier” e vira-lata, como Mimosa, mestiça de lulu e vira-lata, estes os primeiros cachorros de minha infância. Em razão de, ao abraçar um dos gatos, eu ter apertado demais o bichano, segurando-o em meu colo, ele me enfiou as garras junto ao pulso, fato que trouxe um susto para meus tios e uma corrida nossa até o posto médico para efetuar curativos e avaliarem o problema acontecido. Mirim era um gaiato, meio feioso, muito esperto. Muitos anos depois, quando comecei a nos cinemas ver filmes do Cantinflas, o genial cômico mexicano, eu me lembrava de imediato do Mirim. Que coisa esquisita para se sustentar isso de encontrar semelhanças/paralelismos entre um cachorro e um ser humano... No entanto, para mim tais ligações existiam.
“Padre ! Quando morre um cachorro ele vai pr’o céu ? – isto é, se ele for bonzinho, é claro “. – “Não, meu filho. Isto de céu, inferno e purgatório a Igreja ensina que é só para os humanos, pois nós possuímos alma. Os demais animais não possuem alma, segundo nossa religião, e sim possuem “princípio vital”. Por isso, meu filho, a Igreja permite que os homens usem carnes de animais na sua alimentação, pois os animais, como criaturas de Deus que são, devem ser tratados com carinho, mas não são dotadas de alma.”
Puxa ! Mesmo lembrando desses ensinamentos que naqueles dias de 1938 recebi do Padre Monteiro, lá em Caçapava, não há como fugir à sensação de me julgar um criminoso por ter, mesmo com atenuantes, pelo menos ter maiúscula colaboração no evento da morte desse vira-lata que repentinamente atravessou a Av. Conselheiro Nébias. E agora, este Honda Fit que estou experimentando, deveria eu ficar com ele? Racionalmente sei que ele é apenas um engenho por mim dirigido, estupidez seria considera-lo culpado (??) em grau qualquer pelo ocorrido. De qualquer modo, que chato é ter um carro novo que, logo aos primeiros minutos de teste comigo, veio a se tornar instrumento de um canicídio (existirá este termo?) .
“Está aberta a terceira sessão do júri deste ano de 1968. Em pauta a ação do Ministério Público contra o réu Sr. Josias da Conceição”. Todos nós, os convocados como jurados e todo o público presente, nos pusemos de pé, à entrada do juiz no recinto. Logo mais o juiz faz proceder o sorteio dos jurados, acontecem as dispensas por impedimentos vários, até que estando por se completar o corpo de 7 jurados para os trabalhos do dia, eu já me permiti pensar comigo : desta vez escapei ! Sorteada então a última papeleta o meirinho anuncia meu nome em alto e bom som. Meneios afirmativos das cabeças do promotor e do advogado de defesa sentenciam que eu não sou recusado, pelo que já começo a subir a escada de poucos lances para mais outra vez vir a participar como jurado. Acomodo-me junto aos outros 6 jurados, pensando mais outra vez de quanto desconfortável, no sentido mais amplo que esta palavra engloba, será mais este dia, com possíveis dores de cabeça e a também possível irritação causada pelas arengas paulificantes com que nos brindam alguns advogados que, pelo que pessoalmente julgo, não compreendem de como seria o modo mais oportuno/correto de tentar persuadir um corpo de jurados com certo nível médio de instrução, para o qual a falsa pirotecnia, o “falar bonito”(!?) de modo algum funcionam. O maiúsculo incômodo, entretanto, reside nisso que em suma vem a ser o papel reservado a nós, os jurados. Sim, isso de vir a ocorrer que, de um momento para outro trocamos o nosso cotidiano, vivido como uma pessoa que se considera apenas mais um ser humano, conscientemente tido como dotado concomitantemente de bons atributos e falibilidades (estas pesando negativamente contra nossa possível avaliação pelo Ser Supremo), por outra condição na qual recebemos da sociedade um poder tão maior, quase como os de Zeus/Júpiter, deuses mitológicos que detinham inclusive o poder de vida/morte sobre as pessoas, é algo assustador(para se dizer o mínimo). Que peso passa a carregar um jurado consciente, sentindo a enorme responsabilidade de que é assim investido !
“Os senhores agora recebem duas papeletas, uma escrita SIM outra NÃO. Evitando quebrar o sigilo necessário os srs. vão colocar uma só das papeletas, que corresponderá a seu voto, na urna que farei o oficial de justiça passar pelos seus lugares”, diz o juiz. “ A cada pergunta que formularei. os srs. assim agirão, tendo ainda o cuidado de reter, sem quebra de sigilo, repito, a outra papeleta. Tão logo se apurem os votos, farei novamente passar a urna vazia, para que nela coloquem a papeleta antes retida, pelo que, ao oralizar eu o próximo quesito, os srs. já estarão novamente de posse de um par de papeletas SIM/NÃO.”
Apurada a votação do quesito mais decisivo, o qual balizará a sentença final do juiz, o resultado veio a ser tal que o réu foi então condenado por 4 votos a 3. Tendo eu sido um destes que votou por tal condenação, voltei a me questionar -- como também antes da votação já o fizera – sobre a correção/incorreção da atitude por mim tomada. Teria eu o direito de condenar ? Bom, pensei, além de tudo aquilo que pude constatar ao ter sido a minha vez de poder consultar os autos do processo, coloquei especial observação nos debates entre promotoria e defesa. Mais que isso, muito me vali de assistir a confissão espontânea, pública, tão chocante feita pelo réu ao momento de ser, bem ao início da sessão do júri, assim inquirido pelo juiz : “E por que o sr. assim agiu, contra a 1ª. vítima e logo contra a 2ª. vítima, dando dois tiros de revólver, um em cada um deles ? “ “É dotô, foi que eu endoidei...”, afirmou o réu. Sim, o próprio réu confessou, de um jeito um tanto despreocupado, isso que era a autoria de um crime atingindo duas pessoas. As argumentações sustentadas na sessão pela defesa me pareceram inconsistentes e inconvincentes. Por certo, julguei com plena convicção e isso me faz sentir leve, sem qualquer peso na consciência.
Se um júri parecido a este fosse porventura montado no céu dos animais e lá eu fosse julgado, a exemplo daquele velho desenho animado que tantíssimas vezes assisti na TV desde os anos 50 até talvez final dos 90, então pela morte do vira-lata que atropelei, como tudo aconteceria quanto a tal julgamento e o veredito final ? Seria eu condenado ou absolvido ? A meu favor certamente poderia contar com os depoimentos de Mirim, Mimosa e Tibúrcio (o potrinho a mim presenteado em 1936 pelo meu avô Rocha Brito, lá em Caçapava), também do Rajá, gato mestiço de angorá que minha mãe possuía nos anos 50/60, da Larissa Fiodorovna, a mini-tartaruga que foi de meu primogênito Cláudio. No ano de 1969, ao morrer, foi ela enterrada por nós na areia da praia, com um muito comovido adeus de um garotinho à sua amiguinha. Penso que todos estes, se arrolados como testemunhas de como eu teria sido tão amoroso, se constituiriam num bom trunfo visando as coisas poderem correr a meu favor. É , mas não posso esquecer do caso aqui já contado dos gatos lá de Caçapava, os quais certamente seriam testemunhas contra mim . E aí, nisso tudo tão loucamente imaginado, me pergunto se teriam direito a depor pernilongos, baratas, moscas, etc , os quais, a exemplo de 99,99% dos seres humanos, eu os terei aniquilado às centenas, milhares. Isso valendo, não haveria como qualquer ser humano, nesse tribunal dos bichos, escapar à condenação, talvez somente dela fosse poupado, entre os humanos, São Francisco de Assis...
Já é tempo de voltar com o Honda Fit á concessionária.
-- Como é, sr. Brito, aprovou esta belezura de carro ?
-- Não vou negar que gostei dele. Entretanto só fecharei o negócio se vocês valorizarem o atual carro meu que será dado como entrada, certo ?
Volto a meu cotidiano, em especial à minha vida centrada na família. Entretanto, estou me sentindo um iniciado nas descobertas do carro novo, tão pleno de novas coisas como câmera de ré, módulo com tela de 7” ,GPS , rádio e TV , bluetooth, acionamento elétrico de retrovisores laterais, câmbio automático tipo XPTO e sei lá mais o que. Tudo isso acentua o fato de, já desde alguns anos para cá, eu ter concluído ser atualmente um dos poucos seres analógicos rodeado por tantos seres digitais neste século XXI ... No entanto, muito difícil está isso de conseguir afastar de vez de minha mente a cena do atropelamento do vira-lata e todas as consequências desse infausto acontecimento, que tantas minhocas trouxe para entrarem e saírem de meus pensamentos .
Rogo a vocês, meus sempre lembrados Mirim, Mimosa, Tibúrcio, Rajá e Larissa que, aí onde hoje estão, venham a bem receber e ainda se tornarem muito bons amigos desse cachorrinho que recém nesse lugar está chegando. Já que não existe modo de isso a mim virem a prometer, que, talvez em nome daqueles tão belos sentimentos que entre nós existiram nesta vida terrena, tomem tal compromisso de maneira muito empenhada, de coração lhes peço..
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