Usina de Letras
Usina de Letras
155 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62070 )

Cartas ( 21333)

Contos (13257)

Cordel (10446)

Cronicas (22535)

Discursos (3237)

Ensaios - (10301)

Erótico (13562)

Frases (50478)

Humor (20016)

Infantil (5407)

Infanto Juvenil (4744)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140761)

Redação (3296)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6163)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Respire fundo, o barco vai afundar -- 26/03/2018 - 01:48 (Adalberto Antonio de Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

 Viu pássaros nicando frutos na velha mangueira da  casa de Corina. Eram lembranças da sua  infância  na Tijuca.   A velha mangueira sobreviveu ao tempo e à solidão. Nova geração de maracanãs faz algazarra. E  duas meninas recolhem mangas maduras em um cesto.  “ Sonho ou fantasia?  Que é realidade? Que  é fantasia? É possível entrar nos sonhos de outra pessoa?”  —Talvez, futuramente, sim  — Respondeu a voz que se move dentro de si mesmo — Mas, enquanto a teoria não estabelecer domínio na praticidade, o controle voluntário sobre os neurônios temporal humano não passará de conjectura.    Ravenala nunca fora a Campo Grande. Sua mãe mudara-se de Minas Gerais, ainda nos cueiros, e memórias passadas, trazem-lhe à  lembrança as  grandes enchentes do rio  Saracura.
— Vi este lugar antes, disse ao pai, na primeira  vez  que estivera na Quinta da Boa Vista.
— Minha filha! Nunca vieste aqui!  Também ainda não foste a Campo Grande, mas, um dia irás conhecer a primeira morada de teus ancestrais e verás que muita coisa vai parecer-te familiar.  
Quando o pai lhe dissera isso, ela não compreendeu. Mas criança não questiona o inquestionável. Simplesmente,  deu uma mordida no algodão-doce e pediu água de beber. " Como o tempo voa!... Se o pai fosse  vivo estaria com cem anos. E ‘vô’ Generoso, centro e trinta e seis. "
— Ravinha, olha quem  pousou no capelo do navio!
— Nunca tinha visto uma gaivota tão bonita. É diferente de todas as demais. 
—Reluzente... 
— O branco e preto das penas lembram as vestes de uma freira. 
— São os mimos de Deus.
— Aquele que impôs limite aos mares, revestiu de beleza a toda obra de Sua criação.
 
 O mar é um cristal derretido, calmo e sereno
É pequeno o mundo que não tem  olhos 
voltados para o céu.
 
