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Contos-->INFERNO - REVELAÇÕES DO DIABO -- 23/11/2017 - 17:54 (ALEXANDRE MOTTA JUSTO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



Eu morri e fui recusado no céu. Sei disso porque fui direto para o inferno.

Solicitei uma audiência com Deus, mas ele devia estar ocupado demais para mim, pois não me respondeu. Então solicitei uma audiência com Jesus, mas este não quis nem saber o que eu tinha a dizer. São Pedro? Se o chefão e seu filho recusaram-se a me ouvir vocês acham que ele teria cu para me atender? Nunca tive uma resposta e hoje eu sei a razão.

Mas foi bom, pois fui direto falar com o Diabo e nessa conversa descobrimos que temos muitas coisas em comum. O Diabo não é tão ruim quanto pensam. Aliás, o que Satã me revelou é algo tão chocante que mudará a concepção de vida de cada um de vocês. Isto é, se vocês conseguirem acreditar no que o Diabo me revelou.

No início pensei que tinha sido muito bom não ter falado com aquele a quem chamamos Deus. Ele ia ficar de mimimi, ia me chamar de filho e ia ficar escolhendo as palavras certas para tentar me consertar:

- Meu filho, eu te avisei que...

- Me avisou? Você nunca apareceu para me falar nada!

- Eu mandei meu filho mais amado há dois mil anos e...

- Ah, você ama mais Jesus do que a mim (ia começar a zoar)! Quer dizer que você tem um filho preferido, né? Porque ele é seu preferido?

Bom, vou parar por aqui, pois a conversa com o Diabo foi mais interessante e, como disse, assustadoramente reveladora.

Então vamos ao Diabo e à minha conversa com ele.

Cheguei no inferno meio puto, mas eu já sabia que nunca iria para o céu. E sabem porque? Porque eu sou um escroto. Eu sempre quis viver a vida intensamente e praticamente nunca me preocupei com as consequências dos meus atos. Quantas vezes não me preocupei com os sentimentos dos outros; quantas mulheres me amaram e eu traí a todas, sem exceção. Me casei quatro vezes e todas as vezes em que o amor acabou eu simplesmente fui embora sem me importar. Ah sim, meus amigos, eu bebi até eu não lembrar quem eu era e onde estava, eu me droguei até quase morrer, eu fodi a mulher do próximo, eu neguei ajuda no momento em que me estenderam a mão clamando por auxílio, eu trapaceei em todos os aspectos da minha vida, eu esmurrei todas as caras que tive vontade de esmurrar e apanhei pra valer um sem número de vezes. Sim, eu pensei que estava no inferno pelos meus defeitos, pelos meus erros, mas só depois eu descobri a assombrosa verdade.

Satã estava sentado em uma poltrona negra de forma elegante. Parecia Michael Corleone no filme O Poderoso Chefão e na frente dele uma poltrona vinho parecida com a que se sentou Morpheus em Matrix. Sentei e relaxei.

Satanás é como você imaginar. Pode ser um cara alto, vermelho, com chifres e segurando um tridente ou pode ser um sujeito comum, de cavanhaque e de terno preto bem cortado. Imagine o seu. O meu era alto, forte, vermelho, chifrudo, não segurava um tridente e, que merda, estava nu. Não queira ver o meu Diabo nu. Se você tivesse poderes para ter um pênis do tamanho que quisesse o que você faria? Pois é, foi o que o Diabo fez.

Ele olhou para mim e simplesmente disse: “Como vai? Sente-se”. Sinceramente eu esperava ouvir algo fenomenal, uma coisa diabólica, digna do Diabo, ser torturado, queimar no fogo do inferno como a gente aprende aí na terra, mas ele foi simpático e não, não deu uma gargalhada diabólica. Apenas ficou me olhando caminhar e me sentar naquela poltrona vinho e desbotada.

Sim, sim. Não sei se tem alguma importância para vocês, mas Ele me recebeu em uma espécie de caverna com um grande lago azul. O único indício de fogo eram pequenas bolas de chamas flutuantes que simplesmente iluminavam aquele lugar sem alterarem a temperatura agradável.

- Pois é né...Seu...Seu Diabo – disse eu batendo as mãos nas coxas e olhando ao redor sem coragem para encarar o Satanás.

- Meu rapaz, vamos deixar as formalidades de lado – disse Ele – isso é coisa de vocês lá na terra e do lugar que vocês chamam de paraíso. Aquele a quem vocês chamam Deus é que supostamente adora formalidades: listinha para entrar, anjinhos cantando e um tal de Pedro na porta.

- Sabe o que é Satã? Eu estou meio confuso sobre essa coisa de Céu e Inferno, de que os bons vão para o céu para uma vida de felicidade e de que os maus vão para o inferno para uma vida de eterno sofrimento. Então eu chego aqui e sou bem recebido por você...quer dizer, pelo Senhor...

- Você, você! Me chame de você. Senhor, Doutor, Barão, Mestre, Majestade, Excelência são apenas palavras que as pessoas usam desesperadamente em seu mundo para se diferenciarem umas das outras: “Eu sou do grupo dos ‘doutores’, portanto sou melhor do que os que não pertencem a esse grupo”; “Oh, como ousa um reles faxineiro me chamar de você? Ele deve me tratar como ‘Senhora’, ora pois”. São simplesmente palavras que estabelecem uma diferenciação ficcional. É o velho modo que os humanos e outras formas de vida no universo encontraram de reduzir o número de pessoas do grupo ao qual pertencem para parecerem especiais.

- Outras formas de vida no universo? Quer dizer então que...

- Sim garoto, mas isso não é o importante agora. Deixa para depois.

- Tudo bem, Satã, você pode me explicar algumas coisas, então?

Aprendam uma coisa sobre o Diabo: se você deixar (e, convenhamos, tem que ter muita coragem para não deixar) ele fala a noite toda (e a noite no inferno pode ter doze horas ou cinco milhões de anos). Até agora não entendi essa parte.

- Está com tempo? – perguntou o Diabo – porque vou te contar uma história. Vou tentar ser breve.

Foi aí que eu tive alguns pensamentos.

A primeira coisa que pensei foi: quem em sã consciência vai dizer para o Diabo que não está com tempo e que é para ele contar qualquer história para outro idiota.

A segunda coisa que pensei é que eu não saberia o que fazer no inferno se me levantasse naquele momento da poltrona.

E a terceira é que Ele sabia o que eu estava pensando porque ele deu uma mexidinha com o canto esquerdo da boca como quem prende o riso.

O Diabo, além de ser o Diabo, é um tremendo de um sacana. Também pensei isso naquela hora e ele mexeu de novo de leve com o canto da boca e me olhou de um jeito simpático.

Essas mexidinhas no canto da boca foram desconcertantes.

- Filho, eu vou te fazer uma revelação muito séria. Talvez seja o segredo mais importante do seu planeta e da sua dimensão. Mas só é segredo porque vocês são burros demais para perceberem que foram enganados o tempo todo e para enxergarem a verdade que sempre esteve estampada na frente dos seus narizes.

Confesso que gostei do jeito que ele falava. Parecia um velho amigo. E isso me deixou muito à vontade. Tive vontade de perguntar o que ele quis dizer com “dimensões”, mas fiquei calado.

- Relaxa nessa poltrona, preste muita atenção no que eu vou falar e, principalmente, não me interrompa. A grande verdade que nenhum de vocês jamais enxergou é que eu não sou um anjo decaído. Jamais fui. Aquele a quem vocês chamam de Deus simplesmente não existe. Ele é apenas uma invenção do homem. Sim, meu jovem, EU sou o criador de todo o universo e de tudo o que nele há. EU criei todas as condições para que o universo se desenvolvesse e para que a vida nele, das formas mais simples às mais complexas, surgisse.

Obviamente eu não acreditei em nenhuma palavra do que Satã estava me falando. E dessa vez não houve um risinho preso: ele olhou para mim com profunda seriedade e continuou.

- Deixe-me explicar uma coisa. Eu nunca criei diretamente uma forma de vida. Um ser vivo nunca saiu pronto das minhas mãos. Em centenas de bilhões de planetas dentre um número inimaginável dos planetas que eu também não criei eu deixei prontas as condições para que a vida surgisse. Em alguns planetas ela nunca surgiu apesar das condições favoráveis; em outros ela surgiu para logo se extinguir; em tantos mais a vida aflorou, mas nunca evoluiu; mas em outros planetas a vida surgiu, se desenvolveu e continua evoluindo ou depois de milhões de anos se desenvolvendo apenas morreu. Isso tudo sem qualquer interferência minha.

- Quer dizer então... - estava tão assustado que esqueci da ordem para não o interromper.

- Exatamente! Que eu não criei a vida, nem mesmo a vida inteligente. Eu apenas criei as condições para que ela surgisse. E o surgimento da vida, como você já percebeu, foi obra do acaso. E também não criei os planetas: eu apenas criei as condições para que tudo o que existe no universo surgisse.

- Então...

- Você e todos os seres vivos do seu planeta não nasceram com uma razão. Vocês não têm uma missão nessa vida. Não existe destino, não existe uma razão para vocês existirem. Vocês são fruto do acaso, de um acidente, de uma colisão entre elementos sem vida. Vocês são totalmente descartáveis na natureza. Sinto dizer, filho, mas para o universo vocês não significam nada.

Vocês devem concordar comigo que essas revelações foram desanimadoras. Primeiro eu fico sabendo que o Diabo é Deus e que Deus é uma criação da imaginação humana; depois eu fico sabendo que quem criou tudo o que existe, ainda que indiretamente, foi o Diabo; e ainda fico sabendo que ninguém criou o homem, que somos uma obra do acaso e que a conclusão disso é que a vida não tem qualquer sentido. Convenhamos: é um golpe na vaidade, no orgulho, na prepotência, na arrogância humana.

Mas ainda tinha mais.

- Agora vem a parte mais interessante. Eu não sou bom nem mau. O bem e o mal não existem. Foi tudo invenção dos homens. Desde cedo vocês precisaram acreditar que havia algo, uma inteligência superior que os criou, que os protegia ou os castigava e a quem vocês deviam inquestionável obediência. Então o homem criou deus. Um único deus ou muitos deuses, e da mente humana surgiu a crença de que esses deuses os ajudariam apenas por amor ou mediante um sacrifício qualquer, de que a vida ou a morte estariam em suas mãos, a crença ingênua de que o sacrifício de um animal poderia garantir o sucesso da colheita ou evitar a morte de um ente querido.

Minha mente estava girando em um universo de pensamentos, sentimentos, emoções. Mas não tive tempo para organizar tudo isso, pois ele não parava de falar.

- E com a criação dos deuses surgiram os seus representantes no planeta. Alguns realmente acreditavam que tinham um contato especial e direto com os deuses; outros, porém, sabiam que não possuíam esse dom. E esses homens, por sua vez, criaram as leis dos deuses que deveriam ser seguidas cegamente por todos. Nisso todos acreditaram e continuam acreditando. E para garantir que todos seguissem as leis dos deuses foi preciso criar a ideia do certo e do errado, do bem e do mal. E aqueles que agissem contra as leis dos deuses sofreriam castigos terríveis e para castigar os desobedientes os homens me criaram.

- Isso tudo soa absurdo...não que eu não esteja acreditando, mas...é horrível. – não me contive e o interrompi e pensei que estava desobedecendo uma regra de Deus. E ele sorriu para então continuar.

- Veja que situação curiosa: o homem criou os deuses; depois o próprio homem criou as leis divinas e com elas a ideia do bem e do mal, do agir conforme as regras (o que caracterizava o bem) e do agir contra as leis (o que caracterizava o mal). E para castigar aqueles que desobedeciam às leis dos deuses, ou seja, para aqueles que fossem maus, que caíssem em tentação, que optassem pelo mal eles me criaram. Vocês me descobriram através de uma mentira, de um ou vários deuses que simplesmente não existem e suas leis que foram inventadas por vocês, através da ideia do pecado.
- Então de qualquer forma existe um Deus! Você é o verdadeiro Deus! O Criador de tudo! Você criou tudo o que existe, ou pelo menos criou as condições para que tudo pudesse existir. Você deve ter criado leis. Você...

- Eu não sou um deus. Sou mais complexo do que isso. Sim, eu sou o Criador, mas o criador das condições e não das coisas e da vida. E sim, criei leis, mas apenas as leis que regem o universo, mas jamais criei leis para os seres vivos. As leis de deus que vocês seguem são as suas leis. O pecado é apenas a desobediência às suas próprias leis e...

- Mas e o bem e o mal?

- Eles existem apenas em suas mentes. Eu jamais criei o bem e o mal. Existem mundos em diversas dimensões onde esses conceitos não existem. O bem e o mal, a virtude e o pecado simplesmente limitam as suas vidas no planeta terra. Vocês poderiam ser mais felizes se vivessem apenas com as leis terrenas, aquelas criadas explicitamente pelo próprio homem para regular o funcionamento da sociedade, mas vocês preferem inutilmente sufocar a sua natureza, os seus instintos para depois clamarem perdão aos seus deuses. Eu lhe garanto: nenhuma lei é mais desrespeitada do que as leis dos seus deuses. Vocês se enganam quando pensam que seus supostos pecados serão perdoados quando sacrificam um animal, quando doam bens, quando vão aos templos ou quando os confessam aos representes dos deuses na terra. E se enganam porque simplesmente não existem os seus deuses, porque não existem leis divinas, porque não existe o bem e o mal, porque não existem pecados a serem perdoados.

- Mas ainda que não existam o bem e o mal muitas pessoas matam, roubam, estupram. Isso não é o mal?

- Não é o mal, tampouco o bem. A realidade é que eles fazem as pessoas sofrerem ou tiram-lhes as vidas terrenas, mas violam as leis dos homens, jamais leis sobrenaturais. Aquele que deseja a mulher do próximo pode estar violando uma norma criada por vocês, mas para a natureza e para mim erro algum está cometendo e punição alguma receberá.

- Então não importa o que façamos todos virão para o Inferno?

- Todos virão para cá, para este lugar que você chama de inferno e que eu chamo de primeira dimensão. Todas as almas do universo virão para cá um dia.

- E como é a vida aqui?

- Isso você vai descobrir logo. Fique sentado aqui o tempo que quiser. Quando sair terá alguém te esperando para apresenta-lo à sua nova vida.

Disse isso e se levantou para sair da caverna. Ainda fiquei sentado por algumas horas tentando entender tudo o que ele me disse e, não sem um grande medo, tentando adivinhar como seria minha vida na primeira dimensão.
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