Silenciosamente, a gaivota alçou gracioso voo;  passou rasante muito próxima deles e  se foi. Ravenala levantou-se meio assustada. Parecia ouvir: “Vem dormir, Ravinha! É chegada a hora.”  As palavras tinham o tom e a  sonoridade da voz de Chanana, quando retirava  a sobrinha postiça do sofá e a levava, sonolenta,  para dormir  na cama. 
— Tive a impressão de ouvir vozes...
— O que ouviste?
— Vem dormir, Ravinha!... É chegada a hora.
— Que significam essas coisas, Dan?
— Talvez seja a hora. Vou te levar  para casa.
Teve medo.
 A figura de um homem estendido na rua, veio-lhe  à mente: o homem de Vila Mimosa.  Ravenala, agarrou-se ao pescoço de Daniel.
— Um homem de terno preto...Não sei se é azul ou preto. Está longe demais...
O vulto que saíra  das águas, caminhou em direção à praia, tomou um balde e repetidas vezes jogou  em Leonardo, que ardia em chamas.  A água apagou o fogo, e os dois caminharam abraçados na rua Ceará, até desaparecerem na distância da primeira  esquina. 
— Acho que me transportei para a Vila Mimosa.
—— Devemos estar no purgatório, reparando pecados.
— Confessei-me antes da viagem. 
Riu
— Por que riste?
— É que me confessei na terça-feira. E já na quinta, da mesma semana, lá estava eu para me confessar com o mesmo sacerdote.
Ele olhou intrigado. 
— Tive que explicar a razão de meu retorno tão   imediato ao confessionário.
— Minha filha...
— Sim, Padre, estive aqui anteontem e me esqueci de contar um pecado. 
— Naquele  dia, botei todos seus pecados num saco e mandei embora.
Ravenala imaginou um saco preto, cheio de pecado, sendo jogado na lixeira. 
Veio-lhe também  a visão de um Pastor atravessando a rua. O Pastor levantou a mão direita e determinou com autoridade: ‘Pare!’ Houve um lapso de memória, espaços vazios que ela só compreendeu depois que abriu o livro da vida. Nele, alguma coisa fora apagada e deixara apenas vincos.
— Que são essas marcas, perguntou.
 — Pecados confessados — respondeu o ancião que lhe assistia.  
Havia  escritos antigos, outros,  recentes. Alguma coisa anotada a tinta fresca, chamou a sua atenção: “Devota de nossa Senhora do Rosário.” Cada virtude estava gravada em cores vivas. Já os pecados, em tom esmaecido, tentavam ressurgir das cinzas e logo eram soprados pelo vento. Por outro lado, a parte que tratava da salvação, estava respingada de orvalho e escrita na primeira linha:  “Em construção.” E a partir daquele ponto,  ela não conheceu a   espiritualidade que ainda estava em formação.
Foi-lhe permitido ter  uma visão de pessoas que passaram pela vida militante e que já estavam no plano espiritual. 
Assustou-se, e deu um grito.
— Que está acontecendo, Ravenala? Mesmo em vigília, tens pesadelos?
—  Lembras-te de Ramayana?
— Sim! Já me contaste esta história: “A Vila Mimosa, um homem atropelado na rua... o motorista que  fugiu, e  o  pastor que te levou  em casa...” 
— Evite ansiedades e inquietações — disse o ancião que atendia pelo nome de Pio — essas coisas atrapalham a caminhada para a perfeição.
— Ouço o ruído de passos no soalho — disse ela.
— Mandaste colocar soalho na caverna? 
Depois  de um sorriso sem graça, ela respondeu: “Eu estava na cidade. Precisamente na casa da Rua Ibituruna, do bairro  Tijuca.”
— Bilocação?
— Digamos que fui na forma espiritual.
Fez um minuto de silêncio, depois continuou:
— Não funciona com pessoas que têm um chip na palma da mão, ou na testa.
Robert compreendeu que Ravenala falava do final dos tempos.
— Pare a tecnologia ou vais destruir o mundo -- disse ela.
Robert    conectou minúsculos plugues a uma bola energizada com elementos trazidos de MARTE, e conversou com os mortos numa língua universal que viria a ser  conhecida pelos   falantes,  somente no ano   2057.
— Resuma a conversa irmã. Minha bateria está descarregando. 
— Estás conversando comigo no futuro?
— Pare de me chamar na frequência de anos vindouros. Minha bateria está quase esgotada. Gastei os últimos elementos trazidos de VÊNUS, e não há previsão de chegar novo estoque no mercado interplanetário por esses dias.
— Até o próximo ano bissexto múltiplo de cem.
— Até!
— Ainda estás na frequência? Esqueci-me de orientá-la: use elementos de Marte.
— Não posso. Sou mulher.
A conexão foi interrompida. 
— Ravenala!... — Ravenala!...
— Desculpe Dan, eu estava em offl. 
Pelos sinais de frequência, Daniel sabia que não era verdade, mas Ravenala nunca mentia. Estar em off naquele momento, significava que não se conectava, nele, Daniel, sem com isso dizer que se desligara de sua fantasiosa viagem pelo mundo da imaginação. Divagações que, com muita frequência invadiam-lhe a alma. 
— Volte ao mundo dos vivos,  Ravenala. Estamos em alto mar. Precisamos salvar nossas almas.
As amarras se romperam e a jangada se desfez. Os cocos se espalharam um a um,  navegando  sozinhos na imensidão do mar aberto. 
— Controle a respiração para um mergulho. E não se afaste de mim...
Desceram.
Tocaram nalguma coisa sólida e seus  pés sangraram retaliados nos corais.  Ali perto,  viram um objeto com formato de navio. E por meio de gestos, Robert avisou que deveriam subir à superfície.
Subiram. 
Respiraram fundo e trocaram  informações do que viram.
— Há um navio sobre um cone de corais.
— Vamos descer outra vez. Quem sabe, encontraremos boias  ou alguma coisa que possa flutuar. Seja lá o que for...uma peça de madeira...algum metal leve... se conseguirmos retirá-lpo  da estrutura...
Tiveram a sensação de que o navio,  se movia, levado à superfície.  Como explicar?...
  Botos nadavam velozes e faziam manobras espetaculares, formando bolhas de ar no entorno. Mas, por  si só, as bolhas não eram suficientes parar   soerguer uma  pesada embarcação. Talvez,  a liberação de  gases provocada por  um vulcão extinto pudesse...
—E por que agora? Por que só agora, um vulcão extinto liberaria gases. Eles seriam  capazes de suspender o navio? Criar vácuo suficiente para erguer toneladas de ferro, madeira e betume? 
 Os náufragos precisavam de oxigênio, e mais uma vez, emergiram.
— Gosto de te ver assim, tão otimista, Daniel. Mas se este navio está aqui há muito tempo, nenhuma boia resistiria às intemperes da natureza.
— Está a menos de cinco  metros de profundidade. Vamos mergulhar mais uma vez.
Tocaram o navio. Examinaram o porão e se depararam com uma porta fechada,  que dava acesso, não se sabiam a quê. Tudo naquele navio fora construído com material que não existe mais na face da terra. Daniel forçou o que poderia ser  uma porta. E um vão abriu passagem, revelando uma  câmera funerária. Ai, viram vestígios de corpos, nos  contornos das cinzas ósseas. 
— Larga isso, Daniel.
— O material sólido pode servir-nos para alguma coisa.
 Apontou para cima, sugerindo que deveriam imergir.
— Parece que uma presença invisível nos acompanha.
— A atmosfera ficou pesada, depois que...
— Sim, depois que pegamos essa coisa...  Não é madeira, não é ferro, nem   mineral. Vou jogar fora!
— Jogar fora? Devolva à câmera. Ela é a dona. Façamos isso, antes que uma nuvem negra caia como sentença de morte sobre nossas cabeças.
— Respire fundo. 
— Estou cansada.
— Encha os pulmões. Vamos nadar até a praia. Não está longe.
Robert não teve dúvidas: a ilha se deslocara, aproximando-se deles.
***
Adalberto Lima, capítulos finais de "Estrada sem fim..."

 
 

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